Suspeita de fraude em PPP da luz na cidade de SP derruba diretora de iluminação

Gravações apontam suspeita de favorecimento à FM Rodrigues, vencedora da licitação

Iluminação pública em São Paulo
Iluminação pública em São Paulo - Rubens Cavallari/Folhapress
Catia Seabra Taís Hirata
São Paulo
A divulgação de gravações de conversas sobre a licitação bilionária da PPP (Parceria Público Privado) da iluminação pública na cidade de São Paulo derrubou, nesta quarta-feira (21), a diretora do Ilume (Departamento de Iluminação Pública da capital paulista), Denise Abreu.
 
O órgão deverá ser assumido pelo procurador municipal Paulo Cesar Nannini, cuja nomeação será publicada no Diário Oficial da cidade nesta quinta (22). 
 
As conversas, reveladas na noite de terça (20) pela rádio CBN e pela Record e obtidas pela Folha, revelam uma suposta preferência da então diretora por uma das concorrentes, e posteriormente vencedora da disputa, a FM Rodrigues, que nega irregularidades.
 
Os áudios, gravados por sua então secretária, Cristina Chaud Carvalho, deixam transparecer até uma intimidade de Abreu com Marcelo Rodrigues, um dos sócios da FM Rodrigues, que, após acirrada disputa judicial, saiu vencedora da licitação graças à desabilitação do consórcio adversário, o Walks —formado pela Quaatro Participações, a WPR (subsidiária do grupo WTorre) e a KS Brasil Led Holdings.
 
Nas conversas, gravadas entre outubro de 2017 e fevereiro de 2018, Abreu chega a usar a primeira pessoa do plural, "nós", ao se referir à FM Rodrigues e se declara inimiga de Walter Torre, empresário que integra o consórcio concorrente.
 
O contrato, que é de R$ 6,9 bilhões e tem duração de 20 anos, foi assinado no dia 8 de março. 

A Prefeitura de São Paulo afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que determinou a instauração de uma investigação pela Controladoria Geral do Município para avaliar a regularidade da concorrência —a depender do resultado do inquérito, a PPP poderá ser suspensa, mas, enquanto isso, segue normalmente. A gestão ainda não esclareceu se o cronograma de investimentos e obras será mantido durante o processo. 
 
A concorrência pelo contrato foi marcada por diversos imbróglios com o TCM (Tribunal de Contas do Município) e ações judiciais entre as duas concorrentes –FM Rodrigues e Walks–, em um processo que se arrastou por ao menos dois anos.
 
Após uma briga de liminares, o Walks foi desclassificado por decisão da comissão de licitação da Prefeitura, que tem subordinados de Abreu entre seus integrantes.
 
O motivo apresentado foi que um dos participantes do grupo seria inidôneo  –a Quaatro Participações, controladora da Alumini, que havia sido impossibilitada de firmar contratos públicos pela Controladoria-Geral da União.
 
Logo após o anúncio da desclassificação, o grupo Walks acionou a Justiça para tentar barrar o contrato e entrou com uma representação no Ministério Público, que já deu início às investigações.
 

'SEUS TRÊS'

No áudio, em uma conversa ocorrida no início de dezembro, após a Walks obter na Justiça direito de participar da licitação, Abreu avisa à secretária que vai lhe dar "seus três". Atual concessionária, a FM Rodrigues acabava de ter um contrato emergencial assinado com a Prefeitura de São Paulo.
 
As duas mencionam o dono da FM Rodrigues ao descrever a irritação do empresário com a possibilidade de vitória do concorrente no certame.
 
"Preciso falar com você. Eu vou te dar os seus três. Mas a empresa [a FM Rodrigues] não tem mais contrato e eu não vou ter como apoiá-la daqui para frente com isso. É último mês. Simplesmente não tem como", diz Abreu.
 
Nenhuma delas esclarece o que significariam esses "seus três".
 
Na conversa, Denise Abreu se queixa: "Estão deixando o Walter andar. Estão deixando o Walter ganhar e o cara [Marcelo Rodrigues] falou. 'Tô fora'. Não tenho nenhum contato nem vou me mexer com a Walter Torre. Nem vou. Ao contrário. Sou inimiga deles."
 
A secretária pergunta: "Mas a PPP você não vai ganhar?" Abreu responde: " Não. A PPP, existem dois concorrentes".
 
A diretora faz então um relato à secretária. Diz que existe a FM Rodrigues. A secretária interrompe: "Que é de seu Marcelo".
 

