Gigante chinesa da tecnologia pode ser primeira vítima em nova guerra fria

ZTE suspendeu parte das atividades depois que Trump a proibiu de usar componentes fabricados nos EUA

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Fábrica da ZTE em Nanjing (China) - Reuters
Raymond Zhong
The New York Times

Não a Apple. Não a Huawei. A primeira baixa na guerra fria da alta tecnologia entre os Estados Unidos e a China talvez venha a ser a maior fabricante de eletrônicos da qual você nunca ouviu falar.

A companhia chinesa ZTE anunciou na quarta-feira que havia suspendido suas "atividades operacionais importantes", depois que o governo Trump a proibiu, no mês passado, de usar componentes fabricados nos Estados Unidos. Com a produção suspensa na fábrica da ZTE em Shenzhen, os operários vêm sendo chamados para sessões de treinamento, a intervalos de cerca de dois dias - um tédio, eles dizem. No restante de sua jornada de trabalho, eles ficam ociosos em seus alojamentos, nas imediações da fábrica.

As transações com ações da empresa estão suspensas há semanas nos mercados. O pessoal executivo foi instruído, de acordo com novas diretrizes a que o jornal The New York Times teve acesso, a reassegurar os clientes ansiosos, mas ao mesmo tempo evitar discutir com eles a tecnologia americana que a empresa está proibida de usar pelos próximos sete anos.

Uma das mais bem sucedidas entre as empresas chinesas de tecnologia, com receita anual de cerca de US$ 17 bilhões, a ZTE está diante de uma sentença de morte. O Departamento do Comércio americano bloqueou seu acesso a componentes fabricados nos Estados Unidos até 2025, afirmando que a empresa não puniu empregados que violaram os controles de comércio com o Irã e a Coreia do Norte.

Microchips fabricados nos Estados Unidos acionam as estações sem fio da ZTE. Componentes ópticos americanos são usados em suas redes de fibra óptica. Seus smartphones usam o sistema operacional Google Android. Agora que o governo Trump está ameaçando uma guerra comercial com o objetivo de bloquear os planos chineses para promover o desenvolvimento das indústrias avançadas do país, os problemas que a companhia está enfrentando servirão como demonstração prática, para os líderes chineses, das razões para que a China precise de maior autossuficiência tecnológica.

Celular da ZTE - Carlo Allegri-20.abr.2018/Reuters

O presidente Xi Jinping recentemente fez um inspirador apelo à ação, de acordo com a agência estatal de notícias Xinhua.

"Apertando os cintos e cerrando os dentes, construímos 'duas bombas e um satélite'", disse Xi, em referência a um programa de desenvolvimento de armas da era de Mao Tse-tung. "Isso aconteceu porque usamos o melhor de nosso sistema socialista - concentramos os esforços para fazer o que era necessário. O próximo passo é fazer o mesmo na ciência e tecnologia. Devemos deixar de lado as falsas esperanças e concentrar nossa atenção em nós mesmos".

O momento de crise da ZTE, se levar ao colapso da empresa, também pode demonstrar as consequências que a guerra fria tecnológica teria em todo o mundo.

A empresa tem 75 mil empregados e faz negócios em mais de 160 países. É a quarta maior vendedora de smartphones nos Estados Unidos. E seus equipamentos de telecomunicações são parte da espinha dorsal da comunicação digital de muitos países em desenvolvimento.

A operadora de telefonia móvel MTN, que atende a 220 milhões de pessoas em 22 países, na África e Oriente Médio, anunciou na semana passada que estava estudando planos de contingência, "dada à exposição que nossas redes têm a equipamentos da ZTE". O presidente-executivo da Telenor, uma operadora de telefonia móvel norueguesa que tem grandes operações na Ásia, disse que a empresa "estava acompanhando a situação atentamente".

Diversos empregados descreveram a situação interna da ZTE, mas pediram que seus nomes não fossem revelados por medo de represálias da parte do empregador. Uma porta-voz da companhia se recusou a comentar.

Os Estados Unidos há anos classificam a ZTE e a Huawei, uma rival muito maior no ramo de equipamento para redes de telecomunicações, de representarem ameaça à segurança nacional americana. As grandes operadoras americanas de telefonia móvel já rejeitam os equipamentos produzidos pelas duas companhias chinesas. A Casa Branca está considerando impor uma ordem executiva que dificultaria a aquisição de equipamentos das duas empresas por agências públicas.

Em resposta às sanções divulgadas no mês passado, a ZTE anunciou que estava trabalhando para cumprir melhor as normas. Requisitou uma suspensão da proibição de exportações e enviou informações adicionais  ao Departamento do Comércio americano em apoio aos seus argumentos.

