Penduricalhos do Ministério Público custam R$ 1,3 bilhão

Levantamento da Folha aponta que 26% dos rendimentos são indenizações

São Paulo

No sistema de Justiça do Brasil, não são apenas os juízes que recebem os chamados penduricalhos, indenizações extras à remuneração, como auxílios-moradia, alimentação, transporte, pré-escola e funeral, entre outros.

Promotores e procuradores também são beneficiados com esses adicionais. Os penduricalhos para membros do Ministério Público custaram R$ 1,3 bilhão aos cofres públicos do país em 2017.

Para efeito de comparação, a soma dessas indenizações cobriria com sobra o valor que o governo federal destinou à intervenção na segurança pública no Rio de Janeiro, fixado em R$ 1 bilhão.

Segundo levantamento feito pela Folha nos Portais da Transparência, mais de 13 mil promotores e procuradores de 24 estados, do Distrito Federal e dos Ministérios Públicos Federal, do Trabalho e Militar receberam um total de R$ 5 bilhões líquidos —26% em penduricalhos, entre eles o auxílio-moradia.

Na prática, significa que, para cada R$ 5 ganhos, R$ 1 é penduricalho.

O total é equivalente aos Orçamentos somados de Aracaju (SE) e Florianópolis (SC), que, juntas, têm mais de 1,1 milhão de habitantes.

Os valores podem ser ainda maiores. Para padronização dos dados, o cálculo da Folha é conservador e não considerou adicionais como abonos. Não foram localizados dados de dois estados.

Entidades de classe e a PGR (Procuradoria-Geral da República) defendem a legalidade das indenizações. Para especialistas em contas públicas, porém, é um dinheiro drenado do Orçamento público por razões nem sempre justificáveis.

Os adicionais são isentos de impostos e podem ser pagos mesmo que extrapolem o teto do funcionalismo, limitado a R$ 33,7 mil —o subsídio dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).

“É uma forma que se encontrou para burlar o teto”, diz Gustavo Fernandes, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP), o que, por si só, já tem consequências nas contas públicas.

Além dos efeitos no Orçamento, Fernandes destaca que, em economia, o valor de um salário deve estar associado a resultados.

“Esses penduricalhos não têm nada a ver com produtividade. Não é à toa que temos um sistema de Justiça caro e pouco eficiente. São anos para um processo ser julgado. E há um custo Brasil nisso”, afirma Fernandes.

PRODUTIVIDADE 

Segundo o pesquisador, a produtividade desse sistema de Justiça compromete a capacidade de arrecadação futura, afeta o crescimento do país e contribui para a concentração de renda.

“Os números nos mostram que os membros das carreiras jurídicas estão entre o 1% mais rico do país, o que é dramaticamente imoral, considerando que essa riqueza está sendo custeada com recursos públicos”, diz Luciana Zaffalon, advogada e também pesquisadora da FGV-SP. 

Zaffalon realizou um extenso levantamento sobre vantagens, abonos, outras indenizações e adicionais à remuneração do Ministério  Público paulista. 

O trabalho foi destacado como a melhor tese de doutorado da FGV-SP em 2017. Na semana passada, ela apresentou os resultados da pesquisa em centros acadêmicos da Europa, como a London School of Economics.

Sandro Cabral, professor do Insper, lembra que o salário mínimo no Brasil é de R$ 954 e apenas um dos benefícios, o auxílio-moradia, custa R$ 4.300, que vem sendo ostensivamente defendido pelo sistema de Justiça.

FORA DA PAUTA

Na quarta (21), o ministro Luiz Fux tirou da pauta do STF ações sobre auxílio-moradia para o Ministério Público e o Poder Judiciário. Elas seriam julgadas na quinta (22) e foram levadas para uma câmara de conciliação, ligada à AGU (Advocacia-Geral da União).

O ministro Luiz Fux tirou da pauta do STF ações sobre auxílio-moradia para o Ministério Público e o Poder Judiciário
O ministro Luiz Fux tirou da pauta do STF ações sobre auxílio-moradia para o Ministério Público e o Poder Judiciário - Pedro Ladeira/Folhapress

“Isso [a retirada da pauta] é casuísmo. Vai na contramão dos anseios da sociedade. Isso é ruim para a democracia”, afirma Cabral.

Para o pesquisador, essas verbas são retiradas de outras áreas. “[Os penduricalhos] São recursos pagos com impostos da população, que poderiam ser aplicados em infraestrutura, em educação.”

O professor do Insper critica o que chama de castas. “É algo deplorável. Estamos num país muito desigual. A gente tem uma elite que é predadora de recursos do Estado. Precisamos de um governo que encare essa agenda, enfrente essas corporações e mostre para a sociedade o custo disso”, diz Cabral.


INDENIZAÇÕES

Promotores e procuradores de todo o país recebem penduricalhos

O que são os penduricalhos?
Segundo a resolução 9 de junho de 2006, do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), são indenizações que podem ser pagas acima do texto constitucional e sem tributação:

Com caráter indenizatório
> Auxílio-moradia
> Auxílio-alimentação
> Auxílio-funeral
> Ajuda de custo para mudança e transporte
> Diárias
> Indenização de férias não gozadas
> Indenização de transporte
> Licença-prêmio convertida em pecúnia
> Outras parcelas indenizatórias previstas em lei

Com caráter permanente 
> Benefícios percebidos de planos de previdência instituídos por entidades fechadas, ainda que extintas
> Benefícios percebidos do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS em decorrência de recolhimento de contribuição previdenciária oriunda de rendimentos de atividade exclusivamente privada

Com caráter eventual ou temporário
> Auxílio pré-escolar
> Benefícios de plano de assistência médico-social
> Bolsa de estudo que tenha caráter remuneratório
> Devolução de valores tributários e/ou contribuições previdenciárias indevidamente recolhidas

OS PROCESSOS E AS RESOLUÇÕES

Ação originária 1773
Em 2013, ajuizada pelos juízes federais pede a concessão de auxílio-moradia para todos os magistrados federais e Luiz Fux atende ao pedido em 2014

Ação originária 1946
A AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), em 2014, pede também o pagamento do auxílio para as Justiças Federal, do Trabalho, Militar e estaduais

Resolução 117
O CNMP edita resolução e, após liminar de Fux a favor dos juízes federais, determina que todos os mmbros dos Ministérios Públicos do país têm direito ao auxílio-moradia

ADI 5645
A Ansemp (Associação Nacional dos Servidores do Ministério Público) ajuiza a ação direta de inconstitucionalidade 5645, em 2017, contra o benefício

Câmara de conciliação
Na véspera do julgamento das ações, Fux atende a pedido da AMB e encaminha processos para análise de uma câmara de conciliação da AGU

25,8%
é o percentual referente a penduricalhos dos MPs  

13.102
é o número máximo de membros dos MPs localizados nas planilhas dos Portais da Transparência em 2017

R$ 33,7 mil 
é o teto constitucional atualmente, total do subsídio pago aos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal)

R$ 4.377,73 
é o valor pago em auxílio-moradia a membros do Poder Judiciário e dos Ministérios Públicos

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