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A nova missão de Ev Williams: consertar a internet

Cofundador do Blogger e do Twitter diz que foi excessivamente otimista nos dias iniciais da mídia social

Kevin Roose
The New York Times

Ev Williams viveu por muitos anos repleto de dúvidas.

Como cofundador do Blogger e do Twitter, e mais recentemente como presidente-executivo da plataforma de conteúdo digital Medium, Williams transformou as maneiras pelas quais milhões de pessoas publicam e consomem informações online.

Mas à medida que seu império se estendia, ele começou a sofrer uma sensação corrosiva de que nem tudo estava bem. Provedores de conteúdo de alta qualidade estavam perdendo em audiência para serviços que postam conteúdo sensacionalista, com o objetivo único de gerar visitas aos anúncios de patrocinadores. Os usuários estavam dedicando muito tempo à mídia social, mas isso não significava necessariamente que estivessem mais felizes ou mais bem informados. Plataformas criadas para conferir poder às massas estavam recompensando extremistas e pessoas desesperadas por atenção, em lugar disso.

Williams não desistiu do Twitter, seu maior e mais influente projeto até agora. (Ele deixou a empresa em 2011 mas continuou a ser parte de seu conselho, e ainda é um de seus maiores acionistas.) Ele continua a acreditar que, tudo bem calculado, o mundo vive melhor com mídia social do que viveria sem. Mas um ano atrás, começou a lamentar que a internet estivesse "quebrada" - observação que foi confirmada por praticamente tudo que aconteceu de lá para cá.

"Acho que eu estava um pouco adiante das pessoas em termos de ver o lado sombrio", Williams me disse recentemente.

Boa parte do Vale do Silício agora começa a concordar com ele. Empregados pioneiros do Google, Facebook e outros gigantes da tecnologia expressaram seu remorso em público nos últimos meses, classificando os produtos que ajudaram a criar como excessivamente viciantes e destrutivos para a sociedade.

Líderes setoriais como Mark Zuckerberg, presidente-executivo do Facebook, e Jack Dorsey, o chefe do Twitter, passaram por momentos de introspecção. Esta semana, Sundar Pinchai, o presidente-executivo do Google, disse que a empresa estava "refletindo" sobre suas responsabilidades. E a revista New York recentemente publicou uma série de entrevistas com líderes do setor de tecnologia que estão sofrendo crises de consciência, intitulada "a internet se desculpa".

Mas enquanto outros líderes do setor de tecnologia parecem ter optado por entrar no confessionário, Williams, 46, aparenta estar emergindo com uma nova visão - mistura do tradicional otimismo do Vale do Silício e da cautela de um veterano da tecnologia que viu produtos muito bem intencionados capturados por pessoas horríveis.

Na semana passada, Williams me enviou uma espécie de minimanifesto - um documento de duas páginas contendo seus pensamentos sobre o potencial da tecnologia, os problemas das mídias bancadas por publicidade e a regulamentação das plataformas de mídia social. Depois de ler o documento, o entrevistei por telefone, e ele se estendeu sobre as ideias oferecidas no manifesto, algumas das quais ele vem desenvolvendo e refinando há anos mas ainda não havia divulgado.

Muitos dos pensamentos mais recentes de Williams têm a ver com a maneira pela qual o negócio da publicidade digital, acoplado à ascensão da mídia social, aprisionou os provedores de conteúdo em um círculo vicioso de disputa pela atenção das pessoas. Essa busca, que favorece naturalmente as vozes mais ruidosas e extremas, por sua vez levou mais e mais organizações de mídia a publicar material sensacionalista e de baixa qualidade.

"Quando um provedor de conteúdo ganha seu dinheiro só com publicidade, seu incentivo é gastar o mínimo possível de dinheiro e ao mesmo tempo maximizar a atenção", ele escreveu.

Ecoando o depoimento de Zuckerberg ao Congresso americano, no mês passado, Williams disse que agora acredita que foi excessivamente otimista nos dias iniciais da mídia social, e que não apreciou devidamente os riscos de colocar ferramentas tão poderosas nas mãos dos usuários sem que existisse fiscalização efetiva.

"Uma das coisas que vimos nos últimos anos é que a tecnologia não só acelera e amplifica o comportamento humano", escreveu Williams, "mas também cria circuitos de retroalimentação que podem alterar fundamentalmente a maneira pela qual pessoas interagem e sociedades avançam (de maneiras que provavelmente nenhum de nós previu)".

No momento, seu foco é a plataforma Medium para conteúdo digital, que ele criou em 2012. Por anos, a estratégia da Medium foi desenvolver uma plataforma eficaz para blogs, atrair leitores ao convidar celebridades e escritores estabelecidos a usá-la, e esperar que a publicidade viesse a pagar as contas.
 

No ano passado, quando ficou claro que essa estratégia não funcionaria, a Medium demitiu parte de seu pessoal e passou a operar por assinatura. Os usuários agora pagam US$ 5 ao mês por acesso ao conteúdo premium, e os escritores podem ganhar  algum dinheiro se seus textos despertarem reação positiva ("claps" ou aplausos) de outros usuários. (A bem da transparência: alguns anos atrás, escrevi alguns textos como freelancer para a Medium, e por isso recebo alguns centavos em remuneração quando alguém "aplaude" um de meus velhos posts.) A empresa também contratou editores humanos, para privilegiar a substância de preferência a conteúdo fútil.

"Esse é um problema muito específico, causado pelo modelo econômico dos provedores de conteúdo na Internet", disse Williams. "É o problema que estou tentando resolver".

Não é difícil ver o projeto Medium de Williams como uma espécie de antídoto ao Twitter - uma tentativa de cultivar um ambiente para a divulgação de ideias bem desenvolvidas e bem expressadas, que privilegia a profundidade de preferência ao imediatismo. A Medium não gera lucros, e não revela seu número de assinantes, mas Williams escreveu em um post no mês passado que o site recebe cerca de 80 milhões de visitantes ao mês. Uma porta-voz da empresa disse que sua receita de assinaturas estava crescendo em 50% por trimestre.

E quanto ao Twitter, um app que continua muito viciante, com milhões de usuários compulsivos? Bem, Williams diz que a empresa está trabalhando para corrigir seus problemas, entre os quais como remover em definitivo alguns dos mais venenosos entre os violadores de regras do serviço. (A empresa recentemente solicitou propostas de ferramentas que a ajudem a medir sua "saúde conversacional".)

Mas ele não está convencido de que os problemas das plataformas sociais possam ser plenamente resolvidos, e tampouco acredita que a solução caiba inteiramente às empresas de tecnologia. Em última análise, disse Williams, cabe ao usuário escolher, e respeitar, sua dieta de informação.

"Há um imenso bufê", ele disse. Se você comer tudo que aparecer à sua frente, não estará necessariamente fazendo as melhores escolhas".
 
Tradução de PAULO MIGLIACCI

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