Fazenda vence disputa e restringe o Rota 2030

Prazo e número de tributos que podem ser abatidos serão inferiores aos defendidos pelo Mdic

Pátio da Volkswagen em São José dos Campos (SP) - Roosevelt Cassio-7.jan.2015 / Reuters
Raquel Landim Mariana Carneiro Julio Wiziack Daniel Camargos
Brasília e São Paulo

O Ministério da Fazenda venceu a queda de braço com o Mdic (Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços) e conseguiu limitar os benefícios tributários previstos no Rota 2030, o novo programa de incentivos ao setor automotivo.

Empresas que investirem em pesquisa e desenvolvimento terão direto a créditos tributários, mas poderão utilizá-los só no pagamento de IRPJ (Imposto de Renda da Pessoa Jurídica) e CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido).

O incentivo está sendo classificado como uma “Lei do Bem turbinada”, porque as empresas terão 15 anos para utilizar o crédito, que é a duração total do Rota 2030, no qual estão previstos três ciclos de incentivos de cinco anos cada um. Hoje, as companhias contempladas pela “Lei do Bem”, que inclui outros setores como bens de informática, dispõem de apenas um ano para abater os créditos.

O Mdic defendia que o uso desses créditos fosse mais amplo, permitindo o abatimento em outros tipos de imposto até o valor total de R$ 1,5 bilhão, mas não conseguiu vencer a resistência da Fazenda.

Os técnicos da Fazenda ponderaram que essa parte do programa era similar à do Inovar-Auto, concebido no governo Dilma Rousseff e que já havia sido condenado pela OMC (Organização Mundial do Comércio).

A decisão de equiparar os benefícios das montadoras àqueles já oferecidos a outros setores pela “Lei do Bem” foi comunicada aos representantes da indústria automotiva nesta terça-feira (24), no Palácio do Planalto, em reunião que contou com a presença do presidente Michel Temer, do ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, e do chefe da Receita Federal, Jorge Rachid. 

Inicialmente estava prevista a presença de todos os presidentes das montadoras na reunião, que serviria para anunciar o Rota 2030, mas, como persistiam divergências, o cerimonial do Planalto cancelou o evento na segunda (23) à noite. Convidou só os presidentes das entidades de classe: Anfavea (que reúne as montadoras), Sindipeças (fabricantes de autopeças), Abeiva (importadores de veículos) e Fenabrave (distribuidores de veículos).

Segundo fontes ligadas às associações presentes na reunião, o ministro da Fazenda estava irredutível e fez uma defesa enérgica sobre a necessidade de o governo limitar os benefícios fiscais. Os gastos da União com subsídios atualmente somam quase R$ 400 bilhões. 

O encontro durou uma hora e terminou com Temer dizendo que, caso os ministérios aparem todas as arestas com o setor, poderá assinar o Rota 2030 entre esta e a próxima semana. Os representantes das montadoras não estão satisfeitos com a decisão do Planalto de apoiar a Fazenda e preferiam a proposta apresentada pelo Mdic.

Para o presidente da Anfavea, Antonio Megale, o nó do acordo está na forma como o benefício será concedido. “O mecanismo da Lei do Bem presume que as empresas estejam lucrando e pagando IR, mas, como boa parte das montadoras está com prejuízos acumulados nos últimos anos, a aplicação do mecanismo fica prejudicada”, disse aos jornalistas após a reunião.

Sob o compromisso de se manter no anonimato para não se indispor com o governo, outros executivos do setor foram mais duros nas críticas ao Planalto. Para essas fontes, as empresas já se comprometem com o investimento em pesquisa e tecnologia assim que ingressam no Rota 2030, o que reduz o caixa num momento de crise, mas só poderão ter os créditos ao longo do tempo e se tiverem lucro.

Para tentar resolver essa reclamação do setor, Fazenda e Indústria ainda estão definindo um último ponto, o que deve ocorrer até sexta-feira (27): baixar o nível de investimento inicial em pesquisa e tecnologia exigido pelo Rota 2030. Pelo projeto original, as montadoras teriam de investir 1,2% de seu faturamento por ano para aderir ao programa. 

A ideia agora é baixar esse índice por um prazo de três anos, que é o período em que as empresas ainda esperam ter prejuízos e que, portanto, não conseguiriam abater os créditos tributários. Ainda não está definido qual seria o novo percentual. De acordo com técnicos envolvidos nas negociações, outras exigências, como metas de eficiência energética e segurança veicular, serão mantidas.

O Rota 2030 vem sendo motivo de divergência entre Fazenda e Mdic desde o ano passado. O programa deveria ter entrado em vigor no fim de 2017, para substituir o Inovar-Auto, que expirou em dezembro e foi condenado pela OMC por ser considerado protecionista. Nos cinco anos de vigência do Inovar-Auto, o governo deixou de arrecadar R$ 7,5 bilhões.

Desde que o programa terminou, as montadoras vêm reclamando que a falta de incentivos pode comprometer seus investimentos no Brasil. 


Incentivo às montadoras

Ministério da Fazenda ganha queda de braço com Mdic (Ministério da Indústria) sobre Rota 2030

CRÉDITO

Proposta da Fazenda

Investimento em inovação gera créditos tributários, mas eles só podem ser utilizados para abater o pagamento do IRPJ e da CSLL

Proposta do Mdic

Investimento em inovação gera créditos tributários, que podem ser utilizados no pagamento de qualquer imposto

UTILIZAÇÃO

Proposta da Fazenda

Não há prazo para utilização desses créditos

Proposta do Mdic

Desoneração poderia chegar até o limite de R$ 1,5 bilhão

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