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Por dois meses, li só jornais em papel; eis o que aprendi

Jornais podem nem ser tão bons assim, mas a mídia social é muito ruim

Homem vê jornais expostos em banca de Atenas, na Grécia
Homem vê jornais expostos em banca de Atenas, na Grécia - Emilio Morenatti - 6.jul.15/Associated Press
Farhad Manjoo
New York Times

A primeira notícia que recebi sobre o homicídio em massa na escola de Parkland, Flórida, foi um alerta em meu relógio. Ainda que eu tivesse desativado as notificações noticiosas meses atrás, a notícia mais importante do momento ainda assim encontrou maneira de chegar a mim.

Mas por boa parte das 24 horas posteriores ao alerta, não ouvi muita coisa sobre o homicídio.

E é motivo de alegria que eu tenha perdido muitas dessas coisas. Por exemplo, não vi as falsas afirmações —possivelmente amplificadas por bots de propaganda — de que o homicida era esquerdista, anarquista, membro do Estado Islâmico ou talvez apenas um dentre diversos atiradores envolvidos.

Perdi a reportagem do canal Fox News que o vinculava a grupos de resistência sírios, antes mesmo que o nome do criminoso fosse divulgado. Tampouco vi a afirmação, circulada por muitos veículos noticiosos (entre os quais o New York Times), bem como pelo senador Bernie Sanders e outros políticos progressistas, de que o caso representava o 18º ataque com armas de fogo em escolas dos Estados Unidos este ano, o que não era verdade.

Em lugar disso, 24 horas depois do homicídio, uma pessoa amistosa mas a quem não conheço deixou três jornais na porta da minha casa. Na manhã do dia seguinte ao homicídio, passei 40 minutos lendo sobre os horrores do ataque, e um milhão de outras coisas que os jornais tinham a me dizer.

Não só dediquei menos tempo à história do que teria sido o caso se a tivesse acompanhado online à medida que as notícias surgiam como recebi informações melhores. Porque evitei os erros inocentes —e a desinformação deliberada e perniciosa — que surgiram nas primeiras horas depois do ataque, minha experiência inicial quanto à notícia foi um relato acurado do que aconteceu de fato naquele dia.

SEM NOTIFICAÇÕES

E essa vem sendo minha vida há quase dois meses. Em janeiro, depois do ano mais repleto de notícias urgentes na história recente, decidi voltar no tempo. Desativei minhas notificações noticiosas digitais, me desconectei do Twitter e de outras redes sociais e fiz assinaturas para entrega doméstica de três jornais em papel —New York Times, Wall Street Journal e o jornal da minha cidade, o San Francisco Chronicle — e da revista semanal The Economist.

Desde então, tenho obtido a maioria das minhas notícias de publicações em papel, ainda que meu ascetismo autoimposto permita acesso a podcasts e boletins noticiosos distribuídos via email, e leitura de livros e artigos de revistas em formato digital.

Basicamente, eu estava tentando desacelerar as notícias —ainda queria me manter informado, mas estava em busca de formatos que privilegiassem a profundidade e a precisão mais que a velocidade.

Isso mudou minha vida. Desativar o alarido das notícias urgentes na máquina que carrego no bolso foi como me desagrilhoar de um monstro que me telefonava sem parar, sempre pronto a interromper meu dia com boletins urgentes de notícias mal apuradas.

Hoje, não só me sinto menos ansioso e menos viciado em notícias como recebo informações de base mais ampla (ainda que haja algumas áreas cegas). E é um embaraço perceber quanto tempo livre tenho agora —em dois meses, consegui ler meia dúzia de livros, fazer aulas de cerâmica e me tornar um marido e pai mais atento (eu acho).

Acima de tudo, percebi meu papel pessoal como consumidor de notícias no ambiente de notícias digitais defeituoso em que vivemos.

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

Dedicamos boa parte dos últimos anos a descobrir que a digitalização das notícias está arruinando a maneira pela qual processamos informações coletivamente. A tecnologia permite que escavemos câmaras de eco que exacerbam a desinformação e a polarização, e tornam a sociedade um alvo mais fácil para propaganda.

A  inteligência artificial torna falsificar sons e imagens tão fácil quanto falsificar textos, e ingressamos em uma distopia, uma galeria de espelhos distorcidos que há quem defina como o "apocalipse da informação". E estamos todos contando que o governo e o Facebook resolvam o problema.

Mas será que vocês e eu não temos um papel a desempenhar? Receber notícias apenas de jornais em papel pode ser um método extremo, e provavelmente não servirá a todos. Mas a experiência me ensinou diversas coisas sobre os percalços das notícias digitais, e maneiras de evitá-los.

Destilei essas lições em forma de três instruções curtas, da mesma forma que o jornalista Michael Pollan resumiu seus conselhos sobre nutrição. Obtenha notícias. Não o faça rápido demais. Evite a mídia social.

Eu sei o que você está pensando: aceitar conselhos de um jornalista do New York Times sobre as virtudes da mídia impressa é como aceitar conselhos sobre dieta de um fabricante de chocolates. E alguns de vocês podem achar que estou ensinando o Pai Nosso ao vigário: as pessoas que estão lendo esse artigo certamente já apreciam as notícias em papel, não é?

