Gestão da economia não pode ser engessada pela Constituição, diz Persio Arida

Coordenador do programa de Alckmin diz que governo precisa de flexibilidade

O economista Persio Arida, coordenador econômico da campanha de Geraldo Alckmin (PSDB)
O economista Persio Arida, coordenador econômico da campanha de Geraldo Alckmin (PSDB) - Danilo Verpa/Folhapress
Ricardo Balthazar Alexa Salomão
São Paulo

Coordenador do programa econômico do presidenciável Geraldo Alckmin (PSDB), Persio Arida defende a retirada do texto da Constituição de artigos que tratam de impostos e obrigam o governo a destinar parte de suas receitas a educação e saúde. 

Sua proposta é que dispositivos como esses sejam transferidos do texto constitucional para leis complementares, que podem ser alteradas com menor esforço político. 

É necessário o apoio de 308 dos 513 integrantes da Câmara dos Deputados para mudar a Constituição. Para modificar uma lei complementar, bastam 257 votos na Câmara.

 

A mudança, diz Arida, daria ao próximo governo maior flexibilidade para administrar o Orçamento e abriria caminho para medidas de simplificação do sistema tributário.

Um dos formuladores do Plano Real, ele reconhece que as políticas do governo Michel Temer (MDB) contribuíram para recuperar a economia, mas afirma que a falta de legitimidade política do presidente impediu avanços maiores.

Segundo Arida, o programa de Alckmin deverá estabelecer metas para duplicar a renda nacional, tornar a economia mais aberta e melhorar o desempenho do país nos exames internacionais de avaliação do aprendizado nas escolas.

 


A lenta recuperação da economia enfraquecerá o discurso reformista na campanha presidencial?

Pelo contrário. A retomada é lenta, mas está ocorrendo, e em parte é resultado de reformas e boas políticas do atual governo. 

A economia é movida a expectativas, e é natural que a preocupação com a eleição diminua a confiança. O desafio é transformar a recuperação cíclica num movimento estrutural, que leve a uma trajetória de crescimento mais consistente. 

Como fazer isso? 

A economia brasileira tem enorme dinamismo. Para destravá-la, vamos precisar de um presidente com ideias corretas, capacidade de negociação e experiência.

Dada a pulverização do sistema partidário, qualquer presidente será eleito com minoria no Legislativo e terá que usar bem o capital político inicial para fazer uma coalizão. Não uma coalizão de interesses escusos, mas uma coalizão programática, para governar.

A primeira precondição para um presidente à altura do que o Brasil precisa é ter experiência e capacidade de negociação política. Um outsider, sem essa experiência, terá muito mais dificuldade. 

Precisamos criar condições para o investimento florescer. Não o investimento público, dada a nossa crise fiscal, mas o investimento privado, brasileiro e estrangeiro. Precisamos dar segurança jurídica aos contratos, ter regras adequadas e menos burocracia.

O presidente Michel Temer tinha as características que o sr. apontou e o mesmo discurso. Por que não conseguiu entregar o que prometeu?

Não estou aqui em defesa do governo Temer. Mas ele nunca foi um presidente eleito. Ou seja, não teve o capital político que um presidente eleito tem, e isso faz enorme diferença. 

O que o atual governo conseguiu não foi pouco. Num período curto, saímos da recessão para retomar o crescimento, ainda que modesto. Houve avanços importantes no Banco Central e na Fazenda. Mas em outras áreas nada aconteceu.

E algumas são críticas para a retomada do crescimento. Nossos portos, por exemplo, são geridos de forma antiquada e ineficiente. Para fazer uma abertura comercial de relevo, o que seria bom para o país, precisamos de um gerenciamento moderno das Companhias Docas, para reduzir custos, ampliar capacidade e simplificar procedimentos alfandegários.

Qual deveria ser a prioridade na largada do próximo governo? 

A reforma da Previdência é absolutamente necessária. A Previdência já absorve 64% das receitas do governo federal e o déficit continuará crescendo se nada for feito. Além disso, é uma questão de justiça social. A reforma necessária quebra privilégios dos mais ricos e preserva os mais pobres.

O que Alckmin vai propor? Embora o governo Temer tenha fracassado nessa área, as negociações no Congresso deixaram claro os limites existentes. 

Não temos um esboço. É cedo para te falar.

 

O que mais será proposto?

Um aspecto muito importante, que estamos discutindo no partido, é a desconstitucionalização de alguns assuntos. Seria uma proposta de emenda que tiraria da Constituição alguns itens para deixá-los em leis complementares, sem mudar o mérito de nada.

Não vamos mexer no equilíbrio federativo, na forma de governo, nos direitos sociais, nas cláusulas pétreas. Mas a gestão econômica não pode ficar engessada pela Constituição. O mundo é dinâmico, e não dá para administrar gastos e tributos se precisar mexer na Constituição para fazer isso. Tem que ter flexibilidade.

