Empresas vão esperar a eleição antes de investir, diz presidente da Mercedes

Empresários aguardam continuidade das reformas em 2019 para contratar, afirma executivo

Philipp Schiemer, presidente da Mercedes-Benz no Brasil
Philipp Schiemer, presidente da Mercedes-Benz no Brasil - Karime Xavier/Folhapress
Raquel Landim
São Paulo

Há quase três anos, o alemão Philipp Schiemer, presidente da Mercedes-Benz no Brasil, contrariou o morno discurso dos dirigentes das multinacionais e provocou polêmica ao dizer à Folha que ninguém correria o risco de investir no Brasil em meio ao processo de impeachment.

Schiemer está mais animado com a economia, mas diz que os investimentos e as contratações ainda não decolaram porque as empresas estão aguardando o que vai acontecer na eleição.

"As empresas querem saber se as reformas que, infelizmente pararam de novo, vão ter continuidade em 2019.” 


Folha - Há quase três anos, o sr. disse à Folha que o Brasil tinha voltado 20 anos no tempo no governo Dilma Rousseff. Qual é a percepção hoje?

Philipp Schiemer - Felizmente, recuperamos uma parte do tempo perdido. Quando nos falamos, a situação brasileira era muito deprimente: vendas caindo, impeachment em andamento, uma insegurança muito grande.

Na época, eu falei que não havia mais previsibilidade e que só louco investia no Brasil. Fui massacrado por essa frase, mas falei de coração.

Hoje a situação se estabilizou e vemos o futuro com mais esperança. Os investidores já estão olhando o Brasil com mais vontade. Falta pouco para a economia deslanchar.

O que falta para as empresas realmente voltarem a investir?

Todo o mundo quer saber é o que vai acontecer depois das eleições de outubro. As empresas querem saber se reformas, que infelizmente pararam de novo, vão ter continuidade em 2019.

O futuro do Brasil depende das reformas. Refiro-me principalmente do ajuste fiscal, no qual entra a reforma da Previdência, mas também precisamos de uma reforma tributária urgente. Outra reforma importante é a política.

Precisamos das reformas para o investidor ter uma garantia de que o Brasil vai crescer pelos próximos cinco a seis anos. As empresas só investem quando têm uma previsão. Se isso não existe, é muito difícil tomar essa decisão.

As eleições serão disputadas e difíceis de prever. O que de pior e de melhor pode acontecer com o Brasil?

O que de pior pode acontecer é termos um segundo turno com dois candidatos populistas. A emoção estará em primeiro lugar e a razão será deixada de lado.

Mas acho que isso não vai acontecer. Sou otimista de que vamos ter um segundo turno com candidatos com discurso moderado, mesmo que as previsões não indiquem isso hoje.

Acredito que teremos candidatos que vão olhar o futuro do país seriamente e falar menos em divisão —nós contra eles— e mais em união. A experiência mostra que eleições são decididas nas últimas oito semanas. Tenho esperança de que o bom senso prevalecerá.

E o que senhor acha que melhorou na economia brasileira nos últimos três anos?

O maior ganho é que temos uma inflação sob controle e preços livres. Não temos mais nada camuflado. Os números da inflação hoje são críveis, e isso é muito importante.

A reforma trabalhista também foi um avanço para dar uma perspectiva de futuro. Antes não víamos, por exemplo, nenhuma grande transportadora mundial atenta ao Brasil por causa do risco trabalhista. Isso mudou.

Três anos atrás, a Mercedes vivia uma de suas piores crises no Brasil: as vendas de caminhões caíam 40% e a empresa fez centenas de demissões. Como está a situação hoje?

Depois que nos falamos, piorou mais. 2016 foi pior do que 2015, e 2017 repetiu o desempenho ruim do ano anterior. Tivemos de operar com menos que um turno e dispensar mais pessoas [a empresa fez 5.000 desligados na crise].

Desde outubro do ano passado, a situação melhorou muito. Ainda estamos trabalhando com apenas um turno, mas já bastante cheio. Também estamos fazendo horas extras no fim de semana.

