Carga viaja de avião para escapar de roubo

Empresas recorrem ao transporte aéreo em resposta à disparada de assaltos

Terminal de carga no aeroporto de Guarulhos
Terminal de carga no aeroporto de Guarulhos; valor de produtos e volume transportado por aviões aumentam no país - Bruno Santos/ Folhapress
Ana Estela de Sousa Pinto Joana Cunha
São Paulo

​Remédios e celulares estão abandonando estradas e viajando só de avião no Brasil.

A escolha tem sido feita até para trajetos curtos, como São Paulo-Rio, em que por terra a carga chega no mesmo dia, relatam o diretor-geral da Latam Cargo Brasil, Diogo Elias, e o diretor de Cargas da Gol, Eduardo Calderon.

No aeroporto de Viracopos, segundo principal terminal de cargas do país, o valor dos itens transportados subiu 17% entre 2016 e 2017, e o volume, 11% —ou seja, cada metro cúbico foi ocupado por carga mais valiosa.

A concessionária BH Airport registrou em 2017 alta de aproximadamente 19% no volume de cargas domésticas. 

O movimento é confirmado não só por empresas aéreas e aeroportos mas também pelas transportadoras, que, antes, enviavam parte desses produtos por terra.

O motivo é o roubo nas estradas, cujo número de ocorrências quase dobrou no país de 2011 a 2016, segundo a Firjan (federação das indústrias do Rio), para 22.547 em 2016.

Mais assaltos significam risco maior do frete terrestre, e, quanto mais valiosa for a carga, maiores serão as exigências das seguradoras para cobrir esse risco.

BLINDAGEM

Carregado de remédios, por exemplo, um caminhão pode levar até R$ 3 milhões, carga que só será segurada se houver escolta dupla, iscas de rastreamento ou até blindagem da cabine de direção.

A solução seria distribuir os produtos por vários veículos, cada um carregando um valor total menor —mas, nesse caso, em vez de contratar cinco carretas para ir ao Rio, passa a valer a pena despachar por avião.

“Esse custo da segurança no transporte rodoviário acabou se somando às vantagens que o avião já tinha, como rapidez e flexibilidade”, afirma Elias, da Latam, que viu aumentar a procura por transporte de remédios, eletrônicos e autopeças.

O diretor de operações de Viracopos, Marcelo Mota, acrescenta que há hoje trechos terrestres entre o Rio e São Paulo para os quais as seguradoras nem oferecem mais cobertura. E motoristas têm se recusado a passar por trechos mais visados pelos ladrões de carga, diz Elias.

Segundo o JCC Annual Cargo Forum, divulgada pela Firjan, os pontos mais críticos estão na BR-116 (entre Rio e SP e dali a Curitiba, no Paraná), na BR-050 (Santos-Distrito Federal) e na SP-330 (Santos-Uberaba, que liga o litoral paulista ao interior de Minas Gerais). Essas rodovias colocam o Brasil entre os dez piores países do mundo em 2017, ao lado de Síria, Iraque, Líbia e Afeganistão.

Avaliado em 3,7 (muito alto), o risco das vias terrestres brasileiras é igual ao da Somália, onde há também pirataria e conflitos armados.

As rodovias são vistas pelas seguradoras como o pior modal em termos de risco, e ele cresce com a distância percorrida, o que não ocorre no avião: o risco avaliado para um voo São Paulo-Rio equivale ao de Rio-Belém

Especializada na logística de medicamentos, a RV Ímola usa apenas a via aérea para distâncias superiores a 800 km, diz Roberto Vilela, presidente da empresa.

Roberto Vilela, da RV Ímola, que elevou rotas aéreas
Roberto Vilela, da RV Ímola, que elevou rotas aéreas - Rafael Roncato/Folhapress

O superintendente da empresa de transporte aéreo de carga Aeropress, Jacinto Souza Santos Júnior, relata outro efeito da insegurança: alta anual de mais de 30% no transporte de câmeras e outros equipamentos de vigilância (índice 50% maior do que o de outras cargas valiosas).

O resultado final é mais custo para o consumidor, já que o frete aéreo é mais caro.

Enviar produtos valiosos por avião, porém, levanta o problema da segurança nos aeroportos. Viracopos inaugurou em 2016 uma caixa-forte construída em parceria com a Brinks, instalou portões de confinamento e dilaceradores de pneu.

Mas há limites para substituir caminhão por avião, diz Bruno Batista, diretor-executivo da CNT (Confederação Nacional do Transporte), como a falta de aeroportos regionais. “Em algum momento, precisa do caminhão.”

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