Provavelmente não. O New York Times tem 3,6 milhões de assinantes, mas cerca de três quartos deles pagam apenas pela versão digital. Na eleição de 2016, menos de 3% dos norte-americanos citaram a mídia impressa como sua fonte mais importante de notícias sobre a campanha; para as pessoas com menos de 30 anos, ela era a fonte menos importante.

MIX ESTREITO

Tenho quase 40 anos, mas não sou diferente. Ainda que acompanhe as notícias atentamente desde que era criança, sempre preferi minhas notícias em uma tela, acessíveis ao toque de um botão. E há muita coisa a odiar na mídia impressa, como aprendi na minha experiência. As páginas são grandes demais, a fonte muito pequena, a tinta causa sujeira e, comparado a um smartphone, um jornal é muito mais complicado de consultar se você está em movimento.

A mídia impressa também oferece um mix de ideias mais estreito do que aquele que você encontra online. Não há como ler o BuzzFeed, Complex ou Slate em papel. Na Califórnia, não há como receber nem o Washington Post em papel. E a mídia impressa é cara. Fora de Nova York, e desconsiderados os descontos iniciais, uma assinatura com entrega domiciliar do New York Times custa US$ 81 por mês. Em um ano, isso fica perto do preço do melhor iPhone da Apple.

E o que você recebe por essa grana toda? Notícias. Isso parece óbvio, até  que você experimenta e descobre que boa parte do que recebe online não é exatamente notícia, mas comentários, e comentários que mais distorcem do que aprofundam seu conhecimento sobre o mundo.

Isso acontece comumente online. Nas redes sociais, todas as notícias já chegam pré-digeridas. As pessoas não se limitam a postar histórias. Postam sua opinião sobre elas, muitas vezes citando a parte de um texto que prova que elas têm razão, o que livra os leitores da necessidade de se aprofundarem mais quanto à história e chegarem a uma opinião própria.

Estava evidente pelo menos desde 2013 que o método pela qual divulgamos notícias urgentes deixou de funcionar. Naquele ano, uma semana de teorias absurdas de conspiração se seguiu ao atentado contra a Maratona de Boston. Como argumentei então, foi a tecnologia que causou o problema.

TEMPO PARA COMPREENSÃO

A vida real é lenta. Os profissionais precisam de tempo para compreender o que aconteceu, e para enquadrar o acontecido ao contexto. A tecnologia é rápida. Os smartphones e as redes sociais nos oferecem fatos quanto às notícias muito mais rápido do que somos capazes de compreendê-las, o que permite que a especulação e a desinformação preencham as lacunas.

E a situação só piorou. À medida que as organizações noticiosas evoluem, em um cenário digital dominado por apps e plataformas sociais, se sentem mais e mais pressionadas a postar notícias rapidamente, Agora, quando algo surge, recebemos alertas quase imediatos, muitas vezes antes que todos os fatos sejam conhecidos. E com isso o consumidor de notícias tem de correr à mídia online, não só para descobrir o que aconteceu mas para compreender de fato o que isso significa.

Essa foi a vantagem surpreendente que encontrei nos jornais. Estava recebendo notícias do dia anterior, mas, no tempo transcorrido entre o acontecido e a chegada da notícia à minha porta, centenas de profissionais experientes cuidaram do trabalho difícil, em meu nome.

Restava-me apenas a experiência simples, desconectada e ritual de ler as notícias, em geral sem me ver sujeito à carga cognitiva de imaginar que o que quer que eu estivesse lendo talvez fosse uma mentira deslavada.

Outra surpresa foi a sensação de que o tempo demorava mais a passar. Um aspecto estranho dos últimos anos foi a forma pela qual "um tornado de notícias distorceu o domínio do tempo e da memória pelos norte-americanos", como escreveu meu colega Matt Flegenheimer no ano passado.

Ao oferecer um resumo diário das notícias, o jornal alivia essa sensação. Há muitas notícias ainda, com certeza, mas quando você as lê uma vez por dia o mundo parece contido e compreensível, em lugar de surgir como um borrão de manchetes na tela de bloqueio do celular.

Essa é a regra mais importante de todas. Depois de ler jornais em papel nas últimas semanas, comecei a perceber que os jornais podem nem ser tão bons assim, mas a mídia social é muito ruim.

Praticamente todos os problemas que enfrentamos para compreender as notícias, hoje —e todos os que batalharemos amanhã—, são exacerbados quando nos conectamos ao rebanho da mídia social. Os incentivos que o Twitter e Facebook incorporam como parte de sua estrutura privilegiam a velocidade em detrimento da profundidade, primeiras impressões em detrimento dos fatos, e propagandistas experientes em detrimento de analistas noticiosos bem intencionados.

Você não precisa ler um jornal em papel para ter um relacionamento melhor com as notícias. Mas, pelo amor de Deus, deixe de obter suas notícias principalmente do Twitter e do Facebook. Em longo prazo, isso beneficiará não só a você como a todos nós.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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