Boeing persegue baixo custo e aquisições

Empresa americana bate recorde de entrega e mira parcerias pelo mundo, como a Embraer

Linha de produção da fábrica da Boeing nos arredores de Seattle
Linha de produção da fábrica da Boeing nos arredores de Seattle - Boeing
Estelita Hass Carazzai
Seattle (EUA)

A gigante da aviação Boeing, a empresa americana que quer comprar a Embraer, vem soltando as asas.

Num mercado de crescente competição, a companhia bateu recorde de entregas e desempenho financeiro no ano passado, enquanto pressiona seus fornecedores a diminuir preços, centraliza a produção e caça parcerias e joint ventures pelo mundo, como na negociação com os brasileiros.

É uma abordagem nova, que reforça a tática agressiva da Boeing, dona de uma das maiores fábricas do mundo —e que não quer perder a dianteira do mercado. 

“Estamos fazendo o que achamos melhor para a empresa, para sermos mais competitivos”, disse à Folha Donna Hrinak, presidente da Boeing para a América Latina.

Produtora da bem-sucedida linha de jatos 737, 747 e 787, a Boeing viu a competição do setor aeronáutico aumentar, em especial com a pressão por redução de custos das companhias aéreas, ávidas por transportar cada vez mais gente por preços mais baixos, e com o anúncio recente de novos fabricantes na China, na Rússia e no Japão.

Atualmente, a americana disputa venda a venda com a europeia Airbus, que emparelhou o número de entregas com a concorrente na última década e teve até mais pedidos no ano passado.

Para fazer frente à concorrência, a Boeing alterou estratégias, a começar por acelerar e centralizar a produção.

Até 2020, a empresa pretende produzir por mês 60 aviões do tipo 737, um best-seller da companhia —o triplo do que fazia 20 anos atrás.

Em suas gigantescas fábricas nos arredores de Seattle, na costa oeste americana, se veem até seis jatos emparelhados, de uma só vez, na linha de produção. A empresa voltou a contratar no fim do ano passado, para dar conta da demanda.

A carteira de pedidos é considerável: 5.805 encomendas em espera, muitas das quais serão entregues em 2025.

Dentro da fábrica, a operação se tornou mais vertical. A Boeing assumiu a produção de componentes, serviços de manutenção e até a fabricação de assentos, por meio de uma joint venture anunciada no início do ano com a fábrica alemã da Adient.

“Isso é totalmente novo para a Boeing”, diz à Folha o consultor em aviação Mike Stewart, que trabalhou por 40 anos na empresa.

O objetivo, segundo ele, é controlar o calendário de entregas —uma preocupação que ganhou força depois da desastrosa produção do 787 Dreamliner, dez anos atrás.

Era um “avião global”, anunciava a empresa. As asas vinham do Japão. A fuselagem central, da Itália. Portas de passageiros, da França. Mas o cronograma atrasou, algumas partes deram problema e tiveram de ser refeitas, e a aeronave só parou de dar prejuízo muitos anos depois.

Agora, a Boeing quer ter mais controle sobre esses processos. “Nós estamos retrazendo capacidades para dentro de casa”, afirma Hrinak.

As parcerias ainda trazem a vantagem de novo capital intelectual, aponta o consultor Richard Aboulafia, especialista no setor aéreo e vice-presidente do grupo Teal.

TESOURA

A segunda estratégia da Boeing é mais recorrente: cortar custos. Só que, dessa vez, com uma ferrenha campanha entre fornecedores. “Eles estão mais agressivos do que nunca com sua cadeia de suprimentos”, diz Aboulafia.

Dois anos atrás, a empresa relançou o programa “Parceria para o sucesso”, que incentiva fornecedores a melhorar processos e baixar seus preços em até 15%. Quem não adere é deixado para trás —como a americana United Technologies, que se recusou a baixar os preços dos trens de pouso e acabou desistindo de disputar o contrato para a nova aeronave da Boeing, no ano passado.

“Nós iríamos perder dinheiro”, disse o executivo Gregory Hayes, na época.

Alguns fornecedores, insatisfeitos, chamam o programa de “Parceria para menos”, ou “Parceria para a pobreza”. Outros recorreram a fusões para conseguir escala e sobreviver com as novas margens de lucro, que foram reduzidas.

“O mundo está mudando. Mudança é difícil. Mas também é uma oportunidade para novos fornecedores”, afirma Hrinak. Quem venceu o contrato dos trens de pouso da nova aeronave, por exemplo, foi uma pequena manufatura canadense.

Os bons resultados da americana têm feito sucesso com pelo menos um grande consumidor: o presidente Donald Trump

“Deus abençoe a Boeing”, disse ele, em discurso em fevereiro, em frente a um 787. O republicano afirma valorizar a engenharia e a manufatura americanas e tem usado a Boeing como exemplo. A companhia, porém, continua voltada para o mundo.

EMBRAER

Para quem observa a estratégia recente da Boeing, o flerte com a Embraer não mira apenas no avanço sobre o mercado de aviação regional, com as aeronaves de pequeno e médio portes da brasileira.

Acima de tudo, a americana está de olho em tecnologia e integração produtiva que a Embraer poderá oferecer, com fornecedores de trens de pouso e interiores, por exemplo.

“Há sinergias importantes, inclusive na integração vertical”, diz Donna Hrinak, presidente da Boeing para a América Latina. 

Para o consultor Richard Aboulafia, há mais em jogo do que fazer frente à parceria entre a canadense Bombardier, concorrente direta da Embraer, com a Airbus. “A Embraer tem muitas virtudes”, diz. 

A Boeing concorda e nega que a ideia seja “o maior engolir o menor”. “De forma alguma. A Embraer tem muito a oferecer”, diz Hrinak.

Do lado brasileiro, analistas apontam que a Embraer poderia se beneficiar do negócio, com mais capacidade de investimento e fôlego para competir. Mas, afirmam, seria preciso manter o controle sobre a companhia.

O que se negocia é a formação de uma terceira empresa, a ser controlada pela americana, e que preserva a área de defesa da Embraer.

As tratativas devem seguir, pelo menos, até julho.
 

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