Vice, BuzzFeed e Vox são atingidos por mudanças na mídia digital

Nova geração de empresas, bem-sucedida até recentemente, se vê forçada a ajustar modelo

O desafio enfrentado por essas empresas e outros grupos de mídia digital é como diversificar suas atividades e prosperar em um momento no qual a mídia tradicional sofre desgaste graças à explosão de serviços de streaming como o Netflix e o Amazon Prime.
O desafio enfrentado por essas empresas e outros grupos de mídia digital é como diversificar suas atividades e prosperar em um momento no qual a mídia tradicional sofre desgaste graças à explosão de serviços de streaming como o Netflix e o Amazon Prime. - AFP
Financial Times

O inverno chegou para uma nova geração de companhias de mídia digital que não cumpriram suas metas de receita, encaram um ambiente publicitário incerto, e têm de levar em conta a recente mudança de posição do Facebook quanto a um segmento que até recentemente vinha crescendo muito, o que trouxe desaquecimento.

A Vice Media, uma das mais observadas entre as empresas que criaram uma grande audiência jovem, não conseguiu cumprir sua meta de receita de US$ 100 milhões em 2017, por conta do fraco desempenho de seu canal Viceland de TV a cabo e de suas operações de vídeo digital. O BuzzFeed, que se especializa em notícia e entretenimento - e investiu pesadamente em vídeo - tampouco atingiu suas metas anuais. O Mashable, que já esteve entre as mais comentadas das operações noticiosas online, foi vendido recentemente por preço baixo.

O desafio enfrentado por essas empresas e outros grupos de mídia digital - a exemplo da Vox Media, proprietária das marcas digitais Curbed e Recoded - é como diversificar suas atividades e prosperar em um momento no qual a mídia tradicional - acima de tudo a televisão - sofre desgaste extremo graças à explosão de serviços de streaming como o Netflix e o Amazon Prime.

Um mercado publicitário incerto contribuiu para esses medos, agora que, para todos os efeitos práticos, o Google e o Facebook formam um duopólio: as duas empresas responderam por 63% de toda a publicidade digital nos Estados Unidos em 2017, de acordo com o grupo de pesquisa eMarketer. A preocupação foi agravada pelas recentes mudanças no algoritmo do news feed do Facebook, que deixará de priorizar as fontes noticiosas e conduzirá pesquisas entre os usuários para que estes classifiquem as publicações por sua confiabilidade.

O impacto pleno dessas mudanças ainda não foi absorvido por empresas como BuzzFeed e Vox Media, que usavam a rede social para distribuir seu conteúdo. Mas os analistas não estão otimistas e não consideram que a mudança venha a ser boa notícia para muitos provedores de notícias.

"As mudanças no news feed terão mais impacto negativo sobre os provedores de conteúdo que dependem do Facebook como fonte de tráfego e sobre as empresas que se especializam em produzir e distribuir vídeos patrocinados, via Facebook ", disse Christopher Vollmer, diretor mundial de consultoria de entretenimento e mídia do grupo de serviços profissionais PwC. Os grandes provedores de conteúdo e as "marcas propelidas pelos fãs", que obtenham engajamento mais voluntário da parte da audiência ativa e que tenham acesso a maior diversidade de fontes de receita, "sofrerão impacto muito menor com a mudança", ele acrescenta.

Todos os novos participantes digitais do mercado estão tentando encontrar novas maneiras de gerar receita. A Vice reduziu sua dependência de publicidade digital já há alguns anos, ao começar a operar na TV - uma estratégia que atraiu investimento da Disney e do grupo de capital privado TPG, e resultou em avaliação de US$ 5,7 bilhões para o valor de mercado da empresa em 2017. Agora, a companhia produz um programa apresentado todas as noites no canal HBO de TV a cabo, do grupo Time Warner, bem como uma série de revistas, e tem acordos de programação com diversos grupos internacionais de TV.

Mas a televisão com formato tradicional de programação não é uma panaceia, como a empresa descobriu, em seu detrimento, no ano passado, quando o canal Viceland não se mostrou capaz de atrair grandes audiências. Um porta-voz disse que a Vice registrou crescimento de receita recorde em 2017 e "produziu centenas de horas de programação para audiências de todo o mundo".

