'Criamos os produtos que o mercado busca', diz presidente da Salton

Crédito: Eduardo Benini/Divulgação Pesquisa Datafolha prefeitos 18jun2012
Daniel Salton, presidente da vinícola Salton, na sede da empresa, na Serra Gaúcha

FLÁVIA G.PINHO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Fundada em 1910 como um pequeno armazém em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, a vinícola Salton tornou-se um gigante centenário.

A segunda maior empresa do ramo no país produz 30 milhões de litros de bebidas por ano, de vinhos caros e suco de uva a espumantes e conhaques populares.

Neto do fundador e presidente desde 2009, Daniel Salton começou a trabalhar na empresa ainda adolescente, como carregador de caixas de uva, e testemunhou transformações profundas ao longo dos anos, algumas das quais estão em curso -como a aposta nas novas linhas de bebidas não alcoólicas.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

Folha - Como nasceu a Salton?
Daniel Salton -Meu bisavô, o italiano Antonio Domenico Salton, chegou com a família em 1878, confiando que encontraria terras fantásticas na Serra Gaúcha. Mas o governo brasileiro já dava as suas caras: os imigrantes encontraram mato puro. Não havia sementes para plantar nem sal para cozinhar. Sem dinheiro para voltar, ele precisou se virar. Em 1884, abriu uma casa de pasto, estabelecimento que oferecia hospedagem e vendia refeições, e passou a produzir o próprio vinho com uvas plantadas no quintal. Mas a empresa nasceu oficialmente 26 anos depois, quando um de seus filhos, Paulo, transformou a casa de pasto em armazém.

Que tipo de vinho a Salton produzia no início?
Assim como todos os imigrantes, a família produzia vinho com uvas americanas, ou uvas de mesa, próprias apenas para consumo in natura e para a fabricação de sucos. Assim foi durante muitos anos. Na minha adolescência, nos anos 1970, trabalhava na empresa durante as férias, para faturar um dinheirinho, e lembro bem do vinho brasileiro daquela época. Faltava técnica, mão de obra qualificada e boas uvas, um problema que atingia todas as vinícolas. As frutas chegavam em dornas abertas e já iam fermentando pelo caminho. O vinho não podia ser bom.

Quando a qualidade do vinho brasileiro melhorou?
A transformação ocorreu com a abertura às importações, no começo dos anos 1990, no governo de Fernando Collor. Vinhos estrangeiros, como o famoso alemão Liebfraumilch, entraram no país e fizeram o setor se mexer. As poucas vinícolas que existiam aproveitaram para adquirir equipamentos melhores e outras foram fundadas.

Em qual segmento de mercado a Salton apostava então?
Nosso foco era produzir muito volume, mas os produtos tinham baixo valor agregado. Foi assim até o fim da década de 1990, quando aconteceu o boom do mercado de espumantes. Em 1999, nosso estoque se esgotou em agosto por causa dos preparativos para a virada do milênio. Era uma bebida de ocasião, só para datas festivas, porque ninguém pedia espumante em restaurante. Ainda assim, enxergamos que havia ali um grande potencial de crescimento, um impulso para que pudéssemos mudar nossa imagem.

Qual foi a estratégia?
Precisávamos aumentar nossa capacidade de produção, mas não valia a pena investir um dinheirão para vender vinho barato. Mudamos então nosso foco para a produção de vinhos finos. Investimos R$ 20 milhões na construção da nova vinícola, em Tuiuty [distrito de Bento Gonçalves], contratamos um enólogo argentino, implantamos controles internos de qualidade, passamos a rastrear a origem das uvas, mudamos métodos operacionais e administrativos. Passamos também a cultivar uvas na Campanha Gaúcha, na fronteira com o Uruguai. Lá, o investimento chegou a R$ 50 milhões.

Como as gerações mais antigas reagiram a tantas mudanças?
Sempre há quem critique, o que é bom, porque faz a gente pensar mais. A geração anterior à minha era muito dividida. Meu pai e meus tios viviam discutindo. Havia o time da matriz, no Rio Grande do Sul, e o da filial, em São Paulo. Quando o meu primo Angelo Salton assumiu a presidência, em 1986, ele tinha visão mais comercial, enquanto eu era focado no planejamento. E nós fizemos um acordo: deveríamos unir forças. Ainda assim, tivemos discordâncias. Eu sentia necessidade de promover mudanças na gestão da empresa, mas o Angelo sempre achava que era cedo para pensar em sucessão. Infelizmente, ele se foi precocemente, aos 56 anos.

O que mudou após a morte dele?
Aprendemos que não se pode confiar no tempo, porque podemos ser pegos de surpresa. No ano passado, promovemos dois funcionários à diretoria, depois que investimos na formação deles. Ainda temos membros da família no primeiro escalão, mas eles sabem que não estão lá só porque são da família. É preciso provar competência.

Como uma empresa com mais de cem anos dosa tradição e inovação?
Se você deixar, as novas gerações não se interessam pelo passado e só querem saber do futuro. Por isso, cada funcionário contratado passa por um intenso treinamento para conhecer a fundo os pilares da Salton. Aprende sobre a família, nossa história e nossos valores. Somos simples, sem frescura, trabalhamos sem gravata e até o porteiro me chama pelo primeiro nome. Os 60 mil turistas que visitam a vinícola todos os anos vêm atrás dessa tradição. Essa é a base da conexão entre os clientes e a marca.

Qual será o futuro da Salton?
Os espumantes continuam sendo nosso carro-chefe e respondem por 40% do faturamento [a empresa não revela o valor total]. Também apostamos no crescimento dos vinhos finos, cuja fatia ainda é de 10%. Ao mesmo tempo, deixamos estagnadas as linhas mais populares, como os vinhos Chalise e Perlage. Hoje, elas não representam mais de 5% do faturamento. Precisamos inovar, criando os produtos que o mercado busca. Lançamos linhas de chás e a vodca Vorus, por exemplo. Nosso futuro está na diversificação.


HISTÓRIA CENTENÁRIA

1884
O italiano Antonio Domenico Salton inaugura uma casa de pasto na colônia Dona Isabel, hoje Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, e passa a produzir o próprio vinho

1910
O filho de Antonio, Paulo Salton, assume os negócios da família. A antiga casa de pasto passa a se chamar Paulo Salton Armazéns Gerais

1930
A empresa deixa de atuar no setor de alimentos e foca na produção de vinho

1948
É inaugurada a primeira unidade em São Paulo, com escritório e fábrica de destilados

1959
É lançado o Conhaque Presidente, uma das marcas icônicas da empresa

1967
Com a morte de Paulo, seu sobrinho Mario Salton assume a presidência. A empresa assume a vocação principal e passa a se chamar Vinhos Salton S/A - Indústria e Comércio Ltda (atual Vinícola Salton S.A.)

2000
A empresa entra no mercado de vinhos premium com o rótulo Salton Volpi

2004
É inaugurada a nova sede em Tuiuty, distrito de Bento Gonçalves. Com 37 mil m², a unidade produz vinhos, espumantes, frisantes e sucos de uva

2012
A Salton passa a cultivar uvas em Santana do Livramento, na fronteira entre o Rio Grande do Sul e o Uruguai, em uma área de 635 hectares

2015
A unidade de São Paulo é transferida para Jarinu, interior do Estado. Com 17,2 mil m², a planta se dedica à produção de destilados, como a vodca Vorus

2016
É lançada a linha Grape Tea, de chás com suco de uva

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