Juíza usa tese do STF sobre prisão em 2ª instância em ação trabalhista

Magistrada determinou penhora definitiva em processo sobre adicional por insalubridade

Carteira de trabalho e previdência social
Carteira de trabalho e previdência social - Gabriel Cabral/Folhapress
Anaïs Fernandes
São Paulo

Uma juíza do TRT (Tribunal Regional do Trabalho) da 17ª Região usou a jurisprudência do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre prisão em 2ª instância para justificar uma execução trabalhista.

Na ação, um engenheiro de uma empresa do ramo de projetos industriais reclamava horas extras e adicional de periculosidade por exercer atividade de manutenção em gasômetro de armazenamento de monóxido de carbono. A ação foi julgada parcialmente procedente na primeira instância, e a 2ª turma do TRT da região concluiu "inafastável" o direito ao recebimento do adicional.

Germana de Morelo, juíza substituta da 9ª Vara do Trabalho de Vitória (ES), determinou, então, a execução em caráter definitivo da penhora eletrônica de ativos da empresa até o limite da dívida estabelecida,  "por analogia à decisão do STF que firmou o entendimento, em Habeas Corpus 126.292, da possibilidade de execução de sentença penal condenatória por Tribunal de Segundo Grau", escreveu Morelo.

Segundo a juíza, o entendimento do STF deve ser estendido à execução trabalhista com a alienação de bens e pagamento dos valores devidos ao credor "quando superadas as instâncias primárias, ante a ausência de efeito suspensivo dos recursos aos Tribunais Superiores." Morelo diz ainda ser "evidente que direito à propriedade não se sobrepõe ao da liberdade."

Em 2016, o STF alterou a jurisprudência, com o julgamento do habeas corpus citado por Morelo, e passou a permitir a execução de sentença penal condenatória confirmada em 2º instância. Desde 2009, o tribunal entendia que a pena só poderia começar a ser cumprida após o trânsito em julgado, ou seja, quando esgotados todos os recursos.

O tema voltou ao debate neste ano, com o julgamento do Supremo que negou, em 4 de abril, habeas corpus preventivo ao ex-presidente Lula. O petista acabou preso no dia 7, após ser condenado a 12 anos e um mês de detenção pelo TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex de Guarujá (SP).

"A tese não é absurda. Se o bem maior, que é a liberdade do indivíduo, pode ser desde logo comprometido com duas decisões, mesmo com a possibilidade de reforma de decisão nas instâncias posteriores, por que isso não valeria para bens hierarquicamente menos relevantes do ponto de vista constitucional, como o patrimônio?", avalia o juiz Guilherme Guimarães Feliciano, presidente de Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho).

Para Otavio Pinto e Silva, professor da USP e sócio do escritório Siqueira Castro, no entanto, a comparação não é válida, porque o rito do processo penal é diferente do trabalhista, e tal interpretação iria contra a CLT. Além disso, diz, a legislação do trabalho já prevê a possibilidade de execução da sentença até a penhora. 

"Pela CLT, o juiz já está autorizado, e nem precisa esperar chegar à segunda instância, a praticar os atos necessários para garantir o pagamento, inclusive pela penhora de bens. A penhora é uma garantia futura, não a efetivação do pagamento. A decisão citada parece sustentar que poderia ser liberado para pagamento o valor penhorado, enquanto é aguardado recurso, dando uma interpretação do Supremo para atribuir um fim que não está previsto na lei trabalhista", diz Silva.

O pagamento de adicional de periculosidade ao engenheiro deve ser feito sobre aviso prévio, férias mais 1/3, 13º salário, horas extras e FGTS mais 40% da multa, determinou o colegiado.

Morelo afirmou que a execução da penhora não prejudica a audiência de conciliação entre as partes, marcada para quinta-feira (19).

"A empresa está analisando quais serão as medidas adotadas, uma vez que o despacho da forma como apresentado carece de uma análise mais profunda", afirmou Leonardo Lage da Motta, advogado da empresa.

Feliciano diz não crer que esse tipo de analogia se tornará a tese majoritária, mas que poderão eventualmente ser identificadas hipóteses em que a jurisprudência do STF valeria para a Justiça do trabalho, como em ações de natureza alimentícia, por exemplo, envolvendo salários. 

A assessoria de comunicação do TRT da 17ª Região informou que Morelo não pode se pronunciar porque artigo da Loman (Lei da Magistratura Nacional) impede o magistrado de se manifestar sobre causas em andamento.

A reportagem não conseguiu contato com o advogado do funcionário.

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