Governo do Rio Grande do Sul decreta estado de calamidade financeira
Alan Marques/Folhapress | ||
Governador do Rio Grande do Sul, José Ivo Sartori, decretou calamidade financeira |
Em grave crise financeira, com dificuldades para pagar salários e dívidas, o governo do Rio Grande do Sul decretou nesta terça-feira (22) estado de calamidade financeira.
O decreto, publicado em Diário Oficial, cita a crise da economia brasileira, com queda estimada de 7% no PIB (Produto Interno Bruto) em dois anos, e afirma que ela trouxe "trágicas consequências" para a situação financeira do Estado, sua arrecadação tributária e capacidade de financiamento.
Após a publicação, o governador José Ivo Sartori (PMDB) afirmou que medidas de corte de gastos tomadas anteriormente não foram suficientes e falou em "transparência" e "verdade" em relação às finanças do Estado.
"As medidas criando lei de responsabilidade fiscal, previdência complementar, cortando gastos de toda ordem, não foram suficientes para manter a estrutura do estado", disse. "
"Tomamos medidas que são também no sentido de modernizar a administração, fazer a recuperação dela e, mesmo que tenhamos tomado medidas ao longo do tempo, desde o primeiro dia de governo, procuramos tratar isso com muita transparência e colocando a verdade sobre a situação financeira do estado do Rio Grande do Sul", afirmou.
Com a decretação, o governo ganha uma "margem de manobra", e fica autorizado a parcelar ou atrasar o pagamento de dívidas, suspender gastos não essenciais e fazer compras sem licitação em caso de emergência, além de poder receber ajuda federal.
A calamidade financeira é semelhante ao estado de calamidade pública. No caso do Rio Grande do Sul, foi fundamentada na Constituição estadual. A Lei de Responsabilidade Fiscal prevê que, em caso de calamidade, o Estado seja dispensado das metas fiscais estabelecidas na lei orçamentária, como limite de gastos com pessoal e de dívidas —mas, para isso, o decreto precisa ser reconhecido em votação pela Assembleia.
Sem dinheiro, o governo gaúcho tem parcelado os salários dos servidores desde o início do ano. A segurança pública é uma das áreas que mais sofre: policiais estão desmotivados, sem horas extras e, em alguns casos, sem gasolina. O efetivo diminuiu, e uma onda de crimes se instalou no Estado.
Na segunda (21), o governador José Ivo Sartori (PMDB) já havia anunciado a extinção de 11 órgãos, a redução de secretarias e a privatização de três companhias estatais —as medidas ainda precisam ser aprovadas pela Assembleia, onde o governo enfrenta também um processo de impeachment proposto por movimentos sindicais, que se insurgiram contra o que chamam de "pacote de maldades".
"O Estado que queremos deixar para nossos filhos e netos depende de escolhas difíceis, decisões firmes e esforços redobrados", disse Sartori nesta segunda, ao anunciar as medidas fiscais.
Ele defendeu que o Estado diminua de tamanho, e que se faça um debate com a sociedade sobre o que o governo suporta pagar. "Nós defendemos que o novo Estado gradativamente se volte à segurança, saúde, educação, infraestrutura e às áreas sociais. Tudo o que não dialogar com esses propósitos, de servir às pessoas, especialmente aquelas que mais precisam, não deve onerar as contas públicas", afirmou.
O peemedebista irá se encontrar nesta terça com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e com outros governadores para tratar de socorro financeiro aos Estados em dificuldade, que ainda não sabem como vão pagar o 13º salário, entre outras obrigações.
Sartori não deixou claro sobre se espera um aporte da União ao Estado. "Estamos todos atrás todos os dias de recursos, mas também compreendemos a realidade financeira da União", disse.
CRISE NO RIO
No início de novembro, a Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) aprovou decreto de calamidade pública que permitirá que o Poder Executivo estadual possa descumprir alguns pontos da Lei de Responsabilidade Fiscal.
O Rio enfrenta uma das maiores crises de sua história e precisa da flexibilização para tentar sair do fundo do poço. Antes dos jogos Olímpicos, o Estado anunciou calamidade pública para receber uma ajuda emergencial do governo federal de cerca de R$ 3 bilhões.
Para solucionar a crise no Estado, o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB), lançou pacote com 22 medidas, entre elas uma que estipulava a contribuição previdenciária de 30% dos vencimentos do servidores.
O projeto provocou protestos de servidores públicos em frente à Alerj, o que forçou Pezão a abrir mão da contribuição de 30%.
REAÇÕES
O decreto de calamidade, junto com o pacote de medidas fiscais, provocou reações contrárias.
Servidores já começaram a organizar protestos contra o governo e sinalizam com a possibilidade de greve. Nem mesmo na base de apoio a Sartori na Assembleia há unanimidade sobre a proposta.
"Esse pacote é um tiro no pé", diz Sérgio Arnoud, presidente da Federação dos Servidores do Rio Grande do Sul. "A população vai continuar pagando os mesmos impostos por menos serviços. É um desestímulo à função pública."
A estimativa dos sindicatos é que pelo menos 1.200 servidores sejam demitidos com a venda de estatais e a extinção de fundações pelo Estado. Aposentados também terão acréscimo na contribuição a ser paga ao Estado, de 13,25% para 14%.
Eles se queixam da votação das propostas em regime de urgência -a Assembleia terá 30 dias para aprovar ou não o pacote.
"Esse decreto [de calamidade] é um ato político para pressionar os deputados. O Estado deveria ter discutido o tema com a sociedade, e não feito um pacote a quatro paredes, para ser votado entre o Natal e o Ano Novo", afirma Arnoud.
O Poder Judiciário também se manifestou contrariamente às medidas.
"Não é porque há uma crise que você pode aceitar tudo que o governo propõe", diz Gilberto Schäfer, presidente da Ajuris (Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul).
Para a entidade, o pacote vai reduzir o serviço público em setores essenciais, como, por exemplo, ao extinguir a secretaria de Direitos Humanos. "Há consequências para o futuro", afirma Schäfer.
Os juízes também se queixam do novo cálculo dos repasses ao Judiciário, que serão feitos de acordo com a receita estadual, e não mais segundo a previsão orçamentária.
"Isso coloca o Judiciário aos pés do Executivo, e impede o planejamento. É extremamente pernicioso."
O líder do governo na Assembleia, deputado Gabriel Souza (PMDB), vê as reações como "naturais".
"É um pacote complexo, denso e muitas vezes polêmico", afirmou à Folha. "Nós respeitamos as manifestações, mas o Estado tem que tomar medidas enérgicas para enfrentar uma situação crítica."
Para ele, é preciso que o governo priorize os "serviços essenciais" à população.
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