O presidente da Volkswagen no Brasil e na América Latina, Pablo Di Si, defende a edição de um novo programa de incentivos ao setor automotivo, como forma de melhorar a competitividade em relação a outros países.
A indústria deixou de ter benefícios fiscais em 2018, com o fim do Inovar-Auto, que vigorou por cinco anos e foi condenado pela OMC (Organização Mundial do Comércio) por violar acordos internacionais. Agora, o setor articula a criação de um novo programa, o Rota 2030, que enfrenta resistência do Ministério da Fazenda em meio ao aperto fiscal.
Para Di Si, a concessão de créditos tributários não é protecionista, mas ajuda a equalizar a competitividade e favorece a pesquisa e o desenvolvimento no Brasil.
Membro do B20, que congrega líderes empresariais das principais economias, ele afirmou ser otimista quanto à recuperação da economia brasileira e condenou a guerra comercial entre China e EUA em razão de seus efeitos no crescimento global
O sr. diz estar otimista com a economia brasileira. Mas alguns setores patinam: o país não gera emprego formal, o varejo dá sinais contraditórios e a indústria engasgou.
Pablo Di Si -"Sou muito otimista. O trabalho da Fazenda, com redução da inflação e dos juros, é fantástico. E o crédito já começou a retomada. Veja o setor automotivo: as vendas cresceram 9% em 2017. Neste ano, quase 20% [15,6%]. Na Volks, estamos crescendo 35%. Isso está atrelado à economia, aos juros, ao crédito. A roda começou a girar. Pelo que os banqueiros me falam, outras indústrias também começaram a se movimentar Então, sou positivo, se tivermos um ano político mais ou menos tranquilo.
O que precisa ser feito para acelerar a retomada?
A confiança do consumidor já está alta. Mas o que está acontecendo nas indústrias é que, no primeiro ano da retomada, não houve novos empregos: usamos a capacidade instalada. Na Volks, este foi o primeiro mês em que contratamos, depois de quatro, cinco anos. E a retomada começou no ano passado! Outras indústrias devem estar passando pelo mesmo processo. É uma questão de tempo.
O que está faltando para que o Rota 2030 saia?
É vontade política. Vou a Brasília nesta semana, pela quinta vez [para uma reunião com o presidente Michel Temer]. Espero que tenhamos boas notícias. O que falta é a assinatura do termo. Está entre idas e voltas.
O sr. acha que um programa como esse é de fato imprescindível, num país que perdeu tanto com a tentativa de criar campeões nacionais? Não há risco de favorecimento?
Países em todo o mundo determinam seus setores estratégicos. Veja o exemplo da China: 20 anos atrás, eles não tinham indústria automobilística. Coreia do Sul, zero. Foi com incentivos setoriais que eles criaram uma indústria automotiva.
No Brasil, é a mesma coisa. O Inovar-Auto foi muito bom para o setor e para o país. Os carros brasileiros eram atrasados tecnologicamente. Esse programa trouxe pesquisadores ao Brasil e melhorou a eficiência energética.
O governo deixou de arrecadar R$ 7,5 bilhões, ao longo de cinco anos. Nesse mesmo período, as empresas beneficiadas investiram R$ 25 bilhões em pesquisa e desenvolvimento. Fora os tributos que a indústria gerou. Mas vai muito além dos números. Se isso não continuar, eu não tenho dúvida de que essa inteligência sai do Brasil e vai para outros lugares.
Mas por que as indústrias tirariam mão de obra de um mercado que está crescendo quase 20% ao ano?
O custo trabalhista é muito maior aqui.Não seria o caso de resolver com reforma tributária, em vez de benefícios fiscais?"Sim, mas você tem de equiparar o custo, com subsídios ou reforma tributária. O futuro será de quem tiver o conhecimento. Senão, você fica com commodity. Se ficarmos no negócio de fazer chapa dobrada, será commodity. Os investimentos da Volks foram feitos considerando que o Inovar-Auto iria continuar. A Volks não vai retirar esses R$ 7 bilhões. Mas, na próxima onda de investimentos, vamos repensar.
Isso não pode ser visto como chantagem?
Não. O governo diz quais são as regras do jogo, e depois cada um joga como quer. Nós vamos avaliar onde somos mais competitivos. Qualquer empresa faz isso. E, sendo honesto, não estou chantageando ninguém. Estou sendo claro.
Em meio a um crescente protecionismo no mundo, é o momento de proteger a indústria automotiva?
De forma nenhuma. O caminho é o livre-comércio. O mundo evoluiu nas últimas décadas graças a isso. Uma guerra comercial, para o americano, aumenta o custo em 20%, 30%. E quem vai pagar? O consumidor. Sou totalmente contra o protecionismo.
Mas o Inovar-Auto foi condenado por isso [na Organização Mundial do Comércio].
Um dos erros do Inovar-Auto foi esse. O objetivo inicial do programa era incentivar a pesquisa e desenvolvimento. Acabou virando um monstro de 50 cabeças e diferenciou o carro importado do nacional, com a criação de diferentes IPIs. Isso que foi condenado pela OMC. O Rota 2030 tem que excluir absolutamente isso. Tem que ser pesquisa e desenvolvimento.
A forma como estamos colocando é: dar créditos tributários de acordo com a eficiência energética do veículo. Se você atinge xis por cento de eficiência energética, tem desconto de IPI --desde que a pesquisa seja feita no Brasil.
E isso não é protecionismo?
A carga tributária de um carro no Brasil é de 55%. É preciso equalizar o tributo com Estados Unidos ou China. Ou reduz o tributo ou dá subsídio, por questão de competitividade.
O governo do Brasil lançou recentemente um plano de incentivo à indústria 4.0. Como o sr. avalia a iniciativa?
É um tema apaixonante; eu adoro. E eu sempre bato na mesma tecla: conhecimento. Senão, vamos ficar na commodity. No Brasil, o Senai é uma vantagem competitiva enorme; é uma instituição muito forte de aprendizado dentro do sistema. O programa lançado pelo governo é um primeiro passo muito bom. Porque não é só financiamento. Dinheiro você consegue em vários lugares, vai e vem. Mas a educação é central.
PABLO DI SI
Idade 48 anos
Nacionalidade Argentina
Cargo Presidente da Volkswagen Brasil e América Latina desde outubro de 2017
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