Crise da JBS afeta cidades financeiramente dependentes 

Fechamento de unidade em Morro Grande (SC) abalou a economia do município de 2.915 habitantes

Granja vazia em Treviso (SC)
Granja vazia em Treviso (SC) - Marcos Nagelstein/Folhapress
GABRIEL BOSA
Morro Grande (SC)

O fechamento de uma unidade de abate de frango da JBS em Morro Grande (SC), a 230 quilômetros de Florianópolis, abalou a economia da cidade de 2.915 habitantes, causou impacto em municípios da região e tem levado à população a sensação de incerteza quanto ao futuro.

Em meio à crise que assola a empresa desde as delações que citaram o presidente Michel Temer, em maio de 2017, a JBS passa por reestruturação. O fechamento da unidade, parte desse plano, causou a demissão de 740 funcionários -- 400 deles moradores da cidade do sul do estado.

Fornecedores deixaram de entregar 110 mil frangos por dia desde o anúncio do fim das atividades, em setembro de 2017 . "Não tem mais para quem vender", diz o avicultor Agenor José Lourenzoni, de Treviso (SC), a 220 quilômetros da capital e 66 quilômetros de Morro Grande.

Ele criava cerca de 75 mil frangos por ano para a unidade de Morro Grande. A alta produção o motivou a fazer empréstimo de R$ 50 mil para investir no negócio, dívida que ainda não foi quitada. "Eu ia pagando um pouco por ano, até 2019", afirma.

Sua situação reflete a de outros granjeiros. A Associação dos Avicultores do Sul Catarinense estima que mais de cem produtores tenham sido desligados --as dívidas superam R$ 3,9 milhões.

Em 2010, o avicultor Jorge Brunel, 63, também de Treviso, fez empréstimo de R$ 50 mil. O contrato previa o pagamento em uma década. A sua granja criava cerca de 84 mil aves por ano.

"Agora o meu aviário está fechado, e eu continuo devendo R$ 13 mil para o banco", diz. "Eu vou precisar tirar do meu próprio bolso, da minha aposentadoria, para pagar a dívida." O benefício sustenta Brunel e sua mulher, Zoraide Freitas Brunel, 63.

O presidente da associação, Emir Tezza, 67, diz que parte dos granjeiros foi realocada para as filiais da JBS em Nova Veneza e Forquilhinha, porém a maioria ficou sem ter para quem fornecer aves. "Nós estimamos que 90% deles tenham alguma dívida, algumas de R$ 100 mil."

Dívidas também preocupam antigos funcionários da JBS, agora desempregados. Depois de sete anos na unidade, Eloisa Ferreira Sasso, 32, recebeu com surpresa o anúncio do fechamento.

A renda como funcionária no setor de treinamento ajudava a pagar as contas da casa que divide com o marido, Samuel Perdonato, 36, e duas filhas, de 14 e 6. "Agora a gente vai precisar segurar mais o dinheiro, cortar alguns gastos e mudar o padrão de vida."

IMPACTO

A JBS era a maior empresa de Morro Grande. Segundo levantamento do Movimento Econômico da Amesc (Associação dos Municípios do Extremo Sul Catarinense) feito a partir de números da Secretaria de Estado da Fazenda, a empresa contribuía com mais de 87% do PIB (Produto Interno Bruto) do município.

Em 2016, último ano de atuação plena da empresa, o montante foi em torno de R$ 206 milhões.

Segundo a Amesc, o comércio e o setor de serviços de Morro Grande e municípios do entorno devem perder cerca de R$ 34 milhões.

O impacto já é de 70%, segundo Evandro Marcelo Spader, presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Morro Grande. Comerciantes estão deixando a cidade. "Esperamos que venha outra empresa, senão será uma evasão geral. Tudo veio como um efeito cascata", diz.

O retorno de ICMS para Morro Grande era de aproximadamente R$ 7 milhões por ano. Com o fechamento da JBS, cairá para R$ 2,5 milhões.

A cidade tem duas unidades básicas de saúde, duas creches e um núcleo escolar, do 1º ao 9º ano letivo.

O prefeito Valdo Rocha (PSD) prevê ajustes para 2018. "Vamos fazer apenas os atendimentos da atenção básica, o que é cobrado dos gestores pela legislação. O transporte gratuito de estudantes para universidades fora de Morro Grande será cortado", diz.

A JBS manteve na unidade a estrutura para fabricação de ração, com 50 funcionários. Em nota, a empresa afirma que o fechamento foi para a racionalização da malha produtiva da companhia e que outras unidades estão ampliando a produção.

"Cabe ressaltar que, ao fim desses processos, os profissionais efetivamente desligados têm todos os seus direitos trabalhistas preservados."

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