Centenário impulsiona reavaliação de 'paulistocentrismo' da Semana de 22

Participantes de debate ressaltam cosmopolitismo do Rio e vínculos do movimento modernista com elite paulista

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São Paulo

A aura mítica da Semana de 1922, que posiciona o evento como o marco zero das vanguardas artísticas brasileiras do resto do século, se deve mais à hegemonia política construída pela elite paulista que às inovações estéticas dos artistas que participaram da mostra. Por isso, deve ser objeto de uma ampla reavaliação.

Este foi o tom do debate promovido pela Folha nesta terça-feira (7), que reuniu Maria Eugênia Boaventura, ensaísta e professora titular de literatura brasileira da Unicamp, Ruy Castro, escritor e colunista do jornal, e Marcos Augusto Gonçalves, editor da Ilustríssima, que mediou o encontro.

"A Semana e o movimento modernista eram um projeto coletivo de transformar São Paulo naquilo que o Rio era, transformar o estado em uma nação dentro de uma nação. Havia um projeto político, contraditório, que tinha o apoio da elite conservadora", disse Maria Eugênia Boaventura, autora de livros de referência sobre o tema, como "O Salão e a Selva – uma Biografia Ilustrada de Oswald de Andrade" e "22 por 22".

A pesquisadora lembrou que o posto de capital cultural do país que o Rio de Janeiro detinha e afirmou que os organizadores da Semana de 1922 buscavam reproduzir a cena cultural da cidade. "A grande obsessão deles era o Rio de Janeiro, e eles pediram ajuda a Manuel Bandeira, Ronald [de Carvalho], Graça Aranha e outros. Os intelectuais mais ativos do Rio de Janeiro acolheram e muitos vieram para a Semana."

Ruy Castro lançou mão de inúmeros fatos e personagens históricos para criticar com afinco os discursos que enaltecem o evento paulista e minimizam a efervescência cultural da antiga capital no início do século. O escritor lançou recentemente "Metrópole à Beira-mar" e "As Vozes da Metrópole", livros em que inventaria o dinamismo e a modernidade da produção cultural do Rio de Janeiro nos anos 1920.

"O Rio não precisava ser modernista. O Rio já era moderno pela sua condição de cidade grande, com porto internacional, além de ser a capital do país e ser uma cidade com 300 anos de história", disse.

Para Castro, a comemoração do centenário da Semana de Arte Moderna é uma oportunidade para discutir a ideia de que o resto do Brasil vivia um atraso cultural monumental e que tenha sido preciso "que dois gênios, Mário e Oswald de Andrade, viessem nos salvar daquele abismo de soneto parnasiano e pronome bem-colocado, que é o que nós fazíamos, segundo eles, o tempo todo aqui".

Em sua síntese, "os modernistas de São Paulo fizeram a Semana não para atualizar o Brasil, mas para atualizar a si mesmos".

Marcos Augusto Gonçalves, autor de "1922 – a Semana que Não Terminou", disse ter a impressão de que as comemorações em curso do centenário vão promover um ajuste de contas com o "paulistocentrismo" da história do modernismo e permitir uma visão mais ampla, que supere a ideia de São Paulo como locomotiva de modernização da cultura brasileira e contemple a produção artística em outros locais do país.

O jornalista citou a exposição "Moderno Onde? Moderno Quando? A Semana de 22 como Motivação", em cartaz no Museu de Arte Moderna de São Paulo, com curadoria de Aracy Amaral e Regina Teixeira de Barros, como um exemplo dessa visão mais abrangente e múltipla da formação do modernismo brasileiro e destacou que a Semana teve presença marcante das artes plásticas.

Gonçalves lembrou que, embora a "literatura paulista levasse um olé da carioca" às vésperas do evento no Theatro Municipal, houve um amadurecimento dos autores nos anos seguintes, com obras de peso também na literatura, como "Macunaíma", de Mário de Andrade.

O projeto político do modernismo, associado à elite de São Paulo, também resultou em frutos elogiáveis, como o investimento em escolas, museus e instituições culturais que a cidade e o estado não possuíam, afirmou Maria Eugênia Boaventura, que encerrou o debate dizendo que não conhece nenhuma semana de cultura no mundo que tenha gerado tantas discussões durante tanto tempo quanto a Semana de 1922.

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