Descrição de chapéu The New York Times

Cambridge Analytica tinha planos para lançar moedas virtuais

Objetivo da moeda era criar um sistema para armazenar dados pessoais

Nathaniel Popper Nicholas Confessore

A consultoria de dados políticos Cambridge Analytica tentou discretamente desenvolver uma moeda virtual, nos últimos meses, por meio de uma chamada "oferta inicial de moeda", um método novo de arrecadação de capital que vem atraindo escrutínio cada vez mais intenso das autoridades regulatórias das finanças mundiais.A oferta era parte de um esforço mais amplo, mas ainda assim sigiloso, da empresa para se expandir no mundo nascente das criptomoedas, ao longo dos últimos 12 meses.

Da mesma forma que sua aquisição de dados do Facebook para construir perfis psicológicos de eleitores, a nova linha de negócios da empresa a colocava em situações éticas e jurídicas espinhosas.

Documentos e emails obtidos pelo The New York Times mostram que os esforços da Cambridge Analytica para ajudar a promover a moeda digital de outra companhia, chamada Dragon Coin, levaram a uma associação entre a empresa e um famoso gângster de Macau conhecido pelo apelido Broken Tooth [dente quebrado].O objetivo da oferta inicial de moeda pela Cambridge Analytica? Levantar dinheiro para pagar pela criação de um sistema que ajudaria pessoas a armazenar dados pessoais online e vendê-los para anunciantes, disse Brittany Kaiser, antiga empregada da Cambridge Analytica, em entrevista. A ideia seria proteger informações contra mais ou menos o que a empresa fez ao obter dados pessoais sobre até 87 milhões de usuários do Facebook.

"Quem sabe mais sobre o uso de dados pessoais que a Cambridge Analytica?", disse Kaiser. "Assim, por que não criar uma plataforma que reconstrua a maneira pela qual isso funciona?"

O esforço foi comandado por Alexander Nix, o presidente-executivo britânico da Cambridge Analytica, forçado a deixar a empresa em 

depois de ser apanhado em uma gravação na qual se vangloriava da abordagem adotada por sua empresa em operações políticas em outros países, que incluía o uso de companhias de fachada e estratégias para enredar oponentes. As revelações sobre o uso de dados do Facebook e os comentários de Nix parecem ter resultado na suspensão do trabalho quanto à moeda virtual, que estava apenas começando.

Ofertas iniciais de moeda, ou ICOs, são um método de arrecadação de capital sob o qual empresas vendem moedas virtuais que elas mesmas emitem. Essas moedas em geral são estruturadas como o bitcoin, com transações registradas por meio de tecnologia blockchain. As moedas são em geral projetadas para funcionar como método interno de pagamento no software que a startup esteja criando. No ano passado, empresas arrecadaram mais de US$ 6 bilhões por meio de IOCs. 

As ofertas de moeda em geral conseguem contornar a fiscalização que acompanha os métodos tradicionais de arrecadação de fundos, o que abre as portas para fraudes significativas. Algumas ofertas de moeda foram proibidas pelas autoridades, e há diversas investigações amplas do setor por autoridades regulatórias de todo o mundo."Há poucas áreas mais controversas para uma expansão de negócios", disse Tim Swanson, consultor que atende a diversas companhias do setor e estava informado sobre a oferta inicial de moeda planejada pela Cambridge Analytica.

Um porta-voz da Cambridge Analytica não respondeu a diversos pedidos de comentários.

A Cambridge Analytica começou a trabalhar com a ideia de oferecer uma moeda virtual na metade do ano passado. A área era comandada por Kaiser, americana responsável pela área de desenvolvimento de negócios da empresa, e que anteriormente havia aparecido em um evento de imprensa com organizadores da campanha do "Brexit", que tirou o Reino Unido da União Europeia.

A Cambridge Analytica se vangloria de que seus "perfis psicométricos" de eleitores e consumidores permitem publicidade mais persuasiva e direcionada com mais precisão. Em materiais de marketing enviados a investidores, a empresa informava que Kaiser estava "ajudando empresas de blockchain a usar modelos preditivos para buscar investidores interessados na emissão de moedas".

Jill Carlson, consultora que trabalhou com diversas empresas de blockchain, participou de reuniões nas quais a Cambridge Analytica apresentou seus serviços a empresas de moedas virtuais, em uma das quais Nix estava presente.

Carlson disse que o pessoal da Cambridge Analytica alardeava o sucesso da empresa em ajudar na eleição do presidente Donald Trump, e sua capacidade de direcionar campanhas publicitárias de forma altamente precisa, usando dados de redes sociais como o Facebook.

Ela também recorda que eles falaram sobre diversas possíveis campanhas. A ideia mais incomum envolvia enviar moedas virtuais a pessoas de áreas remotas do México. Os pagamentos incentivariam as pessoas a responder a pesquisas e isso geraria dados que poderiam ser usados para ajudar a projetar campanhas para candidatos a cargos políticos mexicanos.

