São Paulo

A falta de um nome de centro que demonstre fôlego para disputar um segundo turno com Jair Bolsonaro (PSL) preocupa mais os investidores do que a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a capacidade que ele tem de transferir votos a um candidato não reformista, segundo especialistas ouvidos pela Folha.

Para eles, o grande risco é de a briga no centro diluir as chances de um nome que dê sequência às reformas iniciadas no governo de Michel Temer (MDB).

"Até pouco tempo atrás, existia no mercado um consenso de que um candidato reformista e de centro ia ganhar corpo ao longo do tempo e que a gente ia chegar às eleições com um cenário mais definido eleitoralmente", afirma Dan Kawa, responsável pela área multimercados da Icatu Vanguarda.

"O que acontece agora é que, além de termos um cenário externo mais nebuloso, o tempo passa, a eleição está mais perto, o período de desincompatibilidade do governo está chegando e não vimos o centro se juntando em torno de um candidato único, com força e bem posicionado", diz.

Para ele, não há um candidato de centro liberal com capacidade de aglutinar partidos em torno dele.

O cientista político Carlos Melo, professor do Insper, tem percepção parecida. Segundo ele, a falta de um candidato viável de centro é mais preocupante do que as questões envolvendo Lula.

Sem essa definição, o cenário eleitoral segue imprevisível e há riscos de extremismos de ambos os lados do espectro político, avaliam.

"A polarização nada mais é do que reflexo do ânimo dos eleitores em geral que tendem a aumentar a radicalização do voto. Em vez de votar no nome mais ponderado, votaria na esquerda ou na direita", afirma Ronaldo Patah, estrategista de investimentos do UBS Wealth Management.

Ele avalia que o pior cenário eleitoral é justamente não haver um candidato moderado de centro. "A radicalização na Presidência ia ser ruim, ia produzir reformas não tão boas. É importante alguém que pondere, que pese prós e contras e chegue a um resultado consensual", diz.

CONTÁGIO

Em meio a essas incertezas, a candidatura que mais agrada ao mercado, a do ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB) ainda não decolou.

"O mercado está atento ao Alckmin, e se pergunta que horas ele sai para entrar outro, quando vão colocar alguém mais forte", afirma o cientista político Carlos Melo.

E o segundo turno eleitoral pode ficar ainda mais distante para o tucano, a depender do impacto de uma eventual delação de Paulo Preto, ex-diretor da Dersa apontado como operador do partido, preso nesta sexta-feira.

"O próprio PSDB pode ser afetado. Um candidato mais reformista com chances de vencer seria o Alckmin, e essa prisão vai respingar no PSDB", afirma Celson Plácido, estrategista-chefe da XP Investimentos.

Ronaldo Patah, do UBS, tem avaliação parecida. "Qualquer candidato colocado sub judice por um eventual envolvimento com corrupção não ganha eleição. Mas ainda existe hoje um consenso com relação a ele de que é um cara sem grandes questionamentos", afirma.

A Folha entrou em contato com a Fiesp (Federação das indústrias de SP), a FecomércioSP (federação do comércio de SP), o Sinduscon-SP (sindicato da indústria da construção de SP) e a CNI (Confederação Nacional da Indústria), que afirmaram que não irão se manifestar sobre a prisão de Lula.

Para Nelson Mussolini, presidente do Sindusfarma (sindicato que reúne indústrias farmacêuticas), a prisão em si de Lula não deve refletir na economia no curto prazo, mas pode incidir na eleição presidencial, que, diz, já estava indefinida e agora ganha um componente adicional de incerteza.

"As dúvidas se projetam para o médio e longo prazo, em relação à maior ou menor disposição das empresas de realizar investimentos num ambiente de profunda indefinição política e incerteza sobre os rumos das reformas de que o país tanto necessita para crescer de forma consistente e duradoura, como a tributária, da Previdência", afirmou.

Sobre o impacto da Lava Jato, Mussolini disse que a operação está contribuindo para depurar o ambiente de negócios no Brasil, com reflexos positivos no clima concorrencial e na relação entre iniciativa privada e poder público.

"Mas o combate à corrupção em larga escala, a meta de reduzir o 'índice de corrupção' no Brasil é uma questão muito maior, que ultrapassa os limites e os efeitos positivos da Lava Jato. A corrupção sistêmica é um problema grave cujo enfrentamento vai depender de uma mobilização muito mais ampla, mais profunda e persistente da sociedade brasileira e de suas instituições ao longo do tempo."

Danielle Brant, Anaïs Fernandes e Filipe Oliveira

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