A ideia seria retirar da Constituição dispositivos sobre impostos e os que vinculam receitas com saúde e educação?

Não quero dar detalhes. O sistema tributário e a destinação obrigatória de receitas para gastos em algumas áreas são dois exemplos. Mas eliminar vinculações não é o mesmo que deixar de gastar. 
Prover educação básica e saúde gratuita são obrigações do Estado, mas é importante que os serviços sejam providos da forma mais eficiente possível.

Para o estudante, não importa quem construiu a escola. Para quem vai ao hospital, não importa se o médico é funcionário público ou trabalha para uma organização social contratada para gerir o hospital. O que as pessoas querem é ser bem atendidas.

O Brasil não gasta pouco em educação, mas os resultados em termos de aprendizado têm sido decepcionantes. Então, você precisa olhar para a qualidade do serviço e o resultado, submetendo os programas do governo a avaliações independentes e transparentes. 

Uma coisa que queremos fazer nos pontos críticos do programa, e educação é um deles, é definir metas para o governo. Precisamos de uma meta de melhoria do desempenho do país em exames internacionais como o Pisa, que avalia o aprendizado em leitura, matemática e ciências.

Que outras áreas terão metas?

Duplicar a renda nacional seria outra. Não é algo possível de alcançar em um ou dois mandatos, mas faria o governo pensar no que fazer em cada área para chegar aí.

Também podemos fixar como meta um aumento drástico do coeficiente de abertura comercial, ou seja, a soma de exportações e importações, calculada sobre o PIB. Sabemos que a abertura comercial contribui de forma decisiva para aumentar a produtividade. Como abrir? A que velocidade? Tem que ter uma meta para mostrar onde você quer estar daqui a quatro anos.

Ninguém vai anunciar aqui um grande programa de obras públicas. Não tem dinheiro. Mas precisamos aumentar o investimento privado em infraestrutura. Cabe ao Estado montar o marco regulatório, aumentar a segurança jurídica e definir as prioridades.

Por que temos investimentos estrangeiros tão expressivos na exploração de petróleo, mas não em saneamento básico? Não é por que o capital estrangeiro gosta mais do pré-sal. Você tem empresas interessadas em tudo. Quando o saneamento tiver um marco regulatório adequado, teremos investimentos nessa área. 

Como gerar crescimento num ambiente tão contaminado pela corrupção?

Sem combater a corrupção, você não consegue. A boa notícia é que tomamos maior consciência do problema com os escândalos dos últimos anos. E as coisas estão mudando, porque as pessoas passaram a ter medo da punição. Punir os intocáveis e incutir o medo de ser pego fazem muita diferença.

Como a situação financeira frágil do governo limitará a ação do próximo presidente? 

Infelizmente, não estamos em condições de baixar a carga tributária. Podemos tentar simplificá-la, eliminar distorções e torná-la socialmente mais justa. Suprimir tributos como IPI, PIS-Cofins, ICMS e ISS e substitui-los por um Imposto sobre Valor Agregado reduziria muito o impacto da carga tributária e promoveria eficiência na economia.

Rever isenções tributárias também é importante. Os benefícios concedidos nos últimos anos não foram distribuídos de forma linear, mas para setores específicos. Se quisermos estimular a economia com a política fiscal, é melhor diminuir todos os impostos por igual. É mais fácil reverter depois, e você não beneficiará apenas os amigos do rei. 

Aumentar impostos dos ricos é necessário para tornar o sistema tributário menos injusto?

Taxar grandes fortunas arrecada pouco. É mais eficiente acabar com o tratamento fiscal privilegiado concedido a instrumentos como a LCI [Letra de Crédito Imobiliário] e a LCA [Letra de Crédito do Agronegócio] e fundos de investimento exclusivos, que só beneficiam os mais ricos.

A queda dos juros ocorrerá naturalmente no mercado, ou o governo pode fazer algo para ela acontecer mais rapidamente?

O spread no Brasil é claramente uma anomalia. Quando você baixa a taxa básica de juros, é natural a demora para chegar na ponta. Mas há muito que pode ser feito do ponto de vista regulatório, não da forma voluntarista adotada no governo Dilma. 

Medidas como o cadastro positivo dos devedores e outras que diminuam o risco de crédito, como uma lei de garantias e uma nova lei de falências, podem ajudar. A entrada de novas instituições de crédito no mercado, como fundos e fintechs, também.

Há impostos que encarecem a intermediação financeira, mas eles só poderão ser eliminados quando houver um ambiente suficientemente competitivo, e se você descobrir qual imposto poderá ser aumentado para substitui-los, porque não dá para diminuir a carga tributária. 

A concentração do setor bancário é um problema?

Saberemos mais à frente. Precisamos criar primeiro condições para entrada de novos concorrentes, para depois ver se de fato o spread cairá com isso. 

Aceitaria voltar para o governo como ministro da Fazenda?

Isso nem se coloca. Primeiro, alguém precisa ser eleito e alguém precisa me convidar. Depois a gente decide.

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