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Marcos Colón

Protestos na COP26 denunciam blá-blá-blá de elites que vendem salvação do planeta

Nas áreas restritas do evento, há a ilusão de que crise climática vai ser resolvida só com inovação e investimentos

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Marcos Colón

Doutor em estudos culturais pela Universidade de Wisconsin-Madison, professor do Departamento de Línguas Modernas e Linguística da Universidade Estadual da Flórida e diretor do documentário "Beyond Fordlândia"

[RESUMO] Marchas organizadas pelo movimento Fridays for Future em Glasglow rompem desconexão cognitiva da COP26, em que empresas e elites econômicas responsáveis pelo colapso climático transformam a salvação do planeta em um novo produto a ser vendido, desconsiderando o papel da natureza e dos povos que habitam os biomas mais ameaçados.

Ao embarcar na última quarta-feira (3) de Londres para Glasgow, era possível ver outdoors, cartazes em estações e ruas vendendo a badalada COP26 como a "última melhor chance de salvar o planeta". Diante do slogan, porém, nos resta saber: salvar de quem e para quem?

Distante dos holofotes das desejadas zonas verde e azul, a realidade que se apresenta nas ruas é distinta e reverbera os clamores por medidas climáticas mais eficazes.

A zona azul é destinada a pessoas registradas no evento da ONU encarregado de coordenar a resposta global à ameaça das mudanças climáticas; a verde, onde ocorrem workshops, apresentações e exposições de arte, voltada ao público em geral.

Os protestos organizados pelo Fridays for Future na sexta-feira (5) e encabeçado por povos indígenas de diferentes países reuniu cerca de 25 mil estudantes e ativistas ambientais e preparou o terreno para a marcha do dia seguinte, que levantou a bandeira da justiça climática e reuniu mais de 100 mil pessoas que enfrentaram o forte vento frio e a umidade do "dreich", como dizem os escoceses —um dia sem luz, calor e cor.

Não obstante, os ecos das ruas romperam não apenas o silêncio dessas áreas restritas, a que poucos têm acesso, mas levou para as ruas uma multidão multifacetada, que será lembrada por redefinir o "dreich" escocês.

As duas marchas puderam romper essa evidente desconexão cognitiva da COP26, a que carrega a ilusão fundamental de que os problemas ambientais do planeta serão resolvidos "na marra econômica": os tais investimentos financeiros, recursos tecnológicos e científicos, mas sem levar efetivamente em consideração o papel da natureza e dos povos que habitam os biomas mais ameaçados.

De dentro de salas restritas e ambientes controlados, a propalada salvação do planeta vai se transformando no mais novo produto a ser vendido pelas mesmas empresas que destroem o planeta. Agregar valor, produzir inovação, a mais nova tecnologia parecem ser os mantras de quem já percebeu, mas não liga muito, que a concepção de mundo por trás de todas essas ideias ditas novas, é que está nos levando ao colapso.

Como nos ousamos propor qualquer possibilidade de uma pretensa "salvação do planeta" quando excluímos da mesa de negociações ouvir os representantes dos países mais afetados pela crise climática sejam eles do Brasil, de países latino-americanos, caribenhos e africanos, além de membros da sociedade historicamente silenciados ou ignorados? Tal postura de exclusão permite menos fiscalização e pressão por parte das delegações ausentes, deixando aos governos o poder de decisão a portas fechadas.

Essa conveniente omissão chega na forma de restrições sanitária, financeira ou simplesmente pela falta de acesso às zonas oficiais de discussão.

Seria a COP26 apenas um paliativo dos tomadores de decisões para arrefecer os ânimos de uma comunidade global mais preocupada que demanda ações quando essa mesma elite política e econômica não consegue nem sequer esfriar as alardeadas consequências da irreversível crise climática?

Em um evento organizado no The New York Times Climate Hub, a atriz britânica Emma Watson, as ativistas Malala Yousafzai, Greta Thunberg, Amanda Gorman, Vanessa Nakate, Tori Tsui, Dominique Palmer, Ati Gunnawi Viviam Misslin Izquierdo, Mya-Rose Craig e Daphne Frias se reuniram para discutir o poder do ativismo climático.

Durante sua intervenção, Greta Thunberg afirmou seu ceticismo em relação à plataforma e declarou que é preciso criar consciência para que as pessoas ao redor do mundo saibam o que está e o que não está acontecendo nessas conferências.

"É preciso colocar uma pressão maciça de fora sobre eles, porque senão vão continuar se safando com o ‘blá-blá-blá’ e não vão fazer nada de realmente útil [...]. Estamos muito longe do que realmente será necessário, acho que o que seria considerado um sucesso seria se as pessoas percebessem o fracasso desta COP26."

As vozes que se levantam fora dos ambientes restritos e ganham as ruas de Glasgow são as vozes daqueles que, por milênios, souberam conviver e compreender a terra como um sistema vivo.

Mais além da transformação de tudo em mercadoria, até mesmo, da nossa extinção, essas vozes apontam para outras direções, outras conexões, outras ideias, outros mundos possíveis, absolutamente distintos, dos oferecidos pela COP26.

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