Descrição de chapéu The New York Times

Imposto para empresas digitais planejado pela Europa agrava tensões com os EUA

Medida impede que empresas levem lucros a países com carga tributária baixa

Logos de Google, Apple, Facebook e Amazon em Hédé-Bazouges, na França
Logos de Google, Apple, Facebook e Amazon em Hédé-Bazouges, na França - Damien Meyer - 11.jan.2018/AFP
The New York Times

Uma tentativa mundial de impedir que grandes empresas multinacionais transfiram seus lucros a jurisdições com carga tributária mais baixa está a ponto de causar briga entre os Estados Unidos e a Europa, e as autoridades dos dois lados do Atlântico estão em conflito quanto aos esforços para impor novos tributos a empresas estrangeiras.

Na quarta-feira, a Comissão Europeia deve colocar os gigantes do Vale do Silício na mira, ao anunciar uma proposta que reformaria radicalmente a maneira pela qual as empresas de tecnologia são tributadas nos 28 países membros da União Europeia. O plano, delineado em um anteprojeto obtido pelo The New York Times, tributaria as empresas de mídia digital com base no local em que geram suas receitas, e não no local em que mantêm suas sedes regionais —já que estas costumam se localizar em países como a Irlanda e o Luxemburgo, cujas cargas tributárias são mais baixas.

A proposta se segue à reforma tributária de US$ 1,5 trilhão (cerca de R$ 5 bilhões) assinada pelo presidente Donald Trump no ano passado, que busca reprimir a transferência de lucros ao impor um novo tributo mínimo sobre o lucro internacional de qualquer empresa que tenha operações nos Estados Unidos. As cláusulas internacionais da nova lei tributária americana irritaram alguns líderes europeus, que dizem que elas vão longe demais e podem representar violação das regras da Organização Mundial do Comércio (OMC).

As tensões mundiais —e os esforços tributários concorrentes— derivam da preocupação generalizada entre os governos estrangeiros de que grandes empresas multinacionais não estejam pagando seu quinhão justo de impostos nos países em que fazem negócios. 

Gigantes da tecnologia americanos como Amazon, Apple e Google mantiveram seus custos tributários baixos durante anos ao estacionar seus lucros internacionais em jurisdições com alíquotas de impostos baixas.

Mas não existe acordo sobre como combater essas manobras para evitar impostos. E os esforços em curso estão exacerbando as tensões que já estão fortes entre os Estados Unidos e a Europa devido a um plano da Casa Branca para impor pesadas tarifas à maior parte das importações americanas de aço e alumínio.

"Os impostos e o comércio praticamente se fundiram como questões em disputa entre os Estados Unidos e a Europa", disse Jay Khosla, diretor de gabinete do Comitê de Finanças do senado americano.
A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) vem tentando coordenar os esforços mundiais de combate à evasão fiscal. Em relatório sobre tributação digital divulgado na sexta-feira, em separado da proposta da União Europeia, a organização afirmou que mais de 110 países concordaram em revisar o sistema tributário internacional, partes do qual se tornaram obsoletas com o avanço da economia digital.

Dirigentes da organização disseram que o debate sobre a proposta europeia de um imposto digital havia sido intenso durante a reunião dos ministros das Finanças do G20 realizada na segunda-feira em Buenos Aires. O secretário do Tesouro americano Steve Mnuchin atacou o conceito como injusto para com as empresas americanas.

"Acreditamos que não é justo criar impostos sobre o bruto das companhias de internet", declarou Mnuchin em entrevista durante a reunião do G20. "Não é essa a base sobre a qual acreditamos que elas devam ser tributadas, e expressamos nossa posição com muita clareza nas discussões".
Ele acrescentou que "quanto à necessidade de mudar sistemas de tributação que requeiram presença física, isso é algo que precisa ser resolvido. Não devemos ter um sistema de padrão duplo no qual as empresas de internet sejam tributadas de maneira diferente".

