Descrição de chapéu ministério da fazenda

'Não adianta inflação baixa se não tem emprego', diz novo titular da Fazenda

Eduardo Guardia, 52, assume ministério dizendo que saída da crise não será do dia para a noite

Julio Wiziack Mariana Carneiro
Brasília

“Não adianta ter inflação baixa se não tem emprego”. A afirmação é do novo ministro da Fazenda,  Eduardo Guardia, ao resumir a sensação ainda negativa sobre a economia, um ano após a saída da recessão.

Aos 52 anos, o economista assume o ministério após a saída de Henrique Meirelles, que tenta viabilizar sua candidatura ao Planalto.

"Eu estou bem, você está bem. Estamos empregados e, com a inflação baixa, nosso poder de compra aumentou. Agora, e os outros 12 milhões de pessoas que estão sem emprego? Esse é o lado triste do que foi feito, porque quase 13 milhões de pessoas foram jogadas no desemprego no pico da crise. Como é que se tem sensação de bem-estar?"

"O que levou a isso não é essa política que estamos fazendo. Ela está levando o país ao crescimento", defendeu.

 

Folha - Muitos dos projetos da equipe econômica ficaram pelo caminho, inclusive a reforma da Previdência. O sr. assume a Fazenda para tocar um plano B?

Eduardo Guardia - Deixa eu discordar. Falar que ficou pelo caminho é um exagero enorme. Um monte de coisa foi feita. Ninguém briga com os fatos. A gente não conseguiu aprovar a Previdência, mas, mesmo assim, a compreensão hoje do problema [rombo da Previdência] é muito mais clara do que era lá atrás. Até o Congresso tem clareza de que precisa aprovar [a reforma]. Aqui não tem um plano B, é uma continuidade das coisas em que eu já estava trabalhando.

Investi na parceria com o Ministério de Minas e Energia no desenho da capitalização da Eletrobras; coordenava o grupo da cessão onerosa [pendenga judicial com a Petrobras em área de exploração de petróleo]; há um ano discuto com Jorge Rachid [da Receita] a questão tributária.

Isso melhora a herança que para o próximo presidente?

O sucesso na discussão na cessão onerosa traz um volume enorme de recursos que não vamos gastar. Se entrarem R$ 100 bilhões ou outro número, serão usados pelo próximo governo para reduzir o desequilíbrio da regra de ouro.

O que vai fazer de novo?

Eletrobras é nossa prioridade. Mandar o projeto [de simplificação] do PIS e Cofins avançando em paralelo com o ICMS. Vai aprovar? Não sei. Vou apresentar, debater e tentar aprovar. São medidas positivas para economia.

Caminhamos para a campanha eleitoral, e o segundo semestre deverá ser de instabilidade. Acredita que o Congresso trabalhará a seu favor?

O período eleitoral compromete a capacidade de resposta do Congresso. O período crítico são os próximos três meses porque o "timing" dessas coisas, Eletrobras e cessão onerosa, exige avançar antes para ter tempo de realizar as operações subsequentes. Não adianta esperar até outubro, senão fica para o ano que vem.

Qual a maior barreira na capitalização da Eletrobras?

Tive uma boa discussão ontem com o [deputado José Carlos] Aleluia [DEM-BA], que é o relator do processo [no Congresso] e conhece o setor como ninguém. Fiquei feliz porque ele disse que o modelo [de capitalização] foi bem-feito. Ele quer somente mais dinheiro para o rio São Francisco [em obras de revitalização] e quer garantir que os recursos chegarão lá.

Não estou dizendo que a compreensão dele reflete a opinião média da Casa. O ambiente lá é político. A liderança está de acordo, mas [o texto] precisa estar arredondado. Vamos primeiro ter entendimento sobre o texto. Em paralelo o governo começa a mobilizar a base.

A conversa nem bem começou e o governo retirou o decreto que incluiria a Eletrobras no Programa Nacional de Desestatização. Não atrasa?

O decreto não é algo crítico para a capitalização [da Eletrobras], pode sair a qualquer hora. O ponto era não colocar o decreto enquanto não se resolvem os outros temas [o próprio texto]. Não é o procedimento mais adequado para quem quer fazer o negócio andar. Num negócio dessa complexidade, você não vai conseguir fazer as coisas do jeito que quer.