E, depois de muito tempo, contratamos cerca de 300 funcionários. Conseguimos voltar a contratar as pessoas que formamos num programa com o Senai. O problema está resolvido? Não, mas a perspectiva é muito melhor.

O senhor disse que contratou 300 pessoas após muito tempo. Mas quando a empresa projeta começar um segundo turno e realmente fazer uma contratação expressiva?

Vale a mesma lógica dos investimentos para as contratações. As empresas estão observando com muita cautela o que vai acontecer nas eleições. Se tudo caminhar bem e houver demanda, vamos correr. Mas teremos cautela nas contratações porque depois é difícil voltar atrás.

O que está puxando a recuperação das vendas: mercado interno ou exportação?

No ano passado, o que nos salvou foi o mercado externo. Melhoraram as vendas na Argentina e no restante da América Latina. Neste ano, o mercado interno está puxando.

Ainda é difícil exportar do Brasil. Exporto da Alemanha, da Índia, dos Estados Unidos livre de impostos. Aqui exporto com muito imposto. A desvantagem é grande. O custo logístico de exportar no Brasil também é alto. Esses pontos têm de ser atacados para o país ser competitivo no mercado internacional.

Mercosul e União Europeia estão perto de fechar o acordo de livre-comércio. Pode ocorrer uma abertura do setor automotivo. É bom ou ruim?

Será muito benéfico no longo prazo. As oportunidades são maiores do que os riscos, porque teremos acesso a um mercado consumidor maior e a mais tecnologia. Hoje temos de fabricar tudo aqui para aplicar no veículo e isso vai ser impossível no futuro.

A tendência é termos centro de produção globais de desenvolvimento de peças. Não adianta achar que o Brasil pode permanecer um mercado fechado. Não vai funcionar.

Mas, no início, algumas empresas podem sofrer porque dependem do mercado interno e ficarão fragilizadas, mas para o país vai ser muito bom.

O programa de apoio do governo ao setor automotivo, o Inovar-Auto, acabou no ano passado e seu sucessor, o Rota 2030, não entrou em vigor. Como isso afeta a sua empresa?

Ficamos um pouco frustrados, porque deixa tudo mais aberto. É muito importante solucionar esse assunto para planejarmos para os próximos anos. Precisamos saber: vai ter Rota 2030? Até quando vai durar? Ficar sem solução como agora é o pior dos mundos.

Já faz tempo que o governo brasileiro gasta com desonerações para montadoras. O setor ainda precisa disso?

Podemos discutir se o Inovar-Auto foi bom ou não, mas o fato é que existiu e as empresas basearam decisões nele. Não dá para acabar de hoje para amanhã. O governo pode mudar de rumo, mas as empresas precisam de um caminho de transição.

Uma montadora é um cargueiro gigante, não é uma lancha. Demanda muito investimento. Instalamos uma fábrica de carros de luxo em Iracemapólis (SP) por causa do Inovar-Auto. O que acontece com esse investimento?

Muitas pessoas dizem que o setor automotivo vive no paraíso no Brasil. Nos últimos anos, nenhuma montadora mandou dinheiro para fora, mas, em vez disso, recebeu muito dinheiro das matrizes. Existe muito folclore sobre as facilidades da indústria automotiva no Brasil.

Também existe muito folclore sobre quem paga imposto e quem recebe incentivo. A indústria automotiva paga muito mais imposto do que a maioria das pessoas pensa: ICMS, IPI, PIS/Cofins, IR dos funcionários, tributos municipais. Faça a carga tributária cair que ninguém precisa mais de incentivos.


RAIO-X

Cargo: presidente da Mercedes-Benz do Brasil

Carreira: atua no  grupo Daimler desde 1987; foi vice-presidente de Vendas da Mercedes-Benz no Brasil e vice-presidente de Marketing da Mercedes-Benz Automóveis na Alemanha

Formação: administração de empresas pela Universidade de Educação Cooperativa de Stuttgart

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