Caminhoneira coordena motoristas no WhatsApp e incentiva adesão a protesto

Selma Regina Santos trabalha há 25 anos na estrada

A caminhoneira Selma Regina Santos, 48, e o amigo caminhoneiro Diego
A caminhoneira Selma Regina Santos, 48, e o amigo caminhoneiro Diego - Arquivo pessoal
São Paulo

Caminhoneira há 25 anos numa profissão dominada por homens, Selma Regina Santos, 48, convoca apoiadores ao protesto contra o custo do diesel online. Ela é criadora de três grupos no aplicativo de mensagens WhatsApp: Para Frente Brasil, Siga Bem Caminhoneiro e Rainha dos Caminhoneiros —este último em sua homenagem.

Após o anúncio de um acordo entre o governo e alguns representantes da categoria, Selma passou a articular a continuação da greve.

Casada com o também caminhoneiro Ivo Evangelista, 69, eles contam gastar, numa viagem entre Curitiba, onde vivem, e o Rio Grande do Sul, cerca de R$ 1.100 em diesel. Sem contar outros custos do transporte —em geral de mudanças, peças de carro e tecidos.

 

“De Foz do Iguaçu a Curitiba são dez pedágios e a pista ainda é mal feita. Os valores também mudam. Você passa lá e 15 dias depois, quando volta, está outro preço”, diz Selma.

E a rotina nas estradas tem outras agruras, como dormir no chão do baú e na boléia do caminhão. “A gente lava a roupa no banheiro do posto [de gasolina], estende dentro do baú, faz comida no chão. E quando fica doente, muitas vezes não tem hospital ou farmácia por perto. Isso quando não dá defeito no caminhão...”

Se o motor quebrar, por exemplo, ela diz gastar em torno de R$ 5.000 pelo conserto. “As pessoas acham que caminhoneiro ganha dinheiro igual água, mas a realidade é outra. Eu nunca tive Natal, meu Natal é em posto.”

Por causa da profissão, Selma também não participou da criação dos três filhos. “Hoje recebo a cobrança por não ter visto eles crescerem. Eu pagava uma pensão para a avó, que cuidava. Precisava trabalhar”, conta ela. 

Não foram os filhos que a afastaram das longas viagens pelas rodovias —do Nordeste ao Sul do país. Selma descobriu há quatro anos uma trombose na perna e que tinha arritmia cardíaca.

Brigando contra as doenças, a caminhoneira seguiu na estrada, agora em itinerários mais curtos.

“Sigo lutando, guerreando, mas não consigo sair da estrada”, diz Selma. “Eu entrei em depressão, tive síndrome do pânico quando parei de ouvir o barulho do motor, de conhecer pessoas diferentes”, conta a caminhoneira. “Não consigo me ver com uma vassoura dentro de casa.”

A fragilidade da saúde foi também o motivo pelo qual decidiu não comprar a briga nas ruas. “Recebi um vídeo mostrando que tacaram uma pedra e mataram um motorista. Assim eu não quero. Sou caminhoneira, mas não podemos misturar greve com violência.”

Com o serviço parado durante os quatro dias em que rodovias federais de 25 estados e no Distrito Federal estão bloqueadas, Selma e Ivo calculam o prejuízo. “Para nós, que somos autônomos, o prejuízo é total. Mesmo assim apoio e incentivo a greve.”

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