A Zhongxing Telecomunications Equipment é a sucessora de uma empresa estabelecida em 1985 como joint venture entre uma companhia aeroespacial estatal e duas outras empresas chinesas. Em poucos anos, a companhia se tornou fabricante de equipamentos para as operadoras de telefonia na região rural chinesa, antes de se expandir para as cidades e depois para o exterior.

"Zhongxing" quer dizer "China prospera". O acionista controlador da empresa é a Shenzhen Zhongxingxin Telecommunications Equipment, na qual duas entidades estatais chinesas têm participação acionária de quase 50%. Diversos membros do conselho da empresa têm papéis de liderança na Zhongxingxin. A ZTE afirma que a Zhongxingxin não interfere em suas decisões de negócios. Ao contrário das empresas estatais chinesas, muitas vezes comandadas por dirigentes do Partido Comunista que saltam de companhia a companhia, a maior parte dos executivos da ZTE são veteranos na casa, com formação técnica.

A fabricante de eletrônicos lançou seu primeiro smartphone no mercado dos Estados Unidos em 2011. Em dois anos, estava entre os cinco líderes desse mercado no país, dirigindo seus produtos a pessoas que querem um celular mas não desejam contratos longos com operadoras de telefonia.  A ZTE não teve grande sucesso em suas vendas de smartphones nem mesmo na China.

"É extraordinariamente impressionante, o que eles fizeram nos Estados Unidos", disse Avi Greengart, analista de bens eletrônicos de consumo na empresa de pesquisa GlobalData. "Tantas empresas de tecnologia disseram que ingressariam no mercado americano mas tiveram de recuar - como a Xiaomi ou a Huawei. Ou investiram nos Estados Unidos e não conseguiram sucesso".

Na África, a ZTE e a Huawei ajudaram a conectar muitas das economias de rápido crescimento no continente, muitas vezes com a ajuda de generosos financiamentos à exportação por bancos estatais chineses, A ZTE instalou milhares de quilômetros de cabos de fibra óptica na Etiópia e recentemente assinou um acordo com a MTN, da África do Sul, para testar sistemas de telefonia móvel de quinta geração, ou 5G.

Alguns dos contratos entre a empresa e governos com problemas de caixa geraram acusações de corrupção e de superfaturamento. No geral, porém, a ZTE é conhecida na África pela boa qualidade de seus produtos e pelo bom serviço, disse Dobek Pater, especialista em telecomunicações no grupo de pesquisa Africa Analysis.

"A percepção inicial, de que as empresas chinesas chegavam, se mantinham muito sigilosas, e tentavam manter envolvimento mínimo com os parceiros locais, mudou bastante nos 10 últimos anos", ele disse.
No Irã, foi sigilo de outra espécie que causou problemas para a ZTE.

De acordo com o governo dos Estados Unidos, a empresa usou um sistema complicado para vender no país bens fabricados nos Estados Unidos, e depois mentiu e apagou emails quando o Departamento do Comércio americano iniciou uma investigação. A empresa chegou a preparar planos para retomar os embarques ao Irã enquanto a investigação ainda estava em curso, de acordo com o Departamento  do Comércio.

"Em casa, eles talvez estivessem fazendo algumas coisas que não respeitavam completamente os padrões - e mais tarde, quando veio a hora de se internacionalizarem, talvez não o tenham feito do jeito correto", disse Gu Wenjun, analista da ICWise, uma empresa que pesquisa sobre o mercado de semicondutores, em Xangai.

"Para outras empresas que estejam pensando sobre como seguir as regras e administrar riscos internos, creio que isso servirá como um sinal de alerta", disse Gu.

No mínimo, as sanções contra a ZTE parecem estar reforçando a determinação de Pequim de promover avanços tecnológicos nos fabricantes chineses de microchips, que enfrentam dificuldades para acompanhar os líderes mundiais do setor apesar do apoio estatal que recebem.

Chris Lane, analista de telecomunicações da corretora Sanford C. Bernstein em Hong Kong, acredita que a China esteja decidida a colocar seu setor de semicondutores na liderança mundial desse mercado - ainda que fazê-lo exija uma década.

"Eles investirão bilhões de dólares para impedir que algo assim volte a acontecer", ele disse. "Em longo prazo, estrategicamente, isso pode ser pior para os Estados Unidos que a situação atual".
Na sexta-feira, a direção da ZTE enviou um email aos funcionários da empresa, atualizando-os sobre seus esforços para se reconciliar com Washington.

"Mesmo a mais longa das estradas tem um fim", o email concluía. "Mesmo a mais longa noite termina em um novo dia. Devemos nos manter resolutos e confiantes, para saudar a nova alvorada com toda a esperança!"
 
Tradução de PAULO MIGLIACCI

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