Descrição de chapéu Consumo Consciente

Comunidades se associam na gestão de hortas orgânicas

Além dos preços baixos, o atrativo é fomentar a agroecologia para proteger o meio ambiente

MARA GAMA
São Paulo

Toda quinta-feira, a administradora Paula Andrade recebe a lista de frutas, verduras e legumes orgânicos que poderá pegar na terça seguinte, o dia da partilha na CSA Atibaia. Ela entrou no grupo há 1 ano e meio - tornou-se coagricultora - e também participa das atividades de administração e comunicação do grupo de forma voluntária. 

CSA é Comunidade que Sustenta a Agricultura, modelo em que os consumidores assumem os riscos da produção e dividem os resultados do plantio, em sistema de colaboração com os agricultores. 

O CSA Atibaia existe há dois anos e dois meses e é composto por 40 famílias. Lá como nos outros cerca de 100 CSAs pelo Brasil os participantes pagam mensalmente para ter uma cesta de produtos cultivada em horta próxima às suas casas.

Produtos cultivados na horta do CSA Demétria
Produtos cultivados na horta do CSA Demétria - CSA Demétria

Eles contratam um agricultor e assistentes com salário fixo e se comprometem a fazer pagamentos mensais por um ano o cobrir o orçamento da produção, com sementes, plantio, manutenção, colheita e distribuição dos alimentos. Semanalmente, fazem reuniões em local cedido por algum dos integrantes para receber seus suprimentos, compostos por sete itens, sem custos adicionais. 

Não há garantia de quais serão os produtos da cesta. São os da época, mas há o compromisso de que haja alguma variedade de cada grupo de alimentos: hortaliças, legumes, frutas, raízes e temperos. Quem não gostar de algum item que vier em determinada semana pode trocar ou deixar para doações para entidades, feitas a critério de cada grupo. 

Modelo de agrofloresta é usado no CSA Atibaia
Modelo de agrofloresta é usado no CSA Atibaia - Divulgação CSA Atibaia

O sistema de plantio da CSA Atibaia é o da agrofloresta, em que se manejam espécies de árvores, arbustos, folhagens e tubérculos diversos, sem agrotóxicos e sem adubos sintéticos, e que dão frutos em épocas diferentes. O processo facilita a recuperação permanente do solo, mimetizando a regeneração natural das florestas. São usados os princípios difundidos pelo pesquisador suíço Ernst Götsch, pioneiro do método no país. 

Desde que entrou para o CSA Atibaia, Paula conseguiu economizar bastante nas compras de orgânicos, diz. Ela paga mensalmente R$ 150, para as quatro ou cinco retiradas mensais. As compras não suprem todas as necessidades da família. "A horta tem apenas um ano e não produz tudo o que a gente precisa. Mas conseguimos fazer compras coletivas com o mesmo grupo e ter bons preços", conta.

O interesse de Paula não foi apenas financeiro ou de garantir a constância de alimentos com qualidade. "A ideia de economia colaborativa me interessou muito. Adotamos um sistema horizontal de gestão, sem líderes", conta.

Paula, o marido, Daniel, e os dois filhos do casal, de 11 e 7 anos, participam de várias atividades que orbitam a CSA. "A gente é mais que uma horta. É uma comunidade que se ajuda, faz festas, promove cursos. Somos um grupo de pessoas com a mesma vibe", diz. Nos dias de partilha, os integrantes também levam o que produzem em suas casas ou sítios, como queijos, pães e mel.

A CSA Atibaia promove cursos de temas ligados à agroecologia e dias de plantio especialmente para as crianças.

PIONEIRA

Descrição cesta CSA Demétria
Descrição da cesta da CSA Demétria - CSA Demétria

Em Botucatu, interior de São Paulo, está a Horta do Marcelo, que alimenta a primeira CSA do Brasil, a Demétria, nascida em 2011. Marcelo Veríssimo foi o primeiro agricultor a experimentar o sistema no Brasil. 

O artesão paraense Carlos Lira faz parte do grupo de fundadores. Hoje são cerca de 300 famílias, com 320 cotas semanais.

Lira aponta vantagens do sistema para produtores e as pessoas que se associam: "Numa feira, o produtor não sabe o que levar. Sempre sobra ou falta algo. E o custo dessa sobra recai primeiro sobre o agricultor e num segundo momento pode refletir nos preços para o consumidor", observa. "Nas CSAs, o que é produzido na área da horta é distribuído entre os membros, sem sobras importantes. Na nossa, as poucas sobras vão para um banco de alimentos de Botucatu", conta.

A divisão de tarefas dá uma dinâmica diferente ao trabalho. "Você mesmo pesa, separa e embala os produtos, com sacolas trazidas de casa. O tempo desse trabalho partilhado entre os consumidores economiza o tempo do agricultor, que pode se dedicar ao que ele faz de melhor, que é cuidar da terra", diz.

O ideal, segundo ele, não é que as CSAs cresçam indefinidamente, mas que cresça o número de CSAs. "O objetivo de cada CSA é manter o número de cotistas suficiente para a exploração sustentável daquele pedaço de terra". Existe um limite, não é agricultura intensiva. "Crescer por crescer é a lógica do mercado convencional que coloca em risco a qualidade", diz.

BRASIL

Administrador e engenheiro de sistemas, Wagner Ferreira dos Santos conheceu o sistema na escola de suas filhas, em Bauru, e quis participar. Hoje ele é um dos 120 integrantes da CSA da cidade. "É um jeito de fazer algo concreto, apoiando os agricultores em uma horta que protege o meio ambiente e participando nas atividades que vêm junto com ela, como organização das entregas, finanças, comunicação", diz.

Com a experiência adquirida, Santos passou a auxiliar informalmente outras CSAs que nasceram depois. Em 2014, começou a dar cursos e se tornou consultor, atuando na CSA Brasil, entidade criada para congregar todas elas e para fomentar o surgimento de novas, com cursos e troca de informações.

Segundo ele, o número de CSAs está crescendo. São 100 ao todo, contando algumas em processo de formação. A região Sudeste é a de maior concentração de grupos, mas hoje o maior crescimento é no Distrito Federal. Os valores de cotas mensais variam de R$ 100 a R$ 220. 

HISTÓRIA

Há algumas inspirações para as CSAs. Uma delas foi o sistema japonês teikei, que se desenvolveu nos anos 1960 e 1970, impulsionado pela preocupação ambiental dos consumidores e pela desconfiança em relação à qualidade dos alimentos à venda. O teikei é baseado na produção fora do mercado tradicional, em pequena escala e cadeia curta (com menos atravessadores entre a terra e o prato).

O nome CSA é atribuído ao agricultor Jan Vander Tuin, que, nos anos 1980, fez uma experiência em agricultura apoiada pela comunidade nas proximidades de Zurique, na Suíça. Ele seguia princípios da agricultura biodinâmica, que se apóia nas ideias da antroposofia de Rudolf Steiner. Isso explica porque muitas CSAs se originam em comunidades em que há escolas que adotam a pedagogia Waldorf, que também se baseia na antroposofia. 

Essa forma de organização das CSAs foi difundida pelos praticantes da agricultura biológica em expansão nos Estados Unidos nos anos 1990 e 2000.

Hoje há CSAs em vários países, entre eles Japão, Estados Unidos, França, China e Brasil, mantidos por famílias e também por restaurantes de grandes cidades. 

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