Retrospectiva: Capítulo da novela econômica do país acaba em suspense
Sergio Lima/Folhapress | ||
O ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, após discurso e receber o prêmio da Academia Brasileira de Ciências Contábeis |
Está terminando em suspense o capítulo 2014 da novela econômica brasileira.
Depois de errar por quase três anos, a heroína parece ter tido um surto de lucidez.
Você já viu (ou viveu) este enredo. A garota tem recursos e vem crescendo bem. É alguém de quem se diz: "Tem futuro". Até que, de susto, toma uma decisão errada.
O efeito esperado não vem. Ansiosa, ela comete enganos cada vez maiores.
Como se, para ajudar um colega em dificuldades, assaltasse a carteira da irmã.
O colega continua na pior e a irmã, sem poder pagar a mensalidade, abandona o curso de inglês. A heroína larga o estágio para ensinar a irmã, mas então precisa arrumar bicos para pagar as contas e toma bolinha para não dormir na faculdade. Deixa a academia, perde massa muscular, encadeia doenças.
Editoria de Arte/Folhapress | ||
No início, quem está de fora dá indiretas, que depois viram alertas. Mas a garota, com bons propósitos e crenças firmes, não quer ouvir.
Perde a confiança dos professores, patrões, amigos e, por fim, do colega e da irmã que tentou ajudar.
A condução da economia brasileira nascida com o Plano Real, em 1994, entrou por veredas perigosas perto de completar 18 anos, em 2012, como um adolescente que se perde na passagem para a vida adulta. Achou ser possível ajeitar "na marra" e no varejo cada problema que surgia.
Baixou juros para segurar o consumo e reanimar a produção nacional, que seguiu deprimida -mas a inflação botou as garras de fora. Tentou-se contê-la segurando dólar e algemando tarifas, o que bagunçou a vida de setores como o de energia.
Veio 2013 em ritmo de desaquecimento: reduziu-se a arrecadação para ampliar desonerações. As contas foram remediadas com criatividade contábil -versão fiscal do pensamento mágico infantil.
No prontuário dessa crise, 2014 foi sem novidades. Não se acrescentaram vícios aos dos anos anteriores. Um médico só anotaria "sintoma persiste" ou "agravou-se".
Eis que, em novembro, a heroína parece acusar um golpe em ponto realmente sensível. Dentro de casa, o namorado -o mercado de trabalho-, que resistira o tempo todo a seu lado, não aguenta mais. Do lado de fora, a ameaça de uma reprovação severa que o exclua da classe dos países dignos de crédito vira um pesadelo real.
Troca-se a equipe econômica e sobe a trilha final: Madeleine Peyroux canta "I am changing all those changes that I made when I left you".
Conseguirá a heroína recobrar juízo, saúde, musculatura? O futuro, enfim? Só saberemos no próximo capítulo.
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