Descrição de chapéu nestlé

Preocupado com a saúde, cliente 'fala, liga, não aceita', diz executivo da Nestlé

Executivo diz que a empresa tem investido em pesquisa para oferecer portfólio mais saudável.

Presidente do conselho de administração da Nestlé, Paul Bulcke - Adriano Vizoni / Folhapress
Flavia Lima
São Paulo

A preocupação com a sustentabilidade, que inclui de cuidados com o ambiente e com o desenvolvimento social a confrontos com as exigências mais imediatistas do mercado financeiro, não é um luxo, mas algo que deve ser incorporado por empresas, governos e pela sociedade, diz o belga Paul Bulcke, presidente do conselho de administração da Nestlé.

Uma face desse mundo mais sustentável, a atenção maior das pessoas com a saúde, não tem afetado os lucros da gigante alimentícia conhecida por seus chocolates e iogurtes, afirma Bulcke.

O executivo, que está na Nestlé desde 1979, diz que a empresa tem investido em pesquisa para oferecer um portfólio mais saudável.

"Os produtos mais nutritivos têm as melhores margens e uma população mais consciente do problema valoriza mais esse tipo de produto", afirma Bulcke.

Em bom português, fruto de um período de dois anos em Portugal, Bulcke também discorda da percepção de que as grandes companhias alimentícias miram os países em desenvolvimento diante de uma possível conscientização mais forte --e da maior renda-- da população de países desenvolvidos.

Em especial no Brasil, diz ele, onde os mais jovens ainda são a maior parcela da população. "O brasileiro fala, escreve, liga, não aceita".

Leia trechos da entrevista de Bulcke para a Folha.

 

Folha - No pós-crise de 2008 e em tempos de governo Trump os governos continuam dando a devida relevância ao tema da sustentabilidade ou se tornou uma bandeira mais da sociedade civil?

Paul Bulcke - A sustentabilidade não é uma questão de luxo. Tem que estar em nossa lista de prioridades. Nós como empresa, não pensamos nisso apenas quando estamos bem: está intrinsecamente ligado com a nossa estratégia. Deve estar nas agendas das empresas, sociedades e governos permanentemente.

E sustentabilidade não é só meio ambiente. É desenvolvimento econômico e social. É o que a gente faz hoje e não coloca em risco a possibilidade de fazer bem amanhã.

Nós temos rearticulado nosso propósito como empresa. O foco é melhorar a qualidade de vida e contribuir para um futuro mais saudável.

Agora o que se passa com os EUA é outra coisa. É algo político. Mas acho também que a posição americana acaba aglutinando o resto do mundo.

Em meio a questões como desigualdade econômica crescente, a sustentabilidade ainda tem importância?

A desigualdade é fruto de uma atitude de curto prazo. É um grupo de pessoas que dizem 'tudo para mim'.

Sentimos essa dimensão muito forte também no mundo financeiro, que exige mais hoje da Nestlé sem perceber que isso pode ocorrer à custa do amanhã. 'Amanhã veremos', dizem eles.

Eu posso fazer o que me pedem e ficar três ou quatro anos bem. E depois? É obrigação da gerência dizer não às coisas que podem comprometer o futuro. E a política deveria fazer mais isso.

Os políticos não podem pensar só em eleições. Tem que fazer o que é devido. Temos que voltar a pensar no longo prazo.

Como a Nestlé está se adaptando às novas tendências de dietas mais saudáveis no mundo? A empresa não teme essa onda?

Essa conscientização de saúde é muita mais aguda na parte de comida e bebida. Acho que isso joga a favor da nossa estratégia. Investimos muito em pesquisa. Nosso portfólio muda para acompanhar essa onda. No Brasil, temos uma deficiência em vitamina A, ferro e zinco muito forte e focamos na fortificação de produtos.

Mas somos pressionados pela percepção ruim sobre o chocolate, por exemplo. Mas o chocolate não é ruim. Muito chocolate é que é. Logo, podemos dar chocolate com menos açúcar. Ou fazer porções menores. Os problemas precisam de respostas variadas.

Mas essa preocupação com saúde não afeta, ainda que momentaneamente, o lucro da empresa?

Os produtos mais nutritivos têm as melhores margens. E uma população mais consciente do problema valoriza mais esse tipo de produto. Logo, isso cria valor.

E muitos dessas soluções não custam muito pra gente. Adicionar ferro ao produto não é muito custoso, é só se atentar para que não altere o sabor.

A Nestlé não perde participação de mercado nos países mais desenvolvidos e ganha nos menos, que ainda são menos sensíveis a essa questão?

Acho que é uma percepção errônea acreditar que os países em desenvolvimento estão atrasados. A conscientização no Brasil é igual à da Europa. Às vezes, mais aguda.

Porque a sociedade brasileira é mais jovem e são eles que perguntam, que são incisivos e conscientes. Logo, acho que em países como o Brasil o diálogo é mais intenso: brasileiro fala, escreve, liga, não aceita.

Que papel o Brasil pode desempenhar no tema da sustentabilidade? Ele tem cumprido seu potencial?

É um player importante no mundo para a agricultura e tem que assumir a responsabilidade. Não pode se esconder e dizer que ainda é um país em desenvolvimento. E acho que o Brasil está fazendo um bom trabalho. Há conscientização das coisas.

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