Descrição de chapéu Independência, 200

Letra do hino nacional foi oficializada há 100 anos; entenda os versos

Versos escritos pelo poeta Joaquim Osório Duque-Estrada foram ratificados em setembro de 1922

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Belo Horizonte

Contar a história do hino nacional brasileiro significa recuperar uma criação feita em dois momentos, separados por décadas.

A melodia, composição do maestro carioca Francisco Manuel da Silva, é muito provavelmente de 1831.

A letra que se canta hoje, por sua vez, foi composta em 1909 pelo poeta fluminense Joaquim Osório Duque-Estrada e oficializada apenas em 6 de setembro de 1922, um dia antes da celebração do centenário da Independência do Brasil.

Dentro uma sala, o maestro Francisco é registrado em segundo plano, enquanto olha para duas mulheres que estão em destaque. Uma delas está de pé e outra está sentada em frente a um piano, ouvindo as notas que o maestro dita.
O maestro carioca Francisco Manuel da Silva ditando o hino nacional em óleo sobre tela de José Correia de Lima (1850) - Wikimedia Commons

Antes da composição de Duque-Estrada, houve uma versão do hino feita em 1831, ano da abdicação de dom Pedro 1º ao trono, e outra de 1841, quando dom Pedro 2º foi coroado.

Entretanto, com a proclamação da República, em 1889, surgiu a necessidade de criar símbolos que remetessem às proposições políticas futuras do Brasil, e não ao que havia ficado para trás, ou seja, o Império.

"Os republicanos queriam substituir a imagem de dom Pedro como criador da nação pela imagem da República. Era possível usar a mesma música, mas com outra letra", diz a historiadora Cecília Helena de Salles Oliveira, professora do Museu Paulista da USP.

O hino "é uma construção retórica que fala da liberdade e exalta a pátria e a nação, mas o sentido dessas palavras muda ao longo da história", ressalta a historiadora.

A letra de Duque-Estrada segue um estilo parnasiano, com preciosismo linguístico e inversões da ordem das palavras. É também romântica em sua concepção, marcadamente ufanista.

Saiba mais sobre os trechos que compõem o hino nacional:

Ouviram do Ipiranga as margens plácidas
De um povo heróico o brado retumbante,
E o sol da liberdade, em raios fúlgidos,
Brilhou no céu da pátria nesse instante.

A estrofe lembra o momento escolhido para representar o início da nação brasileira: o famoso e controverso grito do Ipiranga, "Independência ou morte", proferido pelo então príncipe regente Pedro no dia 7 de setembro de 1822.

O trecho recria esse momento de modo bastante visual: as águas do rio estavam calmas e o sol, com raios reluzentes, brilhou no exato momento em que Pedro deu o grito.

Como conta a historiadora, o trecho reforça uma narrativa que já estava incorporada à cultura histórica da sociedade da época, baseando-se nos relatos da viagem do príncipe a São Paulo, que se popularizaram na segunda metade do século 19; nos livros didáticos do período; e na tela "Independência ou Morte" (1888), de Pedro Américo.

Se o penhor dessa igualdade
Conseguimos conquistar com braço forte,
Em teu seio, ó liberdade,
Desafia o nosso peito a própria morte!

O poeta pretende destacar que a emancipação em relação a Portugal —fato que colocou os dois impérios em pé de igualdade— foi conquistada após muita luta.

A partir do terceiro verso, ele personifica a liberdade e se dirige a ela, ressaltando que os brasileiros estariam dispostos a desafiar a própria morte para manter a autonomia do território.

Ó Pátria amada,
Idolatrada,
Salve! Salve!

A estrofe é um exemplo nítido do tom nacionalista. Em texto da Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, publicada em 1995, o historiador Avelino Romero Pereira, professor de história da música da Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro), escreveu que "a historiografia tradicional da música brasileira traz como substrato ideológico uma feição marcadamente nacionalista, apoiada numa concepção de história romântica e positivista".

Brasil, um sonho intenso, um raio vívido
De amor e de esperança à terra desce,
Se em teu formoso céu, risonho e límpido,
A imagem do Cruzeiro resplandece.

Surge a menção ao Cruzeiro do Sul, conjunto de estrelas em forma de cruz, que só pode ser visto próximo à linha do Equador ou no próprio hemisfério sul.

O Cruzeiro do Sul está ainda presente no centro da bandeira e do selo nacionais e na caracterização das armas nacionais, também conhecidas como brasão nacional.

Gigante pela própria natureza,
És belo, és forte, impávido colosso,
E o teu futuro espelha essa grandeza.

Segundo o poeta, o futuro irá refletir a grandeza literal e simbólica do Brasil. Graças à unidade territorial conquistada, o país é hoje o quinto mais extenso do mundo.

Terra adorada,
Entre outras mil,
És tu, Brasil,
Ó Pátria amada!
Dos filhos deste solo és mãe gentil,
Pátria amada,
Brasil!

A ideia de "mãe" como aquela que cuida é comumente usada como sinônimo de pátria.

Deitado eternamente em berço esplêndido,
Ao som do mar e à luz do céu profundo,
Fulguras, ó Brasil, florão da América,
Iluminado ao sol do Novo Mundo!

O trecho exalta a localização do Brasil, banhado pelo mar, de um lado, e fazendo fronteira com países da América do Sul, do outro.

Contudo, entre os vizinhos, o país se destaca: é reconhecido enquanto "florão", algo que possui muito valor, iluminado pelo sol que brilha no continente americano.

Dom Pedro está no centro da imagem, ao lado do também compositor Evaristo da Veiga, tocando um piano. Eles estão rodeados de outras pessoas, em sua maioria, mulheres ricamente vestidas, que acompanham a execução do hino
O hino nacional não é o único hino oficial brasileiro. Entre 1822 e 1824, dom Pedro 1º e Evaristo da Veiga compuseram o hino da independência, como imagina óleo sobre tela de Augusto Bracet datado de 1922 - Coleção Museu Histórico Nacional/ Wikimedia Commons

Do que a terra, mais garrida,
Teus risonhos, lindos campos têm mais flores;
"Nossos bosques têm mais vida",
"Nossa vida" no teu seio "mais amores."

Novamente, a natureza do país é exaltada: sua terra é "garrida", ou seja, tem elegância e graça, assim como os seus campos, "lindos", "risonhos", com flores que os ornam.

Os dois últimos versos fazem referência direta ao poeta Gonçalves Dias, que em 1843 escreveu "Canção do Exílio". O poema, que começa com o trecho "minha terra tem palmeiras / onde canta o sabiá", é marcado pelo saudosismo e pelo patriotismo.

Brasil, de amor eterno seja símbolo
O lábaro que ostentas estrelado,
E diga o verde-louro dessa flâmula

"Paz no futuro e glória no passado."

"Lábaro estrelado" e "verde-louro" são referências à bandeira do Brasil —especificamente, às estrelas que a compõem e às suas cores. Na tradição romana, lábaro representa um estandarte militar.

Ao mesmo tempo em que reconhece um passado glorioso do território, o poeta sugere que esses símbolos nacionais devem inspirar um futuro de paz e amor.

Mas, se ergues da justiça a clava forte,
Verás que um filho teu não foge à luta,
Nem teme, quem te adora, a própria morte.

Mas, por fim, ressalta: se a paz não for possível, o brasileiro não se ausentará da guerra para defender a justiça e os valores do país.

Para ilustrar essa construção, o poeta ainda retoma a figura da "clava", arma de guerra semelhante a um porrete usada pelos povos indígenas.

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