Datilógrafos veem mais próximo fim da máquina de escrever na Índia

TIM SULLIVAN
DA ASSOCIATED PRESS, EM NOVA DÉLI

O fim está chegando, ainda que isso possa parecer implausível às 10h de uma terça-feira, diante das dezenas de jovens indianos que chegam para as aulas do Anand Type, Shorthand and Keypunch College, e do barulho ensurdecedor de uma legião de máquinas de escrever Remington.

Observando as salas de aula lotadas da escola de datilografia e estenografia Anand, você talvez imagine que as máquinas de escrever continuam a ter futuro na Índia. Mas o país é um dos últimos lugares do mundo em que elas continuam a ser parte da vida cotidiana, e o crepúsculo está se aproximando.

Até mesmo Sunil Chawla admite o fato, e ele manteve abertas as portas da Chawla Typewriters muito depois que os lucros desapareceram.

"Acreditávamos que esse negócio duraria para sempre", disse Chawla, um homem cortês cujo pai fundou a loja de máquinas de escrever da família quase 60 anos atrás, mas cujos filhos optaram por trabalhar em outros ramos. "Vou mantê-la funcionando pelo tempo que puder. Mas depois de mim, não sei o que acontecerá. Não há futuro nesse negócio."

Por enquanto, apenas uma coisa o mantém em atividade. "Máquinas de escrever são o meu negócio", ele disse. "Continuo a ter um fraco por elas, e não quero abrir mão".

Além disso, as pessoas continuam a enviar máquinas de escrever para conserto em sua oficina, ainda que o negócio da empresa hoje em dia seja principalmente a venda de suprimentos para copiadoras e máquinas de plastificação de documentos.

Restam alguns milhares de datilógrafos profissionais na Índia. Há um punhado de mecânicos profissionais de máquinas de escrever e lojas que vendem peças sobressalentes para elas. Há escolas de datilografia e, ao menos ocasionalmente, elas parecem lotadas de alunos. Há regulamentos governamentais há muito obsoletos que, pelo menos por enquanto, ajudam as máquinas de escrever a sobreviver.

MAS POR QUANTO TEMPO MAIS?

"Só venho aqui para passar o tempo", disse Satinder Kumar em uma recente visita vespertina a Tis Hazari, o principal complexo judicial de Nova Déli, onde cerca de 50 datilógrafos faturam alguns poucos dólares ao dia batendo contratos de locação, de venda e outros documentos judiciais.

Kumar trabalha há 41 anos no Tis Hazari, e o dinheiro que ganha como datilógrafo ajudou a criar seus dois filhos.

"Era um emprego muito bom. Trabalhávamos da manhã à noite", ele disse, encurvado diante de sua Remington manual, com uma boina vermelha puxada por sobre a testa para protegê-lo do frio matinal. Um cartaz manuscrito que diz "S. K. Kumar (datilógrafo)" pende sobre o que ele chama de "escritório", uma mesa de metal enferrujado em um dos pátios do complexo.

Agora, ele datilografa apenas 10 ou 15 páginas por dia, para alguns poucos entre as centenas de advogados que circulam apressados pelo labirinto de corredores e edificações. A 15 rúpias, ou cerca de US$ 0,20, por página, o que ele fatura mal cobre o custo do transporte para o trabalho, das fitas para a máquina de escrever e dos ocasionais reparos realizados pelo último mecânico de máquinas de escrever que resta no complexo. Para os datilógrafos, o movimento só cresce quando todos os computadores do complexo estão ocupados, ou quando acontece uma queda de luz.

Mais de 20 anos atrás, Kumar compreendeu que tudo que se relaciona à datilografia não demoraria a mudar dramaticamente. "Da primeira vez que vi um computador, sabia que as máquinas de escrever chegariam ao fim, um dia", ele disse. No computador, cartas e formulários legais podem ser reutilizados infinitas vezes, e requerem apenas a mudança de nomes e endereços. Em muitos casos, não há qualquer necessidade de digitadores. Ele ri, mas mal consegue ocultar o amargor. "Agora chegou o momento!"

