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Declaração do G20 desperta confiança no futuro da cultura, diz diretor do Sesc-SP

Solidariedade global é chance de mudar paradigma da produção cultural, promovendo práticas humanistas e libertárias

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Danilo Santos de Miranda

Sociólogo, é diretor regional do Sesc-SP (Serviço Social do Comércio)

[RESUMO] Atividades culturais, fortemente afetadas durante a pandemia, se transformaram com a produção de conteúdos para a internet, que democratizou o acesso às artes e ampliou o diálogo com o público. Declaração do G20 e outros documentos geram otimismo em quem acredita na cultura como ferramenta de transformação social.

Das muitas variáveis que nos indicarão se nos aproximamos do fim da pandemia, me parece razoável a expectativa do número nulo de mortos, assim como a desopressão das UTIs e a imunidade, que somente será alcançada pela vacinação em massa —como a empiria científica mais uma vez nos prova.

Finalmente, esses indícios me soam apenas coerentes para que, enfim, os especialistas decretem o encerramento dessa penúria.

Sim, já há quase dois anos nos privamos daquilo que o ex-ministro Gilberto Gil evocou poeticamente como “a validade radical do que chamamos humano”: a capacidade de provocar um sentimento de amor, de encontros possíveis e fortuitos, de reconhecimento de identidades e alteridades, do desejo de liberdade individual com respeito ao coletivo. Enfim, abdicamos da matéria-prima da felicidade em prol da segurança sanitária, do resguardo pelo bem comum e perdemos nosso elã com o bem-estar social.

Da história contada durante esse tempo, pode-se dizer que rapidamente a gestão cultural passou a estimular a produção de conteúdos nacionais e intercâmbios multinacionais na internet, e muita coisa foi filmada e disponibilizada.

Entre 2020 e 2021, o Sesc-SP contou com mais de 800 shows online, 158 espetáculos teatrais ao vivo e 77 experimentos de videodança, mais de 50 programações para crianças, 252 debates de ideias quase diários em nossos canais, que somam mais de 3 milhões de visualizações, além das mostras de filmes inéditos com parceiros nacionais e internacionais imprescindíveis para nosso modus operandi.

O que era um paliativo para assegurar a criação entre artistas, intelectuais e seus trabalhos fora dos palcos e seminários se tornou hoje um conteúdo importante para a democratização do acesso e para o diálogo com o público, pois é a dimensão sociológica das culturas que estamos ressignificando institucionalmente pelas expressões do fazer: valorizando o múltiplo e desenvolvendo endemicamente um sentido de cidadania e pertencimento a um conjunto de valores éticos.

Se hoje sentimos falta de ver um espetáculo como antes, sabemos que, quando os teatros se reabrirem, a programação presencial coexistirá com as telas mágicas para aqueles que as alcançam mais facilmente.

Dessa forma, o entusiasmo com a área cultural pode parecer um paradoxo, uma vez que esse é certamente um dos setores mais afetados economicamente durante a pandemia, mas percebo uma chance de mudar um paradigma para tonificá-la ainda mais. Destaco três documentos importantíssimos para minha convicção de que tempos melhores estão por vir.

Ao final do mês de julho, o G20 promoveu em Roma uma reunião de ministros da Cultura para refletir sobre políticas públicas que unissem a pauta da criatividade com o desenvolvimento sustentável, a preservação do meio ambiente e o alerta ao "armagedon" climático a que o consumo frenético e desproporcional nos conduz, o reconhecimento da cultura como direito, o engrandecimento da ancestralidade nativa e a transição digital e novas tecnologias, entre outros bons intentos.

Apesar de o Brasil ter extinguido seu Ministério da Cultura em janeiro de 2019, o ministro do Turismo —cuja pasta abarca a Secretaria de Estado da Cultura— esteve lá e levou consigo uma delegação numerosa. Seu discurso causou grande desconforto nos representantes dos países presentes, pois inventou uma porcentagem quimérica de que “66% do território brasileiro se encontra do mesmo jeito que estava quando Jesus veio à Terra”.

No grand finale, para alívio e surpresa de todos, firmou o documento em que defende e se compromete com a proteção ao patrimônio cultural e com todas as pautas anteriormente listadas, além de muitos temas sensatos que desejo ver implementados. Desta vez, o Brasil não foi uma exceção desarrazoada e esteve ao lado dos demais países do grupo, todos eles signatários. Que bom!

As profundas reflexões ocasionadas pela vivência da pandemia fizeram emergir, em 2021, novos documentos a respeito da cultura. Alguns deles, manuscritos que reforçam a ideia de que as culturas se refazem organicamente no tecido social e repactuam a essencialidade das artes em nossas vidas.

Ainda que já tenhamos participado de manifestações oficiais como essas em gestões anteriores do Ministério da Cultura brasileiro, me cabe atualmente destacar duas atestações internacionais que ajudam a despertar mais confiança no futuro.

De um lado está a Carta do Porto Santo, de abril deste ano, redação portuguesa muito bem-alinhada com a Declaração dos Direitos Humanos de 1948. Ela postula o comprometimento da inserção da cultura como uma educação permanente e dinâmica nas vidas em sociedade, envolta em um senso de democracia e sem hierarquias entre o erudito e o popular, garantindo acessibilidade em instituições que se transmutariam em “ex-tituições”, pensando para fora e com a comunidade.

De outro lado, está um estudo da agência de cultura da Holanda, a Dutch Culture, promovendo um debate social, impulsionando a cicatrização desses setores criativos arrasados em tempos pandêmicos e que se aliam inextrincavelmente às pautas urgentes do clima e das responsabilidades civis, das equidades de gênero e raça ao pleitear fundos mais justos.

O Sesc-SP, uma instituição que compreende alimentação, ecologia, artes e esportes como partes indissociáveis do logos e da práxis do ser humano há 75 anos, se voltou internamente a um ardil que mobilizou muitos funcionários a trabalharem unidos, considerando desejos e necessidades em tempos de exceção.

Assim, ressalto a importância de aceitarmos um quê de imprevisibilidade imposta, procurando parcerias mais consistentes, que reajam a expectativas multilaterais com base na reciprocidade. Os lastros de diplomacia são insumos que solidificam o prestígio e a permanência das instituições e, consequentemente, da rede de profissionais envolvidos.

Meu incorrigível otimismo me leva a crer que novas políticas de interesse público se voltarão à amplitude das cooperações, dilatando o acesso às artes, reinventando processos, ponderando os impactos socioambientais e fortalecendo outras estéticas.

Uma solidariedade global pode ser colocada em curso se impulsionada por quem acredita na cultura como ferramenta genuinamente transformadora em prol de um pensamento e práticas humanistas e libertários.

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