Descrição de chapéu juros copom

É uma falácia dizer que bancos brasileiros são muito eficientes, diz presidente de consultoria

Para o presidente da Roland Berger, instituições nacionais têm mais de R$ 50 bi cobertos pelas altas taxas de juros

Retrato de Antonio Bernardo, presidente da consultoria internacional Roland Berger no Brasil - Folhapress
 
Alexa Salomão
São Paulo

​​O presidente da consultoria alemã Roland Berger, António Bernardo, é um crítico contumaz dos bancos no Brasil e do papel deles na preservação das altas taxas de juros e de spread (diferença entre as taxas de juros que o banco paga e as que cobra).

Mesmo reconhecendo que o ambiente local é adverso, o que exige que cobrem mais pelos empréstimos, Bernardo afirma que as instituições financeiras instaladas no país estão em uma posição confortável e não têm pressa em fazer o dever de casa.

"No Brasil há uma concorrência soft entre os bancos, o que leva a uma enorme desvantagem: gera ineficiências."

O Banco Central, avalia Bernardo, já está tomando medidas para corrigir esse comportamento. "A pressão sobre os bancos está crescendo. E eles já estão sentindo. A mudança agora é apenas uma questão de tempo", afirma.

 

Por que a taxa básica de juros está no menor nível desde o início do Real, mas não vemos a redução dos juros no crédito nem dos ganhos dos bancos, o chamado spread?

As taxas de juros para o consumidor final estão caindo, o spread também, mas a redução vem de forma muito gradual, o que é negativo para o investimento, para o consumo, para a recuperação da economia. Essa inércia dos bancos em reduzir as taxas ocorre por várias razões. Uma delas é o fato de o Brasil ter uma grande concentração bancária.

Mas a concentração bancária ocorre em outros países que não têm taxas elevadas. Dá mesmo para afirmar que essa é uma causa?

Há concentração bancária em outras economias, mas em economias pequenas, como a Holanda e a Finlândia. Entre as grandes, a concentração é bem maior do que no Brasil. Estados Unidos, França, Reino Unido, por exemplo, são grandes economias com concentração bancária bem menor do que a brasileira. E a experiência mostra que setores muito concentrados têm mais propensão ao que chamo de concorrência soft.

O que seria isso?

Não estou dizendo que os bancos fazem algo ilegal, que organizam reuniões a portas fechadas para combinar juros. Estou dizendo que a concentração leva à redução na concorrência —e não é fácil explicar essa redução na prática. Os bancos fazem propaganda do crédito hipotecário, do crédito para automóvel, e fica parecendo que há concorrência. Mas isso não é concorrência. Na concorrência verdadeira ocorre uma pressão grande sobre os preços, e, para conquistar clientes, é preciso baixar o preço —no caso dos bancos, baixar as taxas de juros. Não há pressão sobre os preços no sistema bancário brasileiro.

Há quem defenda que concentração pressuponha bancos mais robustos e eficientes, o que dá segurança ao sistema. Esse setor já foi mais pulverizado no Brasil, teve problemas e exigiu saneamento. O país não está mais seguro assim?

De um lado, sim, é verdade. Instituições maiores e mais fortes dão mais segurança ao sistema financeiro. Mas também traz essa concorrência soft que eu falei, o que leva a uma enorme desvantagem para todo o sistema: gera ineficiências. Ao contrário do que se pensa, os grandes bancos brasileiros não são tão eficientes assim.

Mas é recorrente o discurso de que os bancos brasileiros estão entre os mais eficientes do mundo.

Isso é uma falácia. Basta comparar os números. Para medir a eficiência, os bancos usam várias métricas, uma delas é o CIR (taxa que mostra a relação entre os custos de operação e a renda). O CIR dos bancos brasileiros está abaixo de 50%. Por exemplo, o Santander tem cerca de 42%, o Itaú algo como 45%, o Bradesco, 49%. O CIR dos bancos na Europa está ao redor de 62%, e o dos Estados Unidos, 59%.

Mas essa é uma maneira simplista e pouco rigorosa de ver a eficiência. O CIR aqui é mais baixo porque o spread é absurdamente mais elevado —tem mais income, renda—, não porque os custos sejam baixos. Os custos dos bancos no Brasil, aliás, são muito altos.

O sr. está dizendo que o spread encobre ineficiências?

Sim. Encobre ineficiências e mantém resultados. A rentabilidade dos bancos brasileiros vem do spread excepcionalmente alto que cobram. Nas análises que fizemos, identificamos que há mais de R$ 50 bilhões em custos que poderiam ser cortados e estão sendo cobertos pelo spread.

Que custos são esses?

Estruturas organizacionais pesadas, com gente demais, processos de middle e back-office (áreas internas responsáveis por transações financeiras e obrigações regulatórias) ultrapassados, excesso de agências. Há outro indicador mundial para medir eficiência: despesas administrativas e com pessoal sobre o ativo total (peso dos custos sobre os ativos). Entre os maiores bancos no Brasil, essa relação é de 3,5%. Na Europa, 1,5%, menos da metade. Nos Estados Unidos, 2,5%.

Os bancos alegam que os spreads são altos por outras questões, alheias às suas operações, como a alta inadimplência. Não é assim?

Os custos com inadimplência no Brasil são três ou quatro vezes maiores do que em alguns países da Europa. Mas, no que se refere à inadimplência, pesam diferentes fatores. Recuperação de garantias, por exemplo, é um indicador importante. No Reino Unido e na Alemanha, a capacidade de execução de uma garantia em caso de inadimplência supera 80%. No México, 70%. Sabe qual é a capacidade de recuperação no Brasil? Cerca de 16%. Pesa também a questão do prazo: quanto mais tempo se leva para recuperar a garantia, mais pressão vemos sobre a inadimplência. No Reino Unido, um ano, um ano e meio. No Brasil, quatro anos.

Há, então, problemas do arcabouço legal que não depende dos bancos, correto?

Sim. Questões legais e outras distorções particulares do Brasil pesam, mas é preciso ter em mente que esse não é o aspecto mais relevante. Uma questão fundamental que afeta a inadimplência está no modelo de análise de risco dos bancos. Eles precisam ajustar e melhorar os modelos. Emprestaram altas quantias a clientes que depois se mostraram arriscados. Há novas tecnologias que podem ajudar nisso. Fintechs (empresas financeiras baseadas em novas tecnologias) já usam inteligência artificial para melhorar a eficiência.

Que medidas podem acelerar a redução do spread?

O Banco Central tem agido nesse sentido. Está ajustando a regulação dos bancos médios e das fintechs para elevar a concorrência. Essas instituições, mesmo sendo menores, podem fazer diferença. As cooperativas de crédito são um bom exemplo. Têm taxas de juros mais baixas do que as de grandes bancos e estão ampliando o crédito. O Banco Central também reduziu os depósitos compulsórios (dinheiro dos clientes que os bancos são obrigados a depositar no BC para controle de circulação de moeda), liberando recursos para o crédito.

Mas bancos centrais gostam de trabalhar pelo convencimento antes de tomar medidas radicais. Chamam as instituições e avisam: "Olha, com esse juro e essa inflação tão baixos, não faz sentido esse spread". A pressão sobre os bancos está crescendo. E eles já estão sentindo. A mudança agora é apenas questão de tempo.

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