Carlson diz que as propostas apresentadas eram contrárias às ideias de abertura e transparência que a atraíram para projetos de moedas virtuais como o bitcoin.

"Da maneira pela qual a Cambridge Analytica falava no assunto, a visão deles era que as moedas fossem basicamente uma maneira de infligir aos indivíduos controle governamental e por empresas privadas, o que vira completamente de cabeça para baixo a premissa original dessa tecnologia, e de um modo altamente distópico".

A Cambridge Analytica conquistou alguns clientes. Na metade do ano passado, a equipe de Kaiser começou a trabalhar no desenvolvimento da Dragon Coin, uma nova moeda virtual criada para uso por apostadores. A moeda deveria supostamente facilitar o envio de dinheiro para os cassinos de Macau, uma ilha que é tecnicamente parte da China mas mantém algumas estruturas políticas independentes.

A Cambridge Analytica não teve papel público de destaque na promoção da Dragon Coin. Mas nos bastidores a empresa se comunicou por email com potenciais parceiros e investidores, e organizou viagens com todas as despesas pagas para que alguns deles fossem a um evento luxuoso de promoção da Dragon Coin em Macau.

O jornal South China Morning Post publicou uma foto do evento que mostrava a presença de Wan Kuok-koi. Wan é conhecido como "Broken Tooth Koi", por seus dias no comando da famosa gangue J4K, em Macau. Ele saiu da prisão em 2012, depois de servir uma sentença de 14 anos.

O fundador da Dragon Coin, Chris Ahmad, disse ao site noticioso Business Insider, na época, que Wan "não está envolvido com a Dragon e não está financiando a Dragon de maneira alguma".

Mas documentos enviados a potenciais investidores em setembro por Paul Moynan, cofundador da Dragon Coin, mostram Wan como patrocinador da oferta inicial de moeda, e incluem uma foto dele. Kaiser recebeu uma cópia desse email. Um documento separado sobre a Dragon Coin, que Moynan enviou na mesma época, menciona Wan como um dos poucos proponentes conhecidos do projeto.

Contatado recentemente, Moynan inicialmente disse que seu endereço de email tinha sido violado por hackers e que não reconhecia os documentos. Mais tarde classificou os documentos como "uma lista hipotética de desejos" encaminhada por "um membro júnior" da equipe."Vamos conduzir uma investigação interna, já que rascunhos de documentos não finalizados jamais teriam indicado parcerias efetivamente acordadas", ele disse.

Kaiser disse que seu trabalho no evento da Dragon Coin em Macau havia sido realizado em caráter pessoal e não em nome da Cambridge Analytica, e que a equipe da Dragon Coin havia lhe dito que Wan não estava envolvido no projeto.

A Dragon Coin afirmou ter arrecadado US$ 300 milhões, de investidores, no final do ano passado. É difícil confirmar esse total. Como muitas ofertas iniciais de moeda, a da Dragon Coin não conseguiu cumprir suas promessas. Os revezes não impediram a Cambridge Analytica de se envolver ainda mais no reino das moedas virtuais. O escritório da empresa em Nova York continuou a contatar potenciais investidores e parceiros, como mostram diversos emails. E em janeiro, Kaiser organizou uma conferência paralela dedicada a projetos de blockchain, chamada CryptoHQ, por ocasião do Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça. Nix fez parte de uma mesa redonda no evento.

Ele disse que a tecnologia seria útil para resolver o problema de que a Cambridge Analytica veio a se tornar símbolo - o abuso de dados pessoais online."Veremos o surgimento de um novo tipo de economia, no qual as pessoas começarão a assumir a propriedade de seus dados, e monetizá-los", disse Nix, de acordo com uma mensagem na conta de Twitter da CryptoHQ. "E isso só é possível via blockchain".A moeda virtual que a Cambridge Analytica estava criando tinha por objetivo resolver exatamente esse problema, e ajudaria a empresa a arrecadar dinheiro de investidores.

A empresa preparou um documento no qual descrevia as especificações técnicas da moeda, disse Kaiser. O relato dela foi confirmado por outra pessoa que trabalhou no projeto e concordou em falar sob a condição de que seu nome não fosse revelado. O trabalho era supervisionado por Alexander Tayler, o vice-presidente científico da área de dados da empresa e, por um breve período, presidente-executivo interino da companhia quando Nix se afastou.

Kaiser se demitiu da Cambridge Analytica em fevereiro e vem criticando severamente a empresa desde então. Até onde ela sabe, a oferta inicial de moeda não foi levada adiante. Mas Kaiser continua a trabalhar com conceitos semelhantes em sua nova consultoria, a Bueno Capital. 

Tradução de PAULO MIGLIACCI  

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