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José Alexandre Scheinkman e Juliano Assunção

Reflorestamento na Amazônia é crucial para enfrentar crise climática e econômica

Equilíbrio global depende do Brasil, mas falta vontade política para frear desmatamento

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José Alexandre Scheinkman

Professor da Cátedra Charles and Lynn Zhang de Economia da Universidade Columbia

Juliano Assunção

Economista, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, onde integra o Núcleo de Avaliação de Políticas Climáticas

[RESUMO] Pesquisas apontam o enorme potencial ecológico e econômico, para o Brasil e o mundo, da regeneração de áreas desmatadas na Amazônica, assim como da substituição da pecuária em parte delas pelo restauro. Boas iniciativas em curso, contudo, são travadas pela falta de empenho do governo em combater a devastação, o que garantiu ao Brasil a imagem de pária internacional na área ambiental.

Nos últimos 50 anos, o desmatamento na Amazônia foi excessivo e sem propósito —e hoje, paradoxal e tragicamente, isso cria oportunidades.

Que não nos enganemos: do ponto de vista ecológico, econômico, da decência e da justiça, teria sido muito melhor se não tivéssemos agido assim, mas agimos e agora temos mais de 80 milhões de hectares de terras abandonadas ou subaproveitadas em pleno cinturão dos trópicos.

Esse imenso desperdício nessa latitude específica pode ser parte importante da solução para enfrentar a emergência das mudanças climáticas.

Grande área devastada pelo garimpo ilegal no meio da floresta amazônica
Grande área devastada pelo garimpo ilegal na região do baixo Tapajós, oeste do estado do Pará - Nádia Pontes/DW

O desmatamento da Amazônia é assunto de interesse para além das nossas fronteiras. A segurança do clima global depende da floresta. O estoque de carbono armazenado na bacia amazônica é maior que todas as emissões históricas de fonte fóssil dos Estados Unidos.

Além disto, a ciência do clima indica que a destruição da floresta afetaria outros grandes sistemas, tal como a circulação oceânica (termoalina), que também tem um papel importante no equilíbrio climático.

A Amazônia, contudo, não é apenas uma ameaça, é também parte da solução. As soluções com base na natureza são parte importante do conjunto de medidas necessárias para enfrentarmos a crise climática —há estimativas de que um conjunto de 20 práticas associadas ao uso da terra responderia por 37% do potencial de redução de emissão de carbono necessária até 2030 para mantermos o aquecimento global inferior a 2ºC.

O reflorestamento e a contenção do desmatamento se destacam como as soluções de maior potencial. Neste campo, a Amazônia é protagonista. As florestas tropicais armazenam 25% da biomassa florestal do planeta. E em nenhum outro lugar as árvores têm potencial para acumular de maneira permanente tanta biomassa.

Há enorme potencial de recuperação florestal na Amazônia. As informações de satélite apontam que aproximadamente um quinto de toda a área desmatada está abandonada e já em processo de regeneração natural, dos quais 7,2 milhões de hectares (uma área equivalente à soma dos estados do Espírito Santo e Alagoas) estão em processo avançado, com mais de seis anos.

Neste contexto, a restauração florestal é um ativo a ser explorado pelo Brasil, especialmente agora com o amadurecimento do mercado de carbono, o aumento dos compromissos de grandes empresas privadas em compensar suas emissões e a demanda por bônus ligados a metas de sustentabilidade, como a recente emissão do Chile.

No contexto da Amazônia, com investimentos relativamente modestos, é possível garantir a restauração florestal e receber pagamento pela captura de carbono.

Um possível dilema para a Amazônia seria justamente o desenvolvimento da atividade de restauração florestal em contraposição à pecuária que atualmente ocupa quase 75% de toda a área desmatada da região.

No entanto, uma análise cuidadosa da dinâmica de ocupação do solo e suas implicações para emissões sugere que seria mais rentável substituirmos grande parte da área hoje destinada à pecuária pelo restauro florestal. A pecuária ficaria restrita às áreas com maior produtividade.

Isso considerando a rentabilidade das atividades desenvolvidas na Amazônia e os preços de carbono superiores a US$ 30. Como referência, o preço do mercado europeu, o maior do mundo, foi de US$ 53 em média em 2021 e quase atingiu a marca de US$ 100 em agosto de 2022.