Pascal Saint-Amans, diretor do Centro de Política e Administração Tributária da OCDE, disse que o nível de animosidade pode solapar o que vinha sendo um esforço coordenado para combater a evasão fiscal.
"Há aspectos muito positivos que devem ser conducentes a conversação, mas o pano de fundo é de tensão, e há riscos", disse Saint-Amans, acrescentando que sua organização estava tentando garantir que "esses países não entrem em guerra, especialmente em um momento no qual já existem preocupações quanto a isso",

VALE DO SILÍCIO

A nova proposta de imposto da União Europeia deve afetar as empresas do Vale do Silício de maneira especialmente pesada, ao forçá-las a pagar impostos aos governos dos países nos quais fazem negócios.

Por exemplo, a Amazon opera em toda a União Europeia, mas sua sede regional fica no Luxemburgo, um país minúsculo que oferece leis brandas, incentivos fiscais e alíquotas baixas de impostos empresariais. A Comissão Europeia estima que as empresas digitais paguem apenas 9,5% de alíquota efetiva de impostos, ante 23,3% para as empresas tradicionais.

A Amazon já serviu de foco a ações anteriores das autoridades europeias. No ano passado, o Luxemburgo foi instruído por Margrethe Vestager, a comissária da Competição da União Europeia, a recolher 250 milhões de euros, ou cerca de US$ 293 milhões, em impostos não pagos pela empresa.

E a Amazon não está sozinha. As autoridades regulatórias europeias estão pressionando as empresas de tecnologia quanto a diversas questões, e montaram uma campanha agressiva contra as manobras para evitar impostos, o uso indevido de dados pessoais, e comportamento que viola as normas de competição. 

Mas as medidas causaram protestos dos gigantes da tecnologia americanos, que se queixam de que estão sendo perseguidos por Bruxelas. As autoridades da União Europeia negam vigorosamente que isso esteja acontecendo, e afirmam que a Europa recebe positivamente a tecnologia americana, mas não a evasão tributária.

O novo imposto proposto pela Comissão Europeia deve se aplicar a empresas com receita mundial anual de mais de 750 milhões de euros, ou US$ 925 milhões, e de pelo menos 50 milhões de euros dentro dos países do bloco. 

O tributo se aplicaria a receitas de serviços digitais específicos, tais como publicidade digital, assinaturas pagas e venda de dados pessoais. 

Os patamares mínimos relativamente elevados para a aplicação do imposto buscam garantir que ele só se aplique a grandes empresas com presença significativa na União Europeia. 

RETALIAÇÃO

O desentendimento entre os continentes sobre como garantir tratamento justo em questões como a competição por mercados e os direitos de privacidade de dados na era digital parece estar se agravando, e não está claro que medidas Washington poderia tomar em resposta a um novo imposto digital europeu, mas certamente haveria apelos para que o governo Trump retalie.

Em 2015, quando a União Europeia tentou agir contra as empresas de tecnologia americanas por evasão de impostos, alguns legisladores americanos sugeriram ao Departamento do Tesouro que usasse a autoridade do presidente para retaliar, afirmando que a Europa estava impondo taxas discriminatórias contras empresas americanas.

Mas os líderes europeus não estão irritados apenas com as empresas de tecnologia dos Estados Unidos; a política tributária americana também os incomoda. Eles criticaram cláusulas da nova lei tributária que se aplicam a empresas multinacionais com operações nos Estados Unidos, especialmente a cláusula que tributa subsidiárias americanas de bancos estrangeiros por empréstimos que recebam de suas empresas controladoras, afirmando que a medida vai longe demais e viola as normas da OMC.

Alguns legisladores republicanos estão preocupados com a possibilidade de que a decisão de impor tarifas sobre a importação de metais anunciada pela Casa Branca permita que os europeus argumentem junto à OMC que os Estados Unidos estão demonstrando um padrão de ação protecionista que vai além do comércio e atinge também os impostos. 

Tradução de PAULO MIGLIACCI
 

Alan Rapperport, Milan Schreuer , Jim Tankersle e Natasha Singer

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