Descrição de chapéu Obituário Jason Epstein (1928 - 2022)

Jason Epstein, escritor, editor e literato visionário, morre aos 93 em Nova York

Criador da New York Review of Books levou livros de qualidade ao público americano

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The New York Times

Jason Epstein, editor, autor e literato visionário que apresentou livros de qualidade ao público americano e que, durante o jantar e no meio de uma greve de jornais, plantou a semente do que se tornaria uma das principais publicações intelectuais dos Estados Unidos, The New York Review of Books, morreu na sexta-feira (4) em sua casa em Sag Harbor, estado de Nova York, em Long Island. Ele tinha 93 anos.

Epstein poderia ser descrito como um homem de letras com jeito para comércio ou como um homem de negócios com gosto por boa literatura; ambas estariam corretas. Suas principais realizações editoriais devem-se muito a uma rara combinação de instintos literários e de marketing.

Eles se uniram de modo significativo numa noite do inverno de 1962-63, quando Epstein e sua primeira mulher, a editora Barbara Epstein, convidaram o poeta Robert Lowell e sua mulher, a crítica Elizabeth Hardwick, para jantar em seu apartamento no Upper West Side, em Nova York.

Foto preto e branco mostra homem branco sorridente, de óculos e terno, com o pé esquerdo apoiado no braço de uma poltrona de couro, tendo ao fundo uma janela com persiana e uma estante de livros
Jason Epstein em seu escritório na Random House, em Nova York, em 1968 - Barton Silverman -14.jul.1968/The New York Times

Na época, Epstein era um dos principais editores da Random House, onde orientou e ajudou a moldar o trabalho de uma lista formidável de escritores, como Philip Roth, Norman Mailer, Gore Vidal, Jean Strouse, E.L. Doctorow, W.H. Auden e Jane Jacobs. Os jornais tinham praticamente desaparecido das ruas por causa da dura greve que fechou o New York Times e outros seis jornais da cidade.

Epstein comentou com seus convidados que, na ausência do New York Times Book Review aos domingos, o público leitor estava sendo mal atendido. Havia muito que Epstein via um mercado potencial para uma versão americana de The Times Literary Supplement de Londres (hoje conhecido como TLS), uma publicação semanal independente.

Na manhã seguinte, Lowell fez um empréstimo bancário de US$ 4.000, garantido por seu próprio fundo fiduciário, e convenceu seus amigos endinheirados a investir no projeto. Epstein e o editor Robert B. Silvers, que foi persuadido a deixar seu emprego na Harper’s Magazine, tornaram-se coeditores. Elizabeth Hardwick assumiu a função de consultora editorial.

A primeira edição da New York Review of Books, datada de 1º de fevereiro de 1963, estava repleta de estrelas. Havia artigos de Dwight Macdonald (resenhando Arthur Schlesinger Jr.), Mary McCarthy (sobre "Almoço Nu" de William S. Burroughs), Philip Rahv (sobre Aleksandr Solzhenitsyn), Susan Sontag (sobre Simone Weil), Irving Howe, Alfred Kazin, William Styron, Gore Vidal, Nathan Glazer, Midge Decter, Elizabeth Hardwick e Jason Epstein. Havia poemas de Lowell, W.H. Auden, John Ashbery, John Berryman, Adrienne Rich e Robert Penn Warren.

A Review, publicada duas vezes por mês, foi um sucesso imediato, em parte graças à visão de Epstein de enviar pacotes de exemplares gratuitos para livrarias universitárias de todo o país. Quando a greve terminou, em março, após 114 dias (o que ajudou a matar quatro jornais diários de Nova York), Epstein e Silvers decidiram manter a Review em ação. E ela continua.

Uma década antes, Epstein era um estagiário editorial na Doubleday & Company, com um mestrado recém-obtido na Columbia e fã de passar horas na Eighth Street Bookshop em Greenwich Village, quando teve uma ideia: se clássicos caros fossem oferecidos como brochuras de baixo custo, a população universitária em expansão no pós-Guerra poderia ser um mercado lucrativo para eles.

