Acidente fatal com Tesla gera dúvidas sobre sistema de carro inteligente

Motorista com piloto automático ligado morreu em acidente no último dia 23

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Profissionais participam de resgate após acidente com carro elétrico da Tesla em Mountain View (EUA)
Profissionais participam de resgate após acidente com carro elétrico da Tesla em Mountain View (EUA) - via Reuters
 
Neal E. Boudette
The New York Times

No final de 2016, a Tesla atualizou online automaticamente o software de seus carros, em uso nas ruas dos Estados Unidos e outros países, e acrescentou salvaguardas ao sistema Autopilot, para impedir que motoristas tirassem os olhos da estrada ou mantivessem as mãos longe do volante por períodos prolongados.

A decisão veio por conta de uma colisão na Flórida em que um motorista do Ohio morreu quando seu Model S atingiu um caminhão-reboque, em um momento no qual o Autopilot estava em uso. Investigadores federais constataram que as mãos do motorista só estiveram no volante por alguns segundos, no minuto que antecedeu a colisão.

Assim que a atualização foi executada, Elon Musk, o presidente-executivo da Tesla, disse que o novo sistema Autopilot iria "verdadeiramente além do que as pessoas esperam", e faria do sedã Model S e do esportivo utilitário Model X os carros mais seguros nas ruas dos Estados Unidos "por larga margem".

Agora, porém, o sistema de condução semiautônoma da Tesla volta a ser investigado, depois que a empresa revelou na noite de sexta-feira (23) que uma colisão fatal aconteceu no dia 23 de março na Califórnia, envolvendo um carro que tinha o Autopilot ligado.

A empresa anunciou que o motorista, Wei Huang, 38, engenheiro de software da Apple, havia recebido diversos sinais visuais e sonoros de que devia colocar as mãos no volante, mas não o fez, mesmo que o Model X  que ele dirigia tivesse a versão atualizada do software. As mãos dele não estavam no volante nos seis segundos que antecederam a colisão de seu Model X com uma barreira divisória de concreto na junção entre as rodovias 85 e 101, em Mountain View; nem Huang e nem o Autopilot acionaram os freios antes do acidente.

A colisão renova as questões quanto ao Autopilot, o recurso mais distintivo dos veículos da Tesla, e sobre se os esforços da empresa para manter motoristas e passageiros seguros foram suficientes.

"No mínimo, creio que será necessário realizar mudanças fundamentais no Autopilot", disse Mike Ramsey, analista da Gartner que se concentra em tecnologia para veículos autoguiados. "O sistema, em seu formato atual, ilude o motorista e o leva a pensar que sua capacidade é maior do que a real. Mas ele não é um sistema autoguiado. Não é um sistema que permita que o motorista tire as mãos do volante. No entanto, é assim que as pessoas o estão usando, e funciona bem - até que para de funcionar".

A Tesla se recusou s comentar sobre a colisão na Califórnia e Musk e outros executivos da empresa não estavam disponíveis para entrevistas. 

Em post sobre o acidente na sexta-feira, a companhia reconheceu que o Autopilot "não previne todos os acidentes", mas que o sistema "torna muito menos provável que eles ocorram", e "inequivocamente torna o planeta mais seguro".

NOTÍCIAS RUINS

Para a empresa, o significado da colisão vai além do Autopilot. A Tesla já vinha oscilando sob uma saraivada de notícias negativas. O valor de suas ações e títulos caiu, e há preocupações quanto ao ritmo de sua queima de caixa e com os atrasos repetidos na produção do Model 3, um carro elétrico compacto com o qual Musk está contando para gerar receitas muito necessárias.

A companhia também está enfrentando um processo de acionistas por conta de sua aquisição da SolarCity, uma fabricante de painéis solares da qual Musk servia como presidente do conselho. Enquanto isso, vem crescendo a concorrência de outros fabricantes de veículos de luxo que desenvolveram carros elétricos, e a Waymo, criada pelo Google, a General Motors e outras montadoras parecem ter deixado a Tesla para trás em termos de tecnologia para veículos autoguiados.

"Muito do que está acontecendo no momento solapa a credibilidade de Elon", disse Karl Brauer, analista sênior do Kelley Blue Book, um site sobre o mercado de automóveis dos Estados Unidos.

O Autopilot usa radares e câmeras para detectar as faixas de rodagem, outros veículos e objetos na estrada. É capaz de acionar o volante, frear e acelerar automaticamente, com pouca interferência do motorista. 
A Tesla admite prontamente que o Autopilot - apesar das implicações de seu nome - é apenas um sistema de assistência ao motorista, e que o objetivo não é que ele guie o carro sozinho.

Os motoristas recebem alertas no painel e no manual do proprietário de que devem se manter atentos e engajados ao dirigir. A Tesla descrevia o sistema originalmente como versão "beta", termo que usualmente é usado para descrever software em desenvolvimento.

Na época da colisão da Flórida, era possível ativar o Autopilot e percorrer as estradas por alguns minutos sem que o motorista segurasse o volante. Naquele acidente, a câmera do Autopilot, então o sensor primário do sistema, não reconheceu um caminhão branco que estava cruzando uma estrada rural. A Tesla explicou que a câmera ficou confusa porque o caminhão surgiu diante do pano de fundo de um céu muito claro.

Modificações no software introduzidas no final daquele ano incluem alertas mais frequentes aos motoristas para que mantenham as mãos no volante. Depois de três alertas, o novo software impede o Autopilot de continuar operando até que o motorista pare o carro, desligue o motor e reinicie o sistema.

A nova versão também fez do radar o sensor primário, e Musk disse que o novo radar teria sido capaz de detectar o caminhão na colisão da Flórida, apesar do céu claro.

O Autopilot não usa "lidar" - uma espécie de radar baseado em lasers -, o que a Waymo e outras empresas do setor dizem ser crucial para veículos plenamente autoguiados. Musk disse que não acredita que o "lidar" seja necessário para que o Autopilot seja seguro.

INVESTIGAÇÕES

Pelo menos três pessoas morreram em acidentes envolvendo veículos que operavam com o Autopilot ligado. Em janeiro de 2017, o proprietário de um Tesla na China estava ao volante de um Model S quando o veículo bateu em um veículo de limpeza que estava na estrada.

O Conselho Nacional de Segurança nos Transportes norte-americano está investigando o acidente que matou Huang em 23 de março. A investigação do órgão sobre a colisão da Flórida em 2016 concluiu que o Autopilot "teve papel importante" no acidente, e afirmou que o sistema não tinha salvaguardas para impedir uso indevido pelos motoristas.

Uma investigação anterior pela Administração Nacional de Segurança no Transporte Rodoviário determinou que os veículos da Tesla equipados com o Autopilot não precisavam de recall. Mas o inquérito se concentrou apenas na questão de se falhas no sistema haviam causado o acidente; e a conclusão foi de que não houve esse tipo de falha.

 
Tradução de PAULO MIGLIACCI

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