Sem subsídio ou redução de imposto, não há indústria automotiva competitiva, diz presidente da VW

Pablo di Si afirma que sem programa de incentivo ao setor, novos investimentos no país terão de ser repensados

O presidente da Volkswagen no Brasil e na América Latina, Pablo Di Si - Adriano Vizoni-14.dez.2017 / Folhapress
Estelita Hass Carazzai
Washington

O presidente da Volkswagen no Brasil e na América Latina, Pablo Di Si, defende a edição de um novo programa de incentivos ao setor automotivo, como forma de melhorar a competitividade em relação a outros países.

A indústria deixou de ter benefícios fiscais em 2018, com o fim do Inovar-Auto, que vigorou por cinco anos e foi condenado pela OMC (Organização Mundial do Comércio) por violar acordos internacionais. Agora, o setor articula a criação de um novo programa, o Rota 2030, que enfrenta resistência do Ministério da Fazenda em meio ao aperto fiscal.

Para Di Si, a concessão de créditos tributários não é protecionista, mas ajuda a equalizar a competitividade e favorece a pesquisa e o desenvolvimento no Brasil.

Membro do B20, que congrega líderes empresariais das principais economias, ele afirmou ser otimista quanto à recuperação da economia brasileira e condenou a guerra comercial entre China e EUA em razão de seus efeitos no crescimento global

 

O sr. diz estar otimista com a economia brasileira. Mas alguns setores patinam: o país não gera emprego formal, o varejo dá sinais contraditórios e a indústria engasgou.

Pablo Di Si -"Sou muito otimista. O trabalho da Fazenda, com redução da inflação e dos juros, é fantástico. E o crédito já começou a retomada. Veja o setor automotivo: as vendas cresceram 9% em 2017. Neste ano, quase 20% [15,6%]. Na Volks, estamos crescendo 35%. Isso está atrelado à economia, aos juros, ao crédito. A roda começou a girar. Pelo que os banqueiros me falam, outras indústrias também começaram a se movimentar Então, sou positivo, se tivermos um ano político mais ou menos tranquilo.

O que precisa ser feito para acelerar a retomada?

A confiança do consumidor já está alta. Mas o que está acontecendo nas indústrias é que, no primeiro ano da retomada, não houve novos empregos: usamos a capacidade instalada. Na Volks, este foi o primeiro mês em que contratamos, depois de quatro, cinco anos. E a retomada começou no ano passado! Outras indústrias devem estar passando pelo mesmo processo. É uma questão de tempo.

O que está faltando para que o Rota 2030 saia?

É vontade política. Vou a Brasília nesta semana, pela quinta vez [para uma reunião com o presidente Michel Temer]. Espero que tenhamos boas notícias. O que falta é a assinatura do termo. Está entre idas e voltas.

O sr. acha que um programa como esse é de fato imprescindível, num país que perdeu tanto com a tentativa de criar campeões nacionais? Não há risco de favorecimento?

Países em todo o mundo determinam seus setores estratégicos. Veja o exemplo da China: 20 anos atrás, eles não tinham indústria automobilística. Coreia do Sul, zero. Foi com incentivos setoriais que eles criaram uma indústria automotiva.

No Brasil, é a mesma coisa. O Inovar-Auto foi muito bom para o setor e para o país. Os carros brasileiros eram atrasados tecnologicamente. Esse programa trouxe pesquisadores ao Brasil e melhorou a eficiência energética.

O governo deixou de arrecadar R$ 7,5 bilhões, ao longo de cinco anos. Nesse mesmo período, as empresas beneficiadas investiram R$ 25 bilhões em pesquisa e desenvolvimento. Fora os tributos que a indústria gerou. Mas vai muito além dos números. Se isso não continuar, eu não tenho dúvida de que essa inteligência sai do Brasil e vai para outros lugares.

Mas por que as indústrias tirariam mão de obra de um mercado que está crescendo quase 20% ao ano?

O custo trabalhista é muito maior aqui.Não seria o caso de resolver com reforma tributária, em vez de benefícios fiscais?"Sim, mas você tem de equiparar o custo, com subsídios ou reforma tributária. O futuro será de quem tiver o conhecimento. Senão, você fica com commodity. Se ficarmos no negócio de fazer chapa dobrada, será commodity. Os investimentos da Volks foram feitos considerando que o Inovar-Auto iria continuar. A Volks não vai retirar esses R$ 7 bilhões. Mas, na próxima onda de investimentos, vamos repensar.

Isso não pode ser visto como chantagem?

Não. O governo diz quais são as regras do jogo, e depois cada um joga como quer. Nós vamos avaliar onde somos mais competitivos. Qualquer empresa faz isso. E, sendo honesto, não estou chantageando ninguém. Estou sendo claro.

Em meio a um crescente protecionismo no mundo, é o momento de proteger a indústria automotiva?

De forma nenhuma. O caminho é o livre-comércio. O mundo evoluiu nas últimas décadas graças a isso. Uma guerra comercial, para o americano, aumenta o custo em 20%, 30%. E quem vai pagar? O consumidor. Sou totalmente contra o protecionismo.

Mas o Inovar-Auto foi condenado por isso [na Organização Mundial do Comércio].

Um dos erros do Inovar-Auto foi esse. O objetivo inicial do programa era incentivar a pesquisa e desenvolvimento. Acabou virando um monstro de 50 cabeças e diferenciou o carro importado do nacional, com a criação de diferentes IPIs. Isso que foi condenado pela OMC. O Rota 2030 tem que excluir absolutamente isso. Tem que ser pesquisa e desenvolvimento.

A forma como estamos colocando é: dar créditos tributários de acordo com a eficiência energética do veículo. Se você atinge xis por cento de eficiência energética, tem desconto de IPI --desde que a pesquisa seja feita no Brasil.

E isso não é protecionismo?

A carga tributária de um carro no Brasil é de 55%. É preciso equalizar o tributo com Estados Unidos ou China. Ou reduz o tributo ou dá subsídio, por questão de competitividade.

O governo do Brasil lançou recentemente um plano de incentivo à indústria 4.0. Como o sr. avalia a iniciativa?

É um tema apaixonante; eu adoro. E eu sempre bato na mesma tecla: conhecimento. Senão, vamos ficar na commodity. No Brasil, o Senai é uma vantagem competitiva enorme; é uma instituição muito forte de aprendizado dentro do sistema. O programa lançado pelo governo é um primeiro passo muito bom. Porque não é só financiamento. Dinheiro você consegue em vários lugares, vai e vem. Mas a educação é central.


PABLO DI SI

Idade 48 anos

Nacionalidade Argentina

Cargo Presidente da Volkswagen Brasil e América Latina desde outubro de 2017

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