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América Latina precisa de uma integração além-comércio

Latinos se blindariam contra a escalada tarifária de Trump

 Aloysio Nunes , ministro das Relações Exteriores do Brasil, em reunião de chanceleres do Mercosul
Aloysio Nunes, ministro das Relações Exteriores do Brasil, em reunião de chanceleres do Mercosul - Zanone Fraissat - 5.ago.2017Folhapress
Marcos Troyjo
São Paulo

Num mundo em que a guerra comercial entre superpotências transita de "possível" para "provável", ganha força a ideia de que a América Latina deve integrar-se —tema central do "mini Davos" que São Paulo sediou na semana passada.

Com novos tratados comerciais entre si, os latino-americanos se blindariam contra a escalada tarifária de Trump. Ganhariam massa em conversações com União Europeia, China e demais nações comerciantes asiáticas.

Mais que tudo, dinamizariam o comércio intra-regional num gigantesco espaço da Terra do Fogo ao México.

Uma suposta "Alca sem EUA e Canadá", no entanto, é de difícil viabilização. Setenta anos após a fundação da Cepal, a América Latina continua tendo nas matérias-primas e bens de pequeno valor agregado seus pontos de conexão à economia global.

A complementariedade entre latino-americanos é baixa. O potencial de comércio com Europa ou Ásia-Pacífico, muito maior.

Na relação com esses centros, a América Latina dispõe de maior chance, mediante a venda de mercadorias agroalimentares e minerais, de acumular recursos para se tornar intensiva em tecnologia.

Integração comercial com vizinhos deve ser buscada, mas não é imprescindível. O crescimento —pela via do comércio— de China ou Coreia do Sul não dependeu de integração regional.

Hoje, outras dimensões da "integração" latino-americana são mais prementes e factíveis.

Uma diz respeito à captação de investimentos para robustecer a infraestrutura. Há enorme disponibilidade --e apetite-- de capitais chineses, japoneses e de fundos no Oriente Médio para a interligação da América Latina.

Isso atende a questões de segurança alimentar e acesso a minerais abundantes de tais atores. Responde também à necessidade de diversificar a base geográfica e setorial do portfólio desses gigantes da liquidez.

Caso queira atrair tais recursos, "integrar-se" deveria significar "coordenar-se" para a América Latina. Projetos infraestruturais ambiciosos, como a almejada ferrovia que conectaria pontos logísticos no Atlântico e Pacífico, implicam traçado que atravessa três ou quatro nações. Jamais países da região combinaram de apresentar projetos conjuntos aos donos do dinheiro grosso.

A outra frente de integração é a dos "padrões". Nos acordos econômicos do futuro, mais importante que negociar tarifas ou quotas será o estabelecimento de parâmetros comuns em áreas como compras governamentais, legislação trabalhista e ambiental, ou regime de propriedade intelectual.

É essa a integração projetada pelo "TPP light" --aprovado há alguns dias por onze países do Pacífico (entre eles Chile, Peru e México). Tal integração estará aberta à adesão de nações de outras geografias, como o Reino Unido.

Avanços no intercâmbio comercial intra-América Latina são bem-vindos. Eles se darão, contudo, em velocidade e proporção insuficientes para grandes atores da região, como Brasil, México e Argentina.

Por ora os países precisam lembrar que é na atração coordenada de investimentos e harmonização das regras do jogo onde residem as melhores chances da integração latino-americana.

MARCOS TROYJO, diplomata, economista e cientista social, é diretor do BRICLab da Universidade Columbia 

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