Esse resultado de ineficiência do desmatamento não surpreende quem observa a fração de áreas desmatadas que estão abandonadas, a baixa produtividade da pecuária na Amazônia (aproximadamente 30 % inferior em relação à região Sul), ou o baixo crescimento da região mesmo se comparado ao fraco desempenho da economia brasileira.

A produtividade da pecuária da Amazônia, além de baixa, está estagnada há bastante tempo, na contramão das demais regiões do país. O quadro geral é desastroso —a Amazônia produz apenas 10% do PIB do Brasil, mas responde por metade de nossas emissões de gases de efeito estufa.

Um governo comprometido em controlar o desmatamento e a degradação florestal, usando instrumentos que já se mostraram eficientes no passado, teria credibilidade para assinar acordos internacionais que compensariam o Brasil pelos serviços de captura de emissões de gases com efeito estufa. Neste caso, seria mais rentável destinar, em grande parte, a área ocupada pela pecuária para o restauro.

O verdadeiro dilema é, portanto, de natureza política. Não há como obter o valor gerado pelo potencial da Amazônia na captura de emissões enquanto não controlarmos o desmatamento e a degradação florestal.

São atividades ilegais em quase todos casos, que beneficiam poucos em detrimento de muitos e depreciam o ambiente social e econômico. E o desmatamento também tem prejudicado o fluxo de investimentos estrangeiros no Brasil, que adquiriu a reputação de pária internacional.

A boa notícia é que o Brasil já sabe como controlar o desmatamento de forma eficaz. A experiência brasileira nessa área é muito rica e bem-sucedida. Por exemplo, medidas de fiscalização, como a rápida detecção de áreas desmatadas com imagens de satélite, garantiram uma queda de cerca de 80% no desmatamento entre 2004 e 2012.

Além disso, a criação de reservas ambientais ou unidades de conservação protegeu mais de 55 milhões de hectares de florestas na Amazônia (equivalente ao território de Minas Gerais).

Também fomos pioneiros na estruturação de um fundo internacional para captar doações para investimentos não reembolsáveis em promoção de conservação ambiental e ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, o Fundo Amazônia.

Criado em 2008 a partir de um acordo entre Brasil e Noruega, o Fundo Amazônia foi o primeiro que seguiu a lógica de pagamento pela redução das emissões por desmatamento e degradação florestal (REDD+). Totaliza R$ 3,4 bilhões a arrecadação desde a sua criação, mesmo com algumas dificuldades operacionais no início. No entanto, em meio à alta do desmatamento na Amazônia e a preocupações com as posições adotadas pelas autoridades brasileiras, os repasses ao fundo foram congelados.

Outro exemplo é a recém-constituída Coalizão LEAF, que oferece mecanismos de pagamento por REDD+, a exemplo do Fundo Amazônia. Estimativas apontam que uma trajetória que encerrasse o desmatamento na Amazônia brasileira até o final desta década poderia gerar até US$ 18,2 bilhões, considerando o preço mínimo de apenas US$ 10 dólares por tonelada de CO².

Ou seja, além de sabermos combater o desmatamento na Amazônia, há estruturas já em curso que nos permitiriam captar recursos internacionais relevantes para a região. Por outro lado, já existem empresas de restauro florestal que estão se posicionando para operar no mercado de carbono.

Essas iniciativas apontam que o setor privado enxerga possibilidade concretas no futuro próximo, apesar de reconhecer os desafios institucionais para operar na região, principalmente diante das incertezas fundiárias e da possibilidade de que as políticas desastrosas dos últimos anos sejam mantidas.

Toda essa análise considera apenas o valor do carbono. No entanto, a economia do Brasil depende muito mais da floresta amazônica do que se imagina. O agronegócio brasileiro é dependente de chuva —somente 6% da área agrícola é irrigada. E a nossa matriz energética, ainda baseada em hidrelétricas, depende também das chuvas.

Chuvas que garantem o agronegócio e a geração de energia hidrelétrica no Brasil provêm da Amazônia, no fenômeno conhecido como "rios voadores". Além disto, a enorme diversidade biológica da floresta poderia transformar a Amazônia em um importante centro de produtos florestais e de biotecnologia. Seriam benefícios adicionais da vegetação nativa.

Enfim, a floresta nos oferece um caminho promissor. A Amazônia tem vocação natural para o restauro florestal. O potencial para geração de renda através dos mercados de carbono é enorme, mas precisaremos enfrentar os dilemas.

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