O BuzzFeed chegou mais tarde ao vídeo, mas montou um estúdio em Los Angeles para desenvolver formatos de venda e produção, enquanto a Vox Media recentemente fechou acordo para produzir um programa para a Netflix.

Jim Bankoff, presidente-executivo da Vox Media, reconheceu em recente memorando aos funcionários que as mudanças no algoritmo do Facebook eram "imprevisíveis", mas disse que elas em última análise devem beneficiar a companhia. Elas "favorecerão o jornalismo local e o jornalismo de confiança", ele escreveu, afirmando que "ainda mais pessoas serão expostas ao nosso trabalho".

A empresa vai mudar a maneira pela qual opera com o Facebook, ele acrescentou, afirmando que "vamos reduzir nossa programação original de vídeo" para a plataforma.

O BuzzFeed, que demitiu cerca de 100 funcionários como parte de uma reestruturação, diz que está "evoluindo para um modelo multirreceita", menos dependente da publicidade digital que serviu de base aos seus negócios por muitos anos.

Também aconteceram conversas informais entre Ben Smith, editor da BuzzFeed News, e Peter Lattman, diretor executivo do Emerson Collective, uma organização sem fins lucrativos fundada por Laurene Powell Jobs, viúva de Steve Jobs, sobre um possível investimento na BuzzFeed News ou na criação de uma operação derivada.

Jonah Peretti, presidente-executivo do BuzzFeed, disse ao "Financial Times" que não existem planos de vender a unidade de notícias da empresa, mas não descartou aceitar um investimento. "Notícias adicionam muito valor, de diversas maneiras", ele disse.

Peretti também aponta para as dificuldades que o Facebook teve com notícias falsas. "Quando plataformas de US$ 500 bilhões enfrentam dificuldades para determinar com lidar com as notícias, e porque temos a capacidade de ser um dos poucos provedores de notícias reais que não operam por assinatura e atingem uma audiência ampla - além de sermos uma empresa que já surgiu digital -, isso nos torna estrategicamente atraentes", ele diz. "Em longo prazo, há muito valor nisso".

O BuzzFeed e seus pares construíram grandes audiências principalmente por conta de tráfego encaminhado pelo Google e Facebook. Mas os provedores de conteúdo interessados em criar negócios por meio da distribuição em plataformas de terceiros não conseguiram grande progresso, de acordo com um novo relatório da Digital Content Next, organização que representa mais de 70 grandes grupos de mídia, entre os quais Vox Media, NBC e o "Financial Times".

Uma pesquisa entre 20 integrantes da organização constatou que a receita obtida por meio do Facebook, Google, Apple, Snapchat e outras plataformas cresceu em 37%, para US$ 10,1 milhões, no primeiro semestre do ano passado, ante o mesmo período em 2016. Mas como proporção da receita digital total dos provedores de conteúdo, o crescimento foi baixo: 16% em 2017 ante 14% no ano anterior. "A receita obtida com plataformas distribuídas ainda não se equipara ao investimento", diz Jason Kint, o presidente-executivo da organização.

Google e Facebook somados representam apenas 5% das receitas digitais totais dos provedores de conteúdo, em um momento no qual as duas plataformas vão reforçando seu domínio sobre o mercado de publicidade online.

Enquanto os queridinhos da mídia digital tentam novos modelos de negócios, alguns dos baluartes da mídia tradicional adotaram caminho diferente.

O "New York Times" recentemente anunciou que já estava a mais de metade do caminho de sua meta de dobrar seu faturamento digital para US$ 800 milhões ao ano até 2020. O jornal tem 2,6 milhões de assinantes digitais e a receita geral com assinaturas no ano passado ultrapassou o US$ 1 bilhão pela primeira vez - respondendo por mais de 60% das vendas totais do grupo. Os investidores levaram as ações da empresa à sua mais alta cotação em uma década.

O "New York Times", como o "Wall Street  Journal", "Financial Times" e outros veículos, mudou de estratégia comercial, trocando a publicidade pelas assinaturas como fonte primária de receita, em um momento no qual os jornais enfrentam queda nas vendas de suas versões em papel e o sério desafio de concorrer com o Google e o Facebook no mercado de publicidade digital. Tanto para as empresas estabelecidas quanto para as novas, a evolução do cenário da mídia não para de propor problemas.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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