Epstein apresentou a ideia ao editor-chefe da Doubleday, Ken McCormick, enquanto caminhavam pelo Central Park, e em 1953 McCormick lhe deu a aprovação para começar a linha, batizada Anchor Books.
Epstein, com 25 anos na época, recrutou amigos artistas como Edward Gorey para desenhar as capas, e a Anchor logo começou a produzir títulos em quantidade: "Estudos Sobre Literatura Clássica Americana", de D.H. Lawrence, "Rumo à Estação Finlândia", de Edmund Wilson, "The Idea of a Theater", de Francis Fergusson e "A Cartuxa de Parma", de Stendhal.

Em duas semanas, os quatro primeiros títulos venderam 10 mil exemplares cada um, por algo entre US$ 0,65 centavos e US$ 1,25 (em valores atuais cerca de US$ 6,80 e US$ 13, ou R$ 36 e R$ 70).
"Jason tem a mente de um estudioso e os instintos de um vendedor ambulante, e foi isso que fez a Anchor Books", disse mais tarde um colega da Doubleday a Philip Nobile, autor de "Intellectual Skywriting: Literary Politics and The New York Review of Books" (1974).

A amizade de Epstein com o crítico literário Edmund Wilson levou a outra inovação editorial. Wilson sugeriu enquanto tomavam uma bebida que o público talvez gostasse de uma edição padronizada da grande literatura americana, semelhante à Bibliothèque de la Pléiade francesa.

A partir disso, surgiu a Library of America, uma série em expansão, publicada pela primeira vez em 1982, de volumes lindamente encadernados em elegantes sobrecapas pretas, das obras de Nathaniel Hawthorne, Herman Melville, Mark Twain, Henry James e muitos outros.

Outros projetos de Epstein se saíram menos bem. O Reader’s Catalog, uma lista de cerca de 40 mil títulos de livros que podiam ser encomendados de armazéns por telefone —um precursor do comércio online—, foi lançado em 1989, mas faliu por não conseguir competir com as redes de superlojas como Borders e Barnes & Noble.

Apesar do fracasso, Epstein manteve a ambição de reverter a tendência na publicação e venda de livros americanos em direção a uma seleção cada vez mais restrita de obras, principalmente best-sellers de alta rentabilidade de autores famosos, ricamente remunerados. Ele sonhava com um comércio diversificado de livros antigos em oferta.

Epstein o criou em 2003, quando cofundou a On Demand Books, em parte graças a uma doação da Alfred P. Sloan Foundation. A empresa comercializa a Espresso Book Machine, dispositivo que imprime e encaderna um único livro em poucos minutos no "ponto de entrega", no jargão da indústria. Pequeno o bastante para caber numa livraria, uma sala de biblioteca ou até mesmo uma banca de jornal, o dispositivo elimina a necessidade de remessa e armazenamento, disponibilizando milhões de títulos.

Braço mecânico segura livro recém-impresso em máquina; ao fundo, lê-se "PUF", o logo da editora que usa a máquina em sua livraria para imprimir livros na hora
Espresso Book Machine em ação em livraria da editora PUF (Presses Universitaires de France), em Paris, em 2016 -- Le Puf for short -- bookstore in Paris, May 26, 2016 - Dmitry Kostyukov - 26.mai.16/The New York Times

Epstein também lançou seus próprios livros, incluindo "The Great Conspiracy Trial" (1970), uma defesa dos Sete de Chicago, ativistas acusados de conspiração por incitar um motim na Convenção Nacional Democrata em 1968; "East Hampton: A History and Guide" (1975), escrito com Elizabeth Barlow; "O Negócio do Livro" (2001); e "Eating: A Memoir" (2009).

"Eating" foi baseado em uma coluna de culinária que Epstein escreveu para o New York Times no início dos anos 2000. As receitas foram extraídas de experiências culinárias que remontam a suas visitas na infância ao Maine, onde ele assistia sua avó preparar refeições em sua cozinha aconchegante no inverno.
Jason Epstein nasceu em 25 de agosto de 1928, em Cambridge, Massachusetts, filho de Robert Epstein, sócio na empresa têxtil da família, e Gladys (Shapiro) Epstein, dona de casa. Ele cresceu no subúrbio de Milton, em Boston, e, leitor ávido, formou-se no ensino médio aos 15 anos.

