Fórum de Davos põe o capitalismo no divã com nova agenda

Crédito: Keystone via AP A worker is busy with final preparations inside the Congress Center two days ahead of the 47th Annual Meeting of the World Economic Forum, WEF, in Davos, Switzerland, on Sunday, Jan.15, 2017. (Gian Ehrenzeller/Keystone via AP) ORG XMIT: MDAV102
O Fórum de Davos, na Suíça, será pautado por eventos como o 'brexit' e o triunfo de Trump

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A DAVOS

O Fórum Econômico Mundial de Davos, o convescote anual da elite planetária, vai, a partir desta segunda-feira (16), colocar o capitalismo no divã.

A principal evidência de que estão perplexos os capitalistas, que formam a nata dos que se encontram todo janeiro na cidadezinha suíça encravada nos Alpes, é a divulgação nesta segunda, véspera do início oficial do Fórum, de um relatório que propõe "uma nova agenda de crescimento e desenvolvimento".

Não, não sai o mercado –a força que hoje monopoliza a agenda–, mas entra o "povo", palavra que raramente frequenta Davos.

Diz o texto do Fórum que é preciso colocar "padrões medianos de vida –isto é, o povo– no centro das estratégias nacionais de desenvolvimento e da integração econômica internacional".

Não se trata de jogar fora o receituário tradicional, dito neoliberal, caracterizado pelo predomínio avassalador dos mercados, pela austeridade e pelo livre-comércio.

Mas se trata de equilibrar melhor as coisas, incluindo na receita "esforços combinados para difundir oportunidades, renda, segurança e qualidade de vida, isto é, padrões de vida como parte do processo de crescimento".

Que o receituário hoje hegemônico não está funcionando direito assinala-o até Klaus Schwab, o criador do Fórum Econômico Mundial e, como tal, anfitrião das mais de 3.000 personalidades que se reunirão em Davos.

"Está claro que, hoje, as coisas não estão indo bem para essa visão aberta e pragmática de progresso. Líderes têm sido demonizados como 'a elite'. Interdependência é vista como fraqueza. O nacionalismo foi reciclado para forjar novas e mais duras identidades. A retórica antiglobalização está ameaçando a economia colaborativa e as estruturas comerciais que trouxeram tanto progresso ao integrar o mundo em desenvolvimento com o desenvolvido", escreveu para o "Financial Times".

TERREMOTOS

Dois terremotos de 2016 pesaram fortemente para alterar a agenda convencional de Davos-2017: o "brexit", o voto dos britânicos para deixar a União Europeia, e a vitória de Donald Trump, que toma posse justamente no último dia do encontro do Fórum (sexta-feira, 20).

Era inevitável levar capitalismo e sua expressão política, a democracia, ao divã, do que dão provas inúmeras das sessões marcadas para o evento de Davos.

Duas delas bastam para indicar o espírito da coisa: "Repensando o capitalismo", nesta terça-feira (17), e "Fortalecendo a democracia", no dia seguinte.

FIM DA HISTÓRIA

Detalhe essencial: a esmagadora maioria da clientela de Davos é composta pelos que acreditaram piamente na tese do "fim da história", proclamada pelo filósofo Francis Fukuyama, já velha de um quarto de século.

Decretava, então, que o livre mercado e a democracia haviam triunfado inexoravelmente.

Que os apóstolos dessa ideia se disponham agora a repensá-la e, mais que isso, a propor uma agenda complementar é uma imensa mudança de paradigma.

Pode ser pura coincidência, mas, na profunda incerteza sobre o que será feito da liderança norte-americana sob a presidência de Trump, é sintomático que o pronunciamento inaugural de Davos-17 caiba a Xi Jinping, o líder da China.

O modelo chinês –capitalista na economia, embora com forte presença do Estado, e uma ditadura na política– parece ser a única alternativa restante no planeta, se os Estados Unidos de fato se retirarem ou alterarem sua rota.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.