Em meio às celebrações dos 200 anos de nascimento de Fiódor Dostoiévski, o escritor e tradutor Rubens Figueiredo indica cinco obras essenciais para se conhecer o universo do escritor russo.
Romancista premiado, Figueiredo é também um dos principais tradutores do russo no Brasil. Nas últimas décadas, verteu para o português obras de Tolstói ("Anna Kariênina", "Ressurreição" e "A Morte de Ivan Ilitch"), Dostoiévski ("Crime e Castigo") e Anton Tchékhov ("A Ilha de Sacalina").
Um dos criadores do romance moderno, Dostoiévski (1821-1881) é referência central da literatura mundial. Deixou uma obra composta por personagens atormentados, mergulhados em profundos embates morais, que vem influenciando uma legião de romancistas, filósofos, dramaturgos e cineastas.
Tudo isso é um consenso no universo literário, mas a data de nascimento do autor de "Crime e Castigo" ainda provoca debates. Grande parte das homenagens celebra o aniversário nesta quinta-feira, 11 de novembro. Em muitos livros, contudo, encontra-se também o dia 30 de outubro como o correto. Na enciclopédia Britannica, por exemplo, constam as duas datas.
Isso ocorre em razão das diferenças entre dois calendários, o juliano e o gregoriano. O primeiro foi instituído em 45 a.C, pelo imperador romano Júlio César.
Um milênio e meio depois, em 1582, o papa Gregório 13 criou o calendário gregoriano, cujo uso alastrou-se pelo Ocidente. Para corrigir distorções entre datas e estações do ano, decidiu-se "pular" 10 dias em relação ao juliano. Assim, quem dormiu em 4 de outubro de 1582 acordou em 15 de outubro.
Ao longo dos anos, essa diferença foi aumentando, chegando a 13 dias hoje, pois o calendário gregoriano tem menos anos bissextos.
Países de religião cristã ortodoxa, contudo, resistiram à mudança; na Rússia, por exemplo, o calendário ocidental só passou a vigorar em 1918, quando os comunistas tomaram o poder. Ainda assim, a igreja ortodoxa russa toma como base o calendário juliano. Dessa forma, há sempre diferenças de datas nos fatos históricos do país, a depender do calendário que se utilize.
No fim das contas, comemorando-se o aniversário de Dostoiévski em 30 de outubro ou 11 de novembro, o importante é ler ou reler sua obra. E, para isso, as dicas de Rubens Figueiredo são um ótimo guia.
1. "Notas de Inverno sobre Impressões de Verão" (1863)
Editora: 34 (edição traz ainda a novela "O Crocodilo")
Tradução: Boris Schnaiderman
Quanto: R$ 34,30 (168 págs.)
Em visita a países tidos, por parte da classe dominante russa, como modelos de civilização a serem imitados, o narrador desconfia de uma farsa, por trás das belas fachadas de arte e ciência, e despeja sua agressividade mais acerba: "se isso é o verão, eu prefiro o meu inverno".
2. "Um Jogador" (1866)
Editora: 34
Tradução: Boris Schnaiderman
Quanto: R$ 33,91 (232 págs.)
Em visita a uma estação de veraneio e a um cassino no exterior, frequentados por figuras da elite europeia, que se julga superior a toda gente de outras latitudes geográficas, um russo se exaspera e, num redemoinho de moedas e cédulas cunhadas por vários Estados nacionais, questiona se ganhar dinheiro com o jogo não é, no fundo, o mesmo que ganhar dinheiro com o comércio.
3. "Crime e Castigo (1866)
Editora: 34
Tradução: Paulo Bezerra
Quanto: R$ 66,64 (592 págs.)
Editora: Todavia
Tradução: Rubens Figueiredo
Quanto: R$ 58,89 (608 págs.)
A população rural se vê empurrada para o meio urbano da grande capital, vai morar em apartamentos alugados, sublocados, divididos e subdivididos em "caixotes", "celas", "tocas", cantos". Vê sua pobreza ainda mais depauperada pela mão invisível do mercado, que, por meio de agiotas e negociantes, ensina a cada um o quanto vale ser um indivíduo livre que faz escolhas livres e racionais, em busca do benefício e da felicidade individuais, para, no fim de tudo, no fim da história e no fim do romance, produzir, como um castigo, a felicidade comum, nem que seja após a morte.
4. O Idiota (1869)
Editora: 34
Tradução: Paulo Bezerra
Quanto: R$ 72,58 (712 págs.)
O príncipe sem reino, sem terras e sem súditos chega à estação de trem na capital do Império Russo apenas com uma sacola quase vazia, depois de tratar-se de uma espécie de demência obscura num sanatório suíço. Ele tenta, com a clarividência mística de sua loucura mal curada, salvar seus irmãos de classe e de pátria, cegos pela racionalidade moderna dos negócios, das heranças, dos cálculos de cobiça pecuniária e carnal, mas não consegue impedi-los de, no fim, odiar-se e matar-se mutuamente, como feras, por força de um amor que não cabe neste mundo novo, onde nenhum amor fecha as contas.
5. Memórias do Subsolo (1864)
Editora: 34
Tradução: Boris Schnaiderman
Quanto: R$ 35,30 (152 págs.)
Sob o bombardeio das teses de um pensador inglês de que ninguém fala hoje em dia, Henry Buckle, para quem o livre-arbítrio era um peso morto, como eram também os dogmas religiosos, e para quem a história era regida por leis tão exatas como as das ciências naturais, leis que estabeleciam matematicamente a superioridade da Inglaterra e da civilização burguesa, um homem russo sem nome procura o subsolo da autoalienação como uma espécie de abrigo antiaéreo contra as bombas desse progresso e deixa, para as gerações futuras, suas memórias riscadas com rancor —e ainda um pedacinho de papel, caído no chão de terra da trincheira: "dois e dois são quatro?".
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