Embora muito mais jovem que outros colegas de faculdade, ele se matriculou na universidade Columbia imediatamente. Entre seus professores estavam os estudiosos Eric Bentley, Mark Van Doren, Joseph Wood Krutch e Lionel Trilling. Graduou-se bacharel em 1949 com mestrado em 1950, ambos em inglês.
Ele namorou com Barbara Zimmerman, outra jovem e ambiciosa editora da Doubleday de Boston, cujo pai conhecia Epstein. Eles se casaram em 1954. Barbara havia se distinguido na casa editando o diário de Anne Frank (1952).

Eles passaram a ser vistos como o primeiro casal de editores de livros de alto nível cujos jantares eram banquetes intelectuais que mereciam menção nos diários de Edmund Wilson.

O casamento terminou em 1980. Em 1993 ele se casou com Judith Miller, então repórter do New York Times. Além da filha, Helen, deixa um filho do primeiro casamento, Jacob, e três netos. Barbara Epstein morreu em 2006.

Jason Epstein foi para a editora Random House em 1958, contratado por Bennett Cerf, cofundador da empresa.

Ele deixou a Doubleday em parte devido à consternação após a casa ter se recusado, por motivos de gosto, a publicar "Lolita", o controverso romance de Vladimir Nabokov sobre a obsessão e o caso de um homem de meia-idade com uma garota muito jovem. Epstein publicou os textos de Nabokov em sua revista trimestral The Anchor Review.

Epstein e Cerf fizeram um acordo pelo qual Epstein selecionaria e editaria livros, mantendo-se livre para iniciar seus próprios negócios, desde que não houvesse conflito.

A união se mostrou produtiva para ambas as partes. Ao editar escritores de primeira linha, Epstein lançou livros como "Growing Up Absurd: Problems of Youth in the Organized System" (1960), de Paul Goodman, que se tornou uma bíblia da juventude americana na década de 1960; "Morte e Vida de Grandes Cidades" (1961), uma defesa da diversidade urbana que ele persuadiu Jane Jacobs a desenvolver a partir de um artigo sobre as falhas do planejamento urbano; e "Rules for Radicals: A Pragmatic Primer for Realistic Radicals" (1971), do líder comunitário Saul Alinsky.

Em 1976, Epstein foi nomeado diretor editorial, cargo que ocupou até 1995. (Ele também foi editor interino da Random House de 1976 a 1984.) Aposentou-se oficialmente em 1999, mas continuou editando livros até os 80 anos.

Epstein viu o universo digital como um potencial aliado nessa busca, fosse por meio de livros eletrônicos ou por impressão sob demanda.

Em 2000, disse em entrevista no programa da PBS "The Open Mind" que os editores "jogam um livro no mercado de varejo sem nenhuma ideia de para onde ele vai".

"A Barnes & Noble encomenda um livro da Random House, imprimimos 10, 15, 20 mil exemplares", continuou, "mas quem sabe onde e em que prateleira e que balconistas vão abrir o pacote e saber do que tratam os livros, ou para quem se destinam? Não sabemos".

"Isso explica", continuou ele, "por que tantos livros são devolvidos sem serem vendidos de livreiros para editores. E por que é tão difícil, às vezes, encontrar o livro que você procura em uma livraria. E por que é tão difícil para os autores encontrar seu público apropriado. Mas, neste outro sistema, você terá mercados-alvo para cada autor. A tecnologia torna isso possível e, portanto, vai acontecer. Não hoje, mas algum dia. Isso vai criar um mundo totalmente novo."

Epstein, no entanto, via a publicação de livros como mais que um negócio. Para ele era quase uma vocação, ainda que pudesse ter dificuldade para obter lucro. Publicar, disse ele na mesma entrevista, era "mais comparável ao que padres, professores e alguns médicos fazem do que ao que fazem as pessoas que se tornam advogados, empresários ou corretores de Wall Street".

"É uma vocação, você sente que está fazendo algo extremamente importante e vale a pena se sacrificar, porque sem livros não saberíamos quem somos."

Tradução Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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