Jorge Amado 'profanou o livro e sacralizou a rua', diz Simas

8ª mesa da série Perguntas sobre o Brasil reuniu Josélia Aguiar e Luiz Antônio Simas para discutir a atualidade da obra do autor baiano

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Belo Horizonte

Morto há pouco mais de duas décadas, Jorge Amado se mantém como um escritor imperativo para falar sobre a identidade brasileira.

Não à toa, quatro de seus livros foram indicados em 200 anos, 200 livros, iniciativa da Folha, da Associação Portugal Brasil 200 anos (APBRA) e do Projeto República (núcleo de pesquisa da UFMG). Por meio de recomendações de 169 intelectuais da língua portuguesa, o projeto apresentou 200 obras importantes para entender o país.

"A obra de Jorge Amado vê na brasilidade a solução para o Brasil", resume o escritor e historiador Luiz Antônio Simas, que participou, na tarde desta quarta (21), do oitavo diálogo do ciclo Perguntas sobre o Brasil.

"O que ele está propondo é um mergulho profundo nas brasilidades para que a gente tente subverter e transgredir esse projeto de exclusão que é o Brasil", diz Simas.

retrato de luiz antonio simas, homem branco e careca de barbas castanhas, com alguns fios grisalhos. ele usa uma camisa de futebol listrada nas cores vermelha, amarela e verde
O historiador e escritor Luiz Antônio Simas, que participou do ciclo Perguntas sobre o Brasil - Zô Guimarães/Folhapress

Promovido pelo Centro de Pesquisa e Formação (CPF) do Sesc São Paulo, pela APBRA e pela própria Folha, o ciclo vem reunindo, desde setembro deste ano, convidados de diferentes perfis para tratar temas variados da contemporaneidade –à luz das obras indicadas pelo projeto 200 anos, 200 livros.

Nesta última edição, Simas, também compositor e coautor do livro "Dicionário da História Social do Samba", vencedor do Prêmio Jabuti de Livro de Não Ficção em 2016, juntou-se à jornalista, escritora e doutora em história pela USP Josélia Aguiar para responder à seguinte pergunta: o Brasil ainda se vê nos livros de Jorge Amado?

Para ambos, não há dúvida de que sim. "Jorge Amado pensa muito a Bahia e, a partir dela, está pensando boa parte do Brasil", diz Aguiar, que publicou em 2018 o livro "Jorge Amado: Uma Biografia", também vencedor do Jabuti.

"O Brasil sempre teve muita dificuldade de se ver nos livros do Jorge Amado", ela pondera, destacando a insistência da crítica especializada em colocar o autor na categoria de literatura regional.

"O que mais me impressionava, conforme eu ia lendo livro por livro, era o quanto aquilo podia ter sido escrito naquele momento [da pesquisa para a escrita da biografia]. Tudo era muito atual. Em alguns casos, ele antecipou problemas que se tornaram mais difíceis para o país, como a questão da infância nas ruas", diz a biógrafa.

É o caso de "Capitães da Areia" (1937), um dos livros indicados entre as 200 obras.

Simas, que propôs uma abordagem para entender a contribuição de Jorge Amado a partir da historiografia, afirma que o escritor "foi o sujeito que profanou o livro e sacralizou a rua".

"Profanou no melhor sentido", ele continua. "Profanou porque eu descobri, por meio do Jorge Amado, que podia me lambuzar do livro e ter uma relação lúdica e intelectual com a obra. E, ao mesmo tempo, ele me mostrou que a rua tem as suas instâncias de sacralidade."

Para Simas, "Jorge Amado é uma chance que o Brasil tem de sair do labirinto para chegar à encruzilhada". O historiador pega emprestada a noção de encruzilhada das tradições afro-brasileiras para descrever um lugar de "impossibilidade da pureza, em que você necessariamente se contamina por outras presenças".

As obras do autor baiano descortinariam um país que se forma na "dimensão da rasura, da sujeira no nosso processo de formação", diz o historiador.

foto da jornalista Joselia Aguiar, mulher branca de longos cabelos pretos
A jornalista Josélia Aguiar, autora da biografia de Jorge Amado - João Bertholini/Divulgação

Essa característica é conquistada, como ressaltaram os debatedores, de forma acessível.

"Ele foi muito combatido como um autor que pretendia ser popular, por fazer essa literatura engajada que tem algo de entretenimento e que consegue chegar a uma população muito ampla, inclusive de não leitores", afirma Aguiar.

"Este é um momento da gente pensar o quanto precisávamos ter sido muito mais generosos com autores populares."

Além desses aspectos da obra de Jorge Amado, a edição, mediada pela pesquisadora do CPF e doutora em música Flavia Prando, debateu racismo e direitos das mulheres. Também lembrou curiosidades da vida e da produção do escritor baiano.

A conversa foi transmitida pelos canais do Sesc São Paulo, do Diário de Coimbra e da APBRA no Youtube e pode ser assistida na íntegra abaixo.

A próxima edição do ciclo será realizada no dia 18 de janeiro, às 16h, com transmissão online pelos canais citados. O debate vai partir da seguinte pergunta: como afastar o país de suas raízes autoritárias?

A partir de fevereiro de 2023, o ciclo Perguntas sobre o Brasil retoma as discussões a cada duas semanas. Serão debatidas as contribuições de escritores brasileiros, como Guimarães Rosa e Euclides da Cunha, e abordados temas como as religiões de matriz africana. Veja a programação completa.

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