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Esper Kallás e Pércio de Souza

Como incentivar o desenvolvimento de melhores vacinas contra Covid-19

Sistema atual não necessariamente estimula busca por imunizantes com maior prevenção e menor número de doses

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Esper Kallás

Médico infectologista, professor titular da Faculdade de Medicina da USP e colunista da Folha

Pércio de Souza

Engenheiro e fundador do Instituto Estáter

[RESUMO] Modelo vigente de desenvolvimento de vacinas precisa ser revisto para, em meio a grave ameaça à saúde pública, priorizar a busca por imunizantes que melhorem a prevenção da transmissão do coronavírus, reduzam o número de doses para atingir uma proteção duradoura e tenham menor custo, sustentam autores.

O desenvolvimento de vacinas para prevenir a Covid-19 surpreendeu os mais otimistas dos cientistas, gestores, profissionais de saúde e da sociedade em geral. As primeiras vacinas começaram a ser adotadas apenas 11 meses após o conhecimento da sequência do Sars-CoV-2, conseguindo conter o avanço de internações e mortes pela doença.

De acordo com dados compilados pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), são 28 vacinas com aprovação definitiva em ao menos um país somadas a 8 vacinas ainda em uso temporário ou emergencial, perfazendo 36 produtos disponíveis para programas de vacinação em todo o mundo. Vindo atrás, há mais 111 vacinas em estudos clínicos, que podem também eventualmente ser usadas no futuro.

Fica nítido que não haverá espaço para tantos produtos na prateleira de compras de governos, organizações não governamentais, órgãos internacionais e iniciativa privada. Com o tempo, veremos um afunilamento desses vastos números para alguns produtos que prevalecerão.

Cabe, portanto, fazer uma reflexão sobre o que esperamos à frente. O sistema vigente de desenvolvimento, nos diferentes países, não necessariamente respeita as desejadas prioridades: buscar vacinas que melhorem a prevenção da transmissão, reduzam o número de doses para proteção duradoura, atuem contra todas as variantes do Sars-CoV-2 e sejam mais baratas e acessíveis a todos os países.

Com a vacinação ganhando força no mundo, ficará cada vez mais difícil fazer um estudo para demonstrar que uma nova vacina tem utilidade mediante a presença de vários produtos já testados, principalmente pelas empresas menores, que ficam à sombra dos gigantes do setor.

Não há mais lugar, por exemplo, para um estudo em não vacinados que inclua grupos que não recebam vacina ou recebam placebo, pois seria antiético deixar pessoas desprotegidas à medida que já conhecemos a existência de vacinas protetoras. Os estudos, portanto, terão muito mais dificuldade para provar que uma nova vacina terá melhor efeito protetor para Covid-19.

Uma alternativa seria termos um teste disponível que comprovasse que o indivíduo está protegido ou não, feito no sangue, por exemplo. É o denominado marcador de proteção, que poderia dispensar a realização de estudos que custam dezenas ou centenas de milhões de reais em milhares de pessoas. Ou discutir outro modelo de testes: infecções controladas que permitiriam, com número pequeno de voluntários, responder se uma nova vacina é protetora. Há exemplos, como os empregados em malária e dengue.

Por outro lado, a disparada da venda de vacinas por alguns fabricantes pode, também, dificultar os novos estudos. A explicação é simples: se a sociedade aceitar que a solução para o período curto de cobertura seja acelerar a recorrência da imunização, não haverá incentivo para aperfeiçoar a qualidade do imunizante. A preferência natural será a manutenção dos produtos atuais e o poderio econômico acumulado pode criar uma barreira intransponível para a competição de empresas emergentes.

É inegável a contribuição das empresas que trouxeram as vacinas para o enfrentamento da pandemia, que também resultou em recompensa financeira significativa.

A vacina BNT162b2, desenvolvida em conjunto pela alemã BioNTech e pela Pfizer já proporcionou à farmacêutica americana um faturamento de US$ 24 bilhões (R$ 137,2 bilhões) nos 9 meses de 2021 encerrados em setembro. O lucro consolidado da empresa saltou para US$ 18,6 bilhões (R$ 106,3 bilhões), vindo de US$ 8,3 bilhões (R$ 47,4 bilhões) no mesmo período de 2020.

A farmacêutica Moderna, que era uma pequena empresa de biotecnologia americana, faturou com a vacina por volta de US$ 11 bilhões (R$ 62,9 bilhões) no mesmo período e saiu de um prejuízo de US$ 474 milhões (R$ 2,7 bilhões) em 2020 para lucro de US$ 7,3 bilhões (R$ 41,7 bilhões) em apenas 9 meses de 2021.

A AstraZeneca faturou menos —US$ 2,2 bilhões (R$ 12,6 bilhões)—, enquanto seu lucro consolidado aumentou de US$ 3,9 bilhões (R$ 22,3 bilhões) para US$ 4,8 bilhões (R$ 27,5 bilhões). O lucro das empresas Sinovac e Sinopharm, produtoras das duas vacinas chinesas mais utilizadas, não está disponível, mas o número de doses entregues, mais de 4 bilhões, impressiona.

O atual modelo precisa ser revisto na busca de melhorias, especialmente no meio de uma ameaça grave à saúde pública. Não basta ficar somente com os produtos atuais, diminuindo o intervalo entre as doses, sem que haja evidências sólidas de efetividade.

O mundo ainda vive sob a ameaça de novas variantes, e a pandemia continua assolando países com novas ondas, como temos visto. Cabe a todos buscar meios de incentivar o avanço da pesquisa e cobrar por vacinas com proteção mais ampla, duradoura e acessível.

Das empresas, que lucraram tanto com as vacinas, espera-se sua contrapartida na facilitação desse processo, já que são as novas soluções que podem dar um golpe definitivo na Covid-19, que tem deixado um rastro de tragédia e miséria em boa parte do mundo.

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