Descrição de chapéu twitter

Fábrica de contas falsas no Twitter turbina perfis de atletas e astros da TV

Crédito: Dave Sanders - 20.jan.2018/"The New York Times" The building that the Florida-based company Devumi listed as its address, in Manhattan, Jan. 20, 2018. Drawing on an estimated stock of at least 3.5 million automated accounts, each sold many times over, the company has provided customers with more than 200 million Twitter followers, a New York Times investigation found. (Dave Sanders/The New York Times)
O prédio que a Devumi afirma ser sua sede em Nova York

DO "NEW YORK TIMES"

A verdadeira Jessica Rychly é uma adolescente de Minnesota com um sorriso amplo e cabelos ondulados. Ela gosta de ler e do rapper Post Malone. Quando entra no Twitter ou no Facebook, ela, algumas vezes, fala sobre estar entendiada ou faz piadas com os amigos. Mas no Twitter há uma versão de Jessica que nenhum de seus amigos ou familiares reconheceria.

Apesar de as duas Jessicas dividirem o mesmo nome, fotografia e até a descrição, a outra Jessica promovia contas sobre investimentos em imóveis no Canadá, criptomoedas e uma estação de rádio em Gana. A Jessica falsa seguia ou retuitava contas em árabe ou indonésio, línguas que a Jessica real não fala. Enquanto ela era uma estudante de 17 anos no último ano do ensino média, a sua réplica falsa frequentemente promovia contas com pornografia.

Essas contas sobre pornografia pertencem a uma obscura companhia americana chamada Devumi, que obteve milhões de dólares no nebuloso mercado global de fraude em mídias sociais.

A Devumi vende seguidores e retuítes no Twitter para quem quiser parecer mais popular ou demonstrar influência on-line. Com um um grupo de estimados ao menos 3,5 milhões de contas automatizadas, cada um deles vendido várias vezes, a companhia ofereceu aos seus clientes mais de 200 milhões de seguidores no Twitter, segundo investigação do "New York Times".

"Eu não quero minha foto ligada a uma conta —nem meu nome", afirma Rychly, que agora tem 19 anos. "Não consigo nem imaginar que alguém possa pagar por isso. É simplesmente horrível."

Essas contas são moedas falsas na economia em ampla expansão da influência on-line, atingindo praticamente toda indústria em que a audiência em massa —ou a ilusão dela— possa ser monetizada.

As contas falsas infestam as redes de mídia social. Estimativas apontam que até 48 milhões das contas que o Twitter aponta como verdadeiras na realidade são contas automatizadas que buscam simular pessoas reais —a companhia afirma que esse número é bem menor.

Em novembro, o Facebook informou a investidores que o seu número de usuários falsos era pelo menos o dobro da sua estimativa anterior, indicando que até 60 milhões de contas automatizadas estão rondando a maior plataforma global de mídia social.

Essas contas falsas, conhecidas como bots, podem ajudar a influenciar a audiência para o mercado publicitário e remodelar os debates políticos. Elas podem lesar negócios e arruinar reputações. Ainda assim, a sua criação e a sua venda caem em uma zona nebulosa.

"A viabilidade dessas contas fraudulentas e suas interações nas plataformas de mídias sociais —e a profissionalização desses serviços fraudulentos— são um sinal de que ainda há muito trabalho a ser feito", afirmou o senador democrata Mark Werner, que integra a Comissão de Inteligência do Senado americano, que está investigando a disseminação de contas falsas no Facebook, no Twitter e em outras plataformas.

Apesar do aumento das críticas em relação às empresas de mídia social e de elas estarem cada vez mais no alvo dos políticos, o negócio envolvendo a venda de seguidores falsos continua, em grande parte, intocado.

Apesar de o Twitter e outras plataformas proibirem a compra de seguidores, a Devumi e dezenas de outros sites os vendem abertamente. E as empresas de mídia social, cujo valor de mercado na Bolsa de Valores tem relação direta com o seu número de usuários, fazem suas próprias regras para identificar e eliminar as contas falsas.

German Calas, fundador da Devumi, negou que a empresa venda seguidores falsos e disse não saber nada sobre o roubo de identidades de usuários de verdade.

