Crítica
Livro revisita era petista para explicar a origem da recessão
No fim de 2014, poucas semanas após assegurar sua reeleição, Dilma Rousseff encontrou-se com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Granja do Torto, em Brasília, para discutir planos para o seu segundo mandato.
"Sabe qual é a lição que devemos tirar dessa eleição?", perguntou Lula à sucessora. "Somos nós contra eles, e nós somos maioria, presidente", ela respondeu. "Não, Dilma, é que nós estamos fodidos!"
Reconstituído com ajuda de uma testemunha do encontro, o diálogo é um dos momentos reveladores de "Anatomia de um desastre", livro que os jornalistas Claudia Safatle, João Borges e Ribamar Oliveira escreveram sobre os desatinos cometidos pelos petistas nos 13 anos em que Lula e Dilma governaram o país.
Os três são profissionais experientes, que há décadas cobrem economia em Brasília. Safatle é diretora adjunta de Redação do jornal "Valor Econômico", Borges é comentarista da GloboNews e Oliveira é colunista do "Valor".
O livro narra com didatismo a evolução da política econômica na era petista, dos passos cautelosos que Lula deu após chegar ao poder, em 2003, até os tropeços do governo Dilma, quando o país afundou na atual recessão, que já dura dois anos e meio.
Como o diálogo de Lula e Dilma no livro sugere, os dois tinham uma boa noção do buraco que cavaram, apesar do discurso triunfalista que adotaram na campanha eleitoral.
Alguns dos episódios do período, revisitados com a ajuda de ex-ministros e ex-funcionários que ficaram à vontade para falar sob a proteção do anonimato, ajudam a entender o que deu errado.
Em 2012, por exemplo, quando Dilma decidiu estender a vários setores a política de desonerações que lançara para aliviar o peso dos impostos em algumas indústrias, alguns de seus colaboradores foram contra. "Eu quero emprego", respondeu Dilma ao encerrar uma discussão certa vez, conforme o livro.
"Até hoje ninguém sabe como o setor de hotéis foi parar na lista", afirma um assessor entrevistado pelos jornalistas. "Quem pedia levava."
No fim, 80 mil empresas de 56 setores -de indústrias têxteis a editoras de jornais- foram beneficiadas por essa política, que levou o governo a abrir mão de R$ 328 bilhões em impostos em quatro anos.
É possível que as desonerações tenham ajudado a preservar empregos temporariamente, mas elas não foram capazes de estimular a economia e contribuíram para aumentar o fosso que a crise abriu nas contas do governo.
Poucos tinham disposição para contrariar a presidente. No início de 2014, quando o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, sugeriu que Dilma restringisse o acesso
a benefícios trabalhistas e previdenciários para economizar, sua resposta foi ríspida, segundo o livro: "Você quer que eu perca a eleição?"
Anatomia De Um Desastre |
Claudia Safatle, João Borges, Ribamar Oliveira |
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Reeleita, Dilma trocou Mantega por um economista de corte ortodoxo, Joaquim Levy. Era tarde. Com o aprofundamento da recessão, protestos nas ruas e até o PT jogando contra, Levy foi embora em menos de um ano. "Se ninguém sabe por que a senhora quer ser presidente, ninguém vai apoiá-la", disse Levy ao se despedir de Dilma, segundo o relato dos jornalistas.
Escrito com clareza e concisão, o livro perde fluência no terço final, em que assuntos laterais interrompem a narrativa e confundem a cronologia a ponto de causar um erro embaraçoso, situando antes da posse de Dilma duas prisões que a Operação Lava Jato só efetuou meses depois.
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