Em retrospecto, Kumar diz que provavelmente deveria ter aprendido a usar o computador. Mas a datilografia continuava muito boa, como negócio, até 10 anos atrás, quando os computadores começaram a se tornar mais baratos e acessíveis, e por isso ele nem se incomodou.

Agora, aos 65 anos, ele acredita que talvez seja tarde demais. "Creio que é hora de deixar tudo isso para trás", disse.

Depois, Kumar me encarou diretamente, franzindo os olhos e mostrando suspeita. "Por que você está fazendo todas essas perguntas sobre máquinas de escrever?"

É uma questão válida. A tecnologia muda constantemente. Profissões desaparecem regularmente. Algum jornalista escreveu sobre o declínio da profissão de balconista em locadora de vídeo? Ou lamentou o final do relógio com tela de cristal líquido?

Mas há algo de diferente nas máquinas de escrever, que por mais de um século foram tão importantes na maneira pela qual o mundo se comunicava. Era por meio delas que presidentes promulgavam ordens, que Hemingway escrevia seus livros, que repórteres redigiam artigos. Tudo, dos mais tediosos memorandos a cartas de amor profundamente eróticas, era concebido em uma máquina de escrever.

IMPORTÂNCIA DA DATILOGRAFIA

Na Índia, as máquinas de escrever jamais foram só mais um equipamento de escritório. Eram sinal de educação, de realização profissional, da crescente independência das mulheres ao ingressarem lentamente na força de trabalho. As máquinas de escrever serviram como trama para um filme de Bollywood e como símbolo do nacionalismo ("a máquina de escrever Grande Índia incorpora os mais recentes avanços", afirmava um anúncio da Godrej Typewriters, sediada em Bombaim, na década de 50).

Mesmo hoje, a datilografia pode ser o caminho para o sucesso. Em um país no qual um cargo público serviu por muito tempo como uma das poucas maneiras de ascender à classe média, milhares de indianos disputam uma vaga de escrivão. E embora a maioria das repartições públicas tenha substituído as máquinas de escrever por computadores, nos testes de seleção, algumas delas ainda requerem domínio da datilografia.

Para Suresh Bansal, que por 40 anos dirigiu o, e lecionou no Anand Type, Shorthand and Keypunch College, a notícia é bem-vinda.

"Você não pode olhar para as teclas ao datilografar! É a coisa mais importante do teste", disse Bansal.

A escola hoje ocupa apenas alguns cômodos em um velho edifício de tijolos e pedra. Há 20 anos, todas as máquinas de escrever da escola estariam em uso quase constante.

"Quando alguém saía de uma máquina, outra pessoa logo aparecia", disse Bansal, sentado por sob as luzes fluorescentes de uma das duas salas de aula da escola, com os cabelos esparsos penteados por sobre o couro cabeludo.

Na época, existiam centenas de pequenas escolas de datilografia em Nova Déli, repletas de universitários, aspirantes a postos públicos e jovens mulheres em busca de emprego como secretárias.

Por volta de 2000, as coisas começaram a se desacelerar. A economia indiana havia retomado o crescimento e computadores já não pareciam proibitivamente caros. Primeiro os fabricantes estrangeiros —Facit, Remington— fecharam suas fábricas na Índia. Em seguida, em 2009, a fabricante indiana Godrej and Boyce fechou a última linha de montagem de máquinas de escrever na Índia. Os poucos fabricantes de máquinas de escrever que restam no planeta se concentram em linhas especiais, como máquinas de escrever com carcaça de plástico transparente, usadas em prisões para impedir contrabando.

O escritório de Chawla, como sua empresa, parece ter parado no tempo. O quadro de avisos mostra uma lista de feriados oficiais de 1983, e um calendário de 1988. Nas salas da empresa, há pilhas e mais pilhas, algumas delas mais altas que uma pessoa, de velhas máquinas de escrever, teclados metálicos, misteriosas caixas empoeiradas. Ele guarda tudo, porque é quase impossível encontrar peças sobressalentes, hoje, e as máquinas velhas são muitas vezes usadas como fontes de peças de reposição.

Não há computador no escritório. Chawla tem um deles em casa, mas sente que seria desleal levá-lo ao escritório.

Ele faz todo o seu trabalho em uma Godrej Prima portátil com mais de uma década de idade. A máquina está em condição perfeita.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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