"As acusações são falsas. Não temos conhecimento de nenhuma atividade desse tipo", afirmou Calas, em troca de e-mails realizada em novembro.

O "New York Times" analisou documentos em tribunais e empresariais da Devumi que mostram que ela tem mais de 200 mil clientes, incluindo estrelas de programas de reality show nos EUA, atletas profissionais, comediantes, pastores e modelos.

Os documentos mostram que, na maioria das vezes, os próprios clientes compram seus seguidores. Em outros, são empregadores, agentes, empresas de relações públicas, familiares ou amigos que fizeram a aquisição.

A Devumi oferece que suas contas vejam vídeos no YouTube, ouçam músicas no serviço SoundCloud e deem um endosso no LinkedIn. Tudo por apenas alguns centavos de dólar cada um.

O ator John Leguizamo tem seguidores da Devumi. O mesmo acontece com Michael Dell, o bilionário da informática, e Ray Lewis, ex-astro de futebol americano e que hoje comenta o esporte na TV dos EUA. Kathy Ireland, uma modelo que hoje comanda um empreendimento avaliado em meio bilhão dólares, tem centenas de seguidores falsos da Devumi. Até mesmo Martha Lane Fox, membro do conselho do Twitter, tem alguns.

Kristin Binns, porta-voz do Twitter, afirmou que a empresa não costuma suspender usuários pela compra de usuários falsos. Ela explica que isso acontece porque é difícil para a empresa identificar quem é responsável pela aquisição.

O Twitter não informou se os exemplos de contas falsas apresentados pelo "New York Times" —cada um deles baseado em um usuário verdadeiro— violam as regras da empresa sobre personificação.

"Nós continuamos a lutar duramente para impedir qualquer automação mal-intencionada em nossa plataforma assim como o uso de contas falsas ou spam", afirmou Binns.

PERFIS SUSPEITOS

Para tentar compreender o negócio, o "New York Times" se tornou cliente da Devumi. Em abril do ano passado, o jornal criou uma conta teste no Twitter e pagou US$ 225 (R$ 710 em valores atuais) em troca de 25 mil seguidores. Os primeiros dez mil pareciam pessoas de verdade. Eles tinham fotos, nomes completos, cidades de origem e, muitas vezes, descrições que pareciam autênticas. Uma das contas parecia ser de Richly, a jovem de Minnesota.

Mas, olhando mais de perto, alguns detalhes pareciam estranhos. Os nomes dos perfis tinham letras a mais ou trocas de caracteres que não notadas facilmente (mudar, por exemplo, um "l" por "I").

Os 15 mil seguidores seguintes eram claramente mais suspeitos: não tinham fotos de perfil e, em lugar de nomes, haviam fragmentos misturando letras e números.

RELAÇÕES OCULTAS

Os documentos analisados da Devumi mostram como ela e seus clientes preferem esconder as relações.

A maior parte dos clientes famosos da empresa usa as redes sociais para vender produtos, serviços ou para se promover.

Questionados pela reportagem, as suas explicações variavam: compraram seguidores porque ficaram curiosos sobre como o serviço funcionava ou se sentiram pressionados para aumentar o número de seguidores deles próprios ou de seus clientes. Alguns deles afirmaram que acreditavam que a Devumi fornecia verdadeiros fãs ou clientes em potencial, mas outros reconheceram que sabiam ou suspeitavam que eram contas falsas. Vários disseram ter se arrependido da aquisição.

"É uma fraude", afirmou o britânico James Cracknell, atleta de remo que ganhou medalha de ouro na Olimpíada de Sydney (2000) e que adquiriu 50 mil seguidores da Devumi. "Não é algo saudável que as pessoas julguem pelo número de curtidas ou de seguidores."

Vários clientes da Devumi ou seus representantes não quiseram comentar o caso, entre eles, Leguizamo, que participou de filmes como "O Pagamento Final", "De Volta ao Jogo e "A Era do Gelo. No caso dele, os perfis foram comprados por um sócio. Muitos outros não responderam aos repetidos esforços para entrar em contato com eles.