A equipe econômica teve de engolir concessões negociadas pelo time político mesmo em projetos que foram aprovados. O sr. se sentiu traído?

Não dependo de nenhuma medida externa [do Congresso] porque está tudo ajustado. Vamos cumprir a meta [de déficit primário], de teto [de gastos] e a regra de ouro. O que estamos discutindo, como a reoneração da folha de pagamentos, terá impacto no ano que vem. São R$ 16 bilhões [a mais para o caixa do governo]. Vai afetar minha vida neste ano? Nada!

Muitas das coisas que tentamos fazer terá impacto no ano que vem e é nossa responsabilidade fazer isso. Até porque, se você faz, traz o benefício a valor presente. Se [o mercado] vê que melhora a situação fiscal, a economia reage mais rapidamente.

A Fazenda previu que, sem a reforma da Previdência, a economia pioraria e, em 2019, o país mergulharia de novo em recessão. Isso mudou?

Isso se mantém. O cenário de dificuldade existe. Mas, neste ano, discutimos se o país vai crescer 2,8% ou 3%. Saímos da recessão. Os analistas estão revendo a projeção de crescimento de 2,84% para 2,80%. Estamos discutindo a segunda casa decimal. É essa a deterioração prevista. Vamos com calma.

Mas e a recessão prevista para 2019? Por que o mercado não reagiu negativamente ainda?

Porque há a percepção de que a Previdência entrará na agenda do próximo presidente. Pode ter volatilidade [reação negativa do mercado] pelo compromisso que os candidatos vão assumir e a relevância desses candidatos. Sendo aprovada [a reforma], o cenário é de retomada integral da trajetória. É isso o que está no preço hoje.

Se passar a percepção de que esse processo desviou, o cenário muda. Agora não dá pra perder muito tempo. Se não enfrentar desequilíbrio fiscal, e o cerne é Previdência, não haverá crescimento sustentável. Não tem saída.

Não é frustrante uma taxa de desemprego tão elevada?

A questão social [da crise] é grave. Mas ela seria muito pior se a inflação não fosse baixa. O ponto central é: como se sai disso? Eu sei como não se sai. Mas não será com mais gasto público e desequilíbrio fiscal. Essa é a receita certa do fracasso. A nova matriz econômica, de aumento de gasto e redução de imposto, nos trouxe a esse problema social grave. Foram erros atrás de erros que nos levaram a essa situação.

Sob o PT, a inflação era alta, mas a sensação de bem-estar era maior. Temos uma das menores taxas de inflação da história, e a percepção social é contrária. Como explica isso?

Não adianta ter inflação baixa se não tem emprego. Eu estou bem, você está bem. Estamos empregados e, com a inflação baixa, nosso poder de compra aumentou. Agora, e os outros 12 milhões de pessoas que estão sem emprego? Esse é o lado triste do que foi feito, pois quase 13 milhões de pessoas foram jogadas no desemprego no pico da crise. Como é que se tem sensação de bem-estar? Na minha família teve um momento em que todos os meus cunhados e irmãs estavam desempregados.

O que levou a isso não é essa política que estamos fazendo. Ela está levando o país ao crescimento. Se não continuar a crescer, não vai tirar essas pessoas do desemprego.

A ambição política de Meirelles afetou as reformas?

Não, o ministro foi absolutamente correto, defendeu as bandeiras e levou os temas politicamente difíceis de encaminhar. Os temas são complexos. Eu não tenho ambição política e também vou encontrar dificuldades.


RAIO-X

Formação economista, doutor em economia pela Faculdade de Economia e Administração da USP

Atuação antes de chegar ao governo, foi diretor de produtos e financeiro da BM&FBovespa (atual B3), onde trabalhou de 2010 a 2013; foi secretário de Fazenda do Estado de São Paulo (2003-06), no primeiro mandato de Geraldo Alckmin (PSDB); em 2002, foi secretário do Tesouro do Ministério da Fazenda, nos últimos meses da gestão FHC 

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