Descrição de chapéu The New York Times

Europa vive boom de mão de obra barata e descartável

Crédito: Milan Bures/ - 2.nov.17"The New York Times" Migrant workers wait for a bus near the Foxconn factory in Pardubice, Czech Republic, Nov. 2, 2017. Employment agencies across the region recruit thousands of migrants for Foxconn and other businesses, with conditions and pay that few in-country nationals would accept. (Milan Bures/The New York Times) ORG XMIT: XNYT165
Migrantes esperam ônibus perto de fábrica da Foxconn em Pardubice (República Tcheca)

DO "NEW YORK TIMES"

A noite estava caindo sobre Pardubice, na República Tcheca, e um grupo de trabalhadores com aparência fatigada emergiu de um úmido dormitório de concreto de três andares e correu para os ônibus que os aguardavam. O turno noturno de trabalho estava para começar, em duas fábricas, da Foxconn e da Panasonic, ali perto.

A maioria dos trabalhadores foi recrutada na Romênia, na Bulgária e em outros países da Europa Central, por uma grande agência de emprego.

Quando seus contratos de trabalho se encerram, eles são mandados para casa e sucedidos por novos grupos de trabalhadores migrantes.

Em toda a Europa, cerca de 55 mil agências de emprego recrutam centenas de milhares de trabalhadores temporários a cada ano, para postos de trabalho braçal e de serviços com baixos salários.

As agências oferecem aos empregadores acesso a uma força de trabalho mais flexível -e evitam alguns dos custos trabalhistas da região.

As agências que buscam trabalhadores braçais vasculham o continente em busca de pessoas para colher legumes no Reino Unido, misturar concreto na França ou operar linhas de montagem na Europa Oriental.

Embora recebam salários mensais, esses trabalhadores em muitos casos têm jornadas longas e a remuneração por hora frequentemente é de € 3,50 (R$ 14) –menos que o salário mínimo em alguns dos países em questão.

Algumas das agências de emprego controlam toda a cadeia de suprimento de mão de obra, transportando recrutas a outros países, alojando-os e carregando-os de ônibus para o trabalho e de volta, e por fim os transferindo a outro lugar quando deixam de ser necessários.

As práticas são legais sob as normas que autorizam os cidadãos da União Europeia a trabalhar em qualquer um dos 28 países-membros.

Mas, agora que os empregadores estão terceirizando cada vez mais postos de trabalho e recorrendo a contratos curtos para economizar custos, as autoridades regulatórias europeias estão reforçando sua fiscalização.

MÃO DE OBRA ESCASSA

Cerca de um terço dos trabalhadores europeus estão empregados sob contratos atípicos, hoje, como motoristas da Uber ou até pilotos de avião, e há preocupação com a erosão das proteções trabalhistas básicas, tais como benefícios previdenciários e licenças médicas.

Para as empresas, o desafio de contratar pessoal de baixo custo é cada vez mais complicado. A retomada da economia está reduzindo a disponibilidade de mão de obra barata, que atraiu a Foxconn e outros empregadores para o continente.

Para os trabalhadores migrantes, a escolha é difícil.

Os que vêm de países europeus mais pobres estão ansiosos por encontrar empregos que paguem melhor. Mas as agências em certos casos operam em uma área cinzenta, exigindo que os trabalhadores assinem contratos em idiomas estrangeiros e os sobrecarregando de condições de trabalho que pouca gente aceitaria em seu país de origem, bem como pagando muito pouco.

Quase uma dúzia de trabalhadores das fábricas de Pardubice, todos os quais falaram sob a condição de anonimato, disseram que não tinham ideia de que os contratos que assinaram os exporiam a horas extras frequentes, inclusive nos finais de semana e à noite, e que teriam de estar sempre disponíveis para seus empregadores.

Um casal romeno, com 23 e 24 anos de idade, viu um anúncio no Facebook da agência Xawax e disse que o entrevistador lhes prometeu alojamento gratuito, turnos regulares de trabalho e salários semelhantes ao dos operários tchecos -um mínimo de € 585 mensais (R$ 2.300), e superiores ao que conseguiriam ganhar na Romênia.

Os dois embarcaram em um ônibus repleto de recrutas e foram levados a Pardubice. Lá, assinaram um contrato de emprego de seis meses com a Xawax, escrito em tcheco, idioma que nenhum dos dois compreende, e sem a presença de um tradutor.

O casal contou que a Xawax logo os informou de que teriam de fazer horas extras frequentes e que só receberiam o salário prometido se conquistassem o direito a bonificações. Os termos eram parte do contrato que eles não compreenderam.

Quando a mulher adoeceu no trabalho e desmaiou, o que exigiu internação no hospital, ela diz ter recebido pouca ajuda da agência para organizar seu tratamento.

OUTRO LADO

Jan Hendrych, presidente do Wincott People Group, que adquiriu a Xawax em 2017, disse que sua empresa respeita as leis trabalhistas de todos os países em que opera. Mas, segundo ele, se a investigação interna mostrar que a Xawax as adotava, "essa forma de comportamento deve ser considerada no mínimo como antiética, e precisa cessar".

Em declaração, a Foxconn afirmou que ela e as agências que recrutam pessoal em seu nome garantem que os trabalhadores recebam salários e benefícios superiores aos requisitos mínimos da República Tcheca.

A Panasonic afirmou que recorria a agências como a Xawax para recrutar pessoal por causa da escassez de mão de obra e que tanto ela quanto as agências cumpriam as leis trabalhistas tchecas.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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