Alguns deles negaram a compra. Entre eles, estão Ashley Knight, assistente pessoal de Ray Lewis (ex-jogador da NFL), cujo endereço de e-mail aparece em um pedido de compra de 250 mil seguidores, e Eric Kaplan, amigo do presidente Donald Trump e palestrante motivacional —o e-mail pessoal dele aparece ligado a oito pedidos de compra.

Vários clientes da Devumi reconheceram que compraram os bots porque as carreiras, em parte, dependem da sua influência nas mídias sociais.

"Ninguém vai levar você a sério se você não tiver uma presença significativa", afirmou Jason Schenker, economista que adquiriu ao menos 260 mil seguidores.

Mais de cem autointitulados influenciadores digitais —cujo valor de mercado é ainda mais diretamente ligado ao número de seguidores nas mídias sociais— adquiriram contas no Twitter da Devumi.

Influenciadores precisam ser bem conhecidos para conseguir dinheiro de patrocínio. Recente reportagem do tabloide britânico "The Sun" mostrou que os jovens irmãos Arabella e Jaadin Daho, 14, ganham juntos US$ 100 mil (R$ 315 mil) ao ano como influenciadores digitais, trabalhando com marcas como Amazon, Disney, Louis Vuitton e Nintendo. Arabella, que tem 14 anos, usa no Twitter o nome Amazing Arabella.

Mas as contas dela e de seu irmão são turbinadas por milhares de retuítes comprados por sua mãe e administradora de suas carreiras, Shadia Daho, segundo documentos da Devumi.

Daho não respondeu às repetidas tentativas para entrar em contato com ela via e-mail ou por meio de uma agência de relações públicas.

A EMPRESA

Depois de mandar um e-mail para Calas (fundador da Devumi) no ano passado, a reportagem do "New York Times" visitou o endereço que a empresa apresenta no site dela como seu. O prédio tem dezenas de locatários, mas nem a Devumi nem a Bytion (a holding que é sua dona) aparecem entre eles. Um porta-voz do dono do prédio disse que a Devumi e a Bytion nunca alugaram nada lá.

Assim como os seguidores que a Devumi vende, o seu escritório era uma ilusão.

Segundo ex-funcionários da empresa, a entrada e saída de empregados era bastante alta na Devumi, e Calas mantinha uma operação altamente compartimentalizada.

Funcionários muitas vezes não sabiam o que os seus colegas estavam fazendo, mesmo quando estavam trabalhando no mesmo projeto.

Os ex-empregados pediram que seus nomes não fossem revelados por temor de processos ou porque fizeram acordo com as empresas de Calas que preveem que eles não se manifestem.

Mas as suas declarações coincidem com comentários no serviço Glassdoor (em que funcionários avaliam seus empregadores), em que alguns antigos trabalhadores afirmam que Calas era pouco comunicativo e exigia que eles instalassem softwares de monitoramento em seus aparelhos pessoais.

No mês passado, o fundador da Devumi pediu exemplos de perfis falsos encontrados pelo "New York Times" e que copiavam os de pessoas de verdade. Depois de receber os nomes de dez contas, Calas, que tinha concordado em dar entrevista, pediu mais tempo para analisá-los. Em seguida, ele parou de responder os e-mails.

Binns, a porta-voz do Twitter, afirmou que a companhia não analisa de modo proativo se as contas estão se passando por outros usuários. Em lugar disso, os esforços da empresa estão concentrados em identificar e suspender quem viola as políticas de spam do Twitter.

Todos os exemplos de perfis apresentados pelo "New York Times" violaram as políticas antispam do Twitter e foram cancelados, segundo Binns.

"Nós levamos muito a sério o ato de suspender uma conta da plataforma", afirmou Binns. "Ao mesmo tempo, queremos lutar duramente contra o spam."

Em janeiro, depois de quase dois anos promovendo centenas de clientes da Devumi, a conta da falsa Jessica Rychly foi finalmente flagrada pelos algoritmo de segurança do Twitter. Ela foi recentemente suspensa.

Mas a Rychly de verdade pode em breve deixar de vez o Twitter. "Eu provavelmente vou deletar minha conta no Twitter."

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