PROPINA

Denise Abreu ainda afirma, nas gravações, que os secretários municipais Marcos Penido (Obras), Julio Semeghini (Governo),  receberiam propina da Eletropaulo, ao falar sobre uma vitória em uma queda de braço entre a prefeitura e a fornecedora de energia.

"Os que ganham propina da Eletropaulo devem estar lá assim 'Ai, meu Deus do céu, acabou minha propininha. O que eu faço agora?' Penido, Julio Semeghini, todo mundo sabe que recebem propina da Eletropaulo", diz.

OUTRO LADO

Em nota, a Prefeitura de São Paulo afirmou que a ex-diretora do Ilume Denise Abreu assinou um documento, registrado em cartório, no qual declara que jamais interferiu no processo licitatório da PPP da Iluminação Pública e que afirmou desconhecer totalmente “qualquer tipo de envolvimento ilícito entre os secretários Marcos Penido (Serviços e Obras) e Julio Semeghini (Governo) com a Eletropaulo". 
 
Declaração da ex diretora do Ilume Denise Abreu
Declaração da ex-diretora do Ilume Denise Abreu - Reprodução
 
"A Secretaria Municipal de Serviços e Obras reafirma que a Comissão Especial de Licitação conduziu o processo da PPP dentro da total legalidade e ressalta que Denise Abreu não participou da comissão de licitação, nem teve qualquer papel decisivo neste processo."
 
A secretaria também disse que a desclassificação da Walks ocorreu dentro da legalidade e foi julgada procedente pelas 7ª e 14ª Varas da Fazenda Pública. Além disso, afirmou que Abreu não tivera papel decisivo nesse processo. 
 
Na nota, a prefeitura ainda diz que os secretários Marcos Penido e Julio Semeghini rechaçam qualquer envolvimento irregular com a Eletropaulo ou qualquer outra empresa. 
 
A FM Rodrigues afirmou, em nota, que "não cometeu nenhum ato irregular ao longo do processo da PPP da iluminação pública" e que "sempre esteve pautada pela ética e pela relação de confiança com clientes, população e administrações públicas". A empresa ainda disse que "cabe ressaltar que a ex-diretora da Ilume sequer participou do processo da PPP, não tendo qualquer influência sobre a condução desse processo, que ficou a cargo da secretaria de Serviços e Obras".
 
A WTorre, que também foi procurada, ainda não se pronunciou sobre o tema. O consórcio Walks, do qual a companhia faz parte, afirmou em nota que "foi alvo de diversas decisões da Comissão de Licitação que visavam sua impugnação, mesmo diante de reiteradas decisões da Justiça que reafirmavam o direito do Consórcio Walks de participar da concorrência" e que entrou com recurso na Justiça assim que a vitória da FM Rodrigues foi declarada.
 
A Eletropaulo afirmou, em nota, que "tomará as medidas legais cabíveis em relação a qualquer comentário inverídico quanto à sua reputação". A empresa também disse que "além de cumprir integralmente a legislação brasileira anticorrupção, possui rígidos critérios de ética e que repudia qualquer ação que possa infringir essas regras, além de estar comprometida em manter a transparência em suas relações com autoridades públicas, fornecedores, clientes, acionistas e colaboradores".
 

ABREU FICOU CONHECIDA NO CAOS AÉREO

Antes de assumir o Ilume, Denise Abreu teve seu posto de maior destaque em 2006 e 2007, quando foi diretora da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil).

O período foi marcado pelo caos aéreo, resultado de greves de controladores de voo, após a queda do Boeing da Gol, e pela maior tragédia da história da aviação brasileira, o acidente da Tam.

No primeiro caso, Abreu recebeu críticas após divulgação de foto sua fumando charuto em festa de servidores da Anac enquanto viajantes sofriam com atrasos e adiamentos de voos.

O acidente do Airbus da Tam, na noite de 17 de julho de 2007, matou 199 pessoas após o avião não conseguir frear ao pousar em Congonhas. O caso levou à abertura de processo contra Abreu e dois executivos da companhia aérea.

Ela foi acusada de ter induzido a Justiça a erro ao apresentar suposto documento falso com norma técnica que permitiria a liberação da pista de Congonhas para aviões com o reverso quebrado em dias de chuva, o que ocorreu no caso da aeronave da Tam.

Ela e os dois executivos foram absolvidos em primeira e segunda instâncias. Em julho do ano passado, o Ministério Público Federal disse que não recorreria da decisão.

Em 2016, Abreu se filiou ao recém-criado PMB (Partido da Mulher Brasileira), pelo qual cogitou concorrer à Prefeitura de São Paulo. Desistiu e se aliou a João Doria (PSDB) durante a campanha daquele ano.

 
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