Descrição de chapéu The New York Times

O Facebook é asqueroso, e valioso

Não sabemos de fato qual o problema do Facebook e o que ele faz

Eduardo Porter
The New York Times

Um dos momentos mais reveladores no espetáculo do depoimento de Mark Zuckerberg ao Congresso americano na semana passada foi quando o deputado Billy Long, republicano do Missouri, advertiu o fundador do Facebook sobre o que o Congresso provavelmente faria sobre as preocupações múltiplas quanto à rede social. "O Congresso é bom em duas coisas: agir de menos ou agir demais", ele disse. E depois de anos de inação, afirmou, "estamos nos preparando para agir demais".

Isso soa preocupante. Mas consigo entender. Fazer nada e fazer demais são reações compreensíveis quando você não tem ideia sobre o que está acontecendo. E nós não temos. A nuvem de questões endereçadas a Zuckerberg —o Facebook tem domínio exagerado sobre o mercado? O Facebook censura informações? A quem ele fornece dados sobre nós? A rede social ajuda na venda de opiáceos?— sugere que não sabemos de fato qual é o problema do Facebook. E também sugere que não compreendemos o que o Facebook faz.

Isso vale para todo o ecossistema cuja base é a coleta de dados, do Google às montadoras de automóveis que enchem nossos carros de sensores capazes de dizer onde estivemos e a que velocidade chegamos lá. E isso coloca as autoridades em posição desconfortável.

A questão crucial para o Congresso, para as autoridades regulatórias, para o público e até mesmo para Zuckerberg, é que valor têm todas essas coisas que tomam por base os nossos dados. O que temos a perder se, por exemplo, limitarmos severamente os dados que essas empresas estão autorizadas a recolher? O que temos a ganhar?

Como apontaram Alessando Acquisti, da Universidade Carnegie Mellon, e colegas, em um estudo recente, a questão é "em que medida a combinação entre recursos analíticos sofisticados e quantidades imensas de dados sobre os consumidores produzirá uma melhora do bem-estar geral, e em que medida ela conduzirá apenas a mudanças na alocação da riqueza".

Não sabemos."Não compreendemos o valor para nós da nova economia dos dados, e tampouco os riscos que ela acarreta", disse Leonardo Nakamura, economista do Federal Reserve Bank de Filadélfia que estudou o impacto econômico dos dados. "Nós simplesmente deixamos que isso tudo acontecesse, e agora estamos tentando recuperar o atraso". Infelizmente, temos apenas ferramentas rudimentares para medir o que esse processo traz de ruim e de bom.

A economia dos dados continua a evoluir em velocidade alucinante, e recuperar o atraso pode se provar impossível. Construiremos as muralhas de proteção em base de tentativa e erro. O risco é que as políticas públicas venham a ser conduzidas principalmente pelo medo.

Qual é o problema do Facebook? Claramente, o uso da plataforma por Moscou para difundir notícias falsas e distorcer a eleição de 2016 é um problema. Permitir que dados de dezenas de milhões de usuários fluam, sem o conhecimento deles, para uma consultoria política que estava trabalhando para a campanha de Donald Trump é outro.

Mas os modelos de negócios dos colossos da economia dos dados têm algo de asqueroso em si e por si. Vamos começar pela escala imensa dos dados pessoais recolhidos pelo Facebook, muitas vezes sem que os usuários estivessem informados a respeito. A plataforma não recolhe apenas os dados que um usuário compartilha com ela, mas também informações sobre o usuário nos arquivos de outros usuários que ele conheça, dentro da rede social. E a empresa também compra de terceiros dados sobre a vida offline de seus usuários  —entre os quais informações delicadas como a renda do usuário, e que cartões de crédito ele usa. E em seu depoimento na Câmara dos Deputados, Zuckerberg admitiu que o Facebook recolhe informações até mesmo sobre pessoas que não estão em sua rede, para poder direcionar publicidade a elas.

Zuckerberg afirmou que são esses dados que tornam a empresa valiosa para seus anunciantes e usuários, por permitirem que a companhia só lhes encaminhe publicidade relevante. Mas também lhe conferem poder desproporcional sobre a vida das pessoas. Não seria possível, por exemplo, usar os sofisticados modelos do Facebook para enviar um dilúvio de anúncios sobre pílulas de emagrecimento para adolescentes com autoimagem frágil? Sabemos que o Facebook é capaz de determinar, e manipular, o estado emocional de quem o usa.

Dados também podem ser empregados para direcionar a limitação da velocidade de acesso de determinados usuários à Internet. E quanto à discriminação nos preços?

A Amazon e outros já vêm realizando experiências de mineração de dados para cobrar preços "personalizados" por um determinado item —o preço máximo que uma pessoa se disporia a pagar, prática que pode causar prejuízo a muitos consumidores.

Mas as formas asquerosas de uso de nossos dados pelas grandes empresas americanas não podem ser o único determinante da política pública. Talvez a perfeita discriminação de preços nunca decole, porque os consumidores não a apreciam.

De fato, não está claro em que medida essas práticas incomodam os consumidores. Ainda que pesquisas afirmem repetidamente que os americanos estão preocupados com sua privacidade, eles raramente agem para impedir a operação de cookies e outras formas de coleta de dados importantes estudiosos definem essa tendência como "o paradoxo da privacidade". Como aponta Sunan Aral, da Escola Sloan de Administração de Empresas, no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), "muitas das coisas que dependem de anúncios nós desejamos como bens públicos".

Em termos mais amplos, Nakamura aponta que a economia online embasada na coleta de dados e publicidade está melhorando o bem-estar geral de uma maneira que os indicadores padrão de produção econômica não capturam. Isso inclui uma ampla disponibilidade de música "grátis" e os potenciais benefícios da inteligência artificial que será treinada com o uso de dados pessoais. O superávit para o consumidor - o benefício que obtemos de um bem ou serviço acima e além do preço pago por ele —é o maior já registrado. E continuará a crescer.

Mas se isso parece um argumento em favor de não regulamentar de forma alguma a economia digital baseada em dados, não é isso que estou propondo. A preocupação de que o Facebook e alguns de seus pares podem ter se tornado grandes a ponto de sufocar a inovação é legítima. E o mesmo se aplica às suspeitas de que essas empresas não protejam em nada os dados dos consumidores.

Faria sentido criar regulamentação para restringir o poder dos mastodontes digitais - por exemplo ao impedir que adquiram companhias ascendentes como o Instagram e o WhatsApp, que poderiam ameaçar seu domínio no futuro. O mesmo vale para políticas que garantam salvaguardas responsáveis para os dados que eles recolhem.

"Não creio que a postura política certa seja eliminar totalmente o modelo de negócios, mas sim introduzir alguma moderação", disse Terrell McSweeny, o único representante democrata na Comissão Federal do Comércio (FTC) americana. "A ideia é dar às pessoais mais controle sobre o uso de seus dados, e garantir que as empresas sejam responsáveis pelo que está acontecendo com eles".

Convocar Zuckerberg a depor indica que o Congresso já não está contente com a inação. Esperemos que o Legislativo faça melhor do que reagir de maneira desproporcional aos seus medos.

 Tradução de PAULO MIGLIACCI

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