Governo inclui ganho com imposto sindical no orçamento

Tributo deixou de ser obrigatório com a entrada em vigor da reforma trabalhista

Carteira de trabalho e previdência social contra fundo azul
A lei orçamentária deste ano estimou arrecadação de R$ 475,5 milhões com a contribuição sindical - Gabriel Cabral/Folhapress
Anaïs Fernandes
São Paulo

Apesar de a lei da reforma trabalhista determinar o fim do pagamento obrigatório do imposto, o governo federal continua prevendo sua arrecadação.

A LOA (Lei Orçamentária Anual) 2018, sancionada em janeiro, estimou arrecadação de R$ 475,5 milhões com a chamada contribuição sindical. A LOAs de 2016 e 2017 previam R$ 416 milhões.

Na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) 2019 proposta pelo governo e que chegou ao Congresso em abril, a projeção de 2018 foi revista para R$ 273 milhões.

"A LDO não está mudando a lei orçamentária anual, que já foi aprovada, é apenas um ajuste que só serve para embasar a coerência futura dos valores na lei de diretrizes", explica Tathiane Piscitelli, professora de finanças públicas e direito tributário da FGV Direito SP. 

As estimativas são ainda de arrecadação de R$ 139,3 milhões em 2019, R$ 149,6 em 2020 e R$ 160,3 milhões em 2021. Procurado, o Planejamento disse que o cálculo da contribuição é de responsabilidade do Ministério do Trabalho, que não respondeu aos questionamentos da reportagem.

Uma cota de 10% da contribuição sindical vai para o FAT (Fundo de Amparo do Trabalhador), ligado do Ministério do Trabalho (MTE). Por isso, essa receita é contabilizada no Orçamento.

Segundo o MTE, os sindicatos arrecadaram R$ 2,2 bilhões com o imposto em 2017. O recolhimento, equivalente a um dia de trabalho e descontado uma vez por ano, geralmente em março, tornou-se voluntário desde novembro, com a aprovação da reforma trabalhista em julho do ano passado. 

Para Fábio Lemos Zanão, do Zanão & Poliszezuk Advogados Associados, a medida implica renúncia fiscal —umavez que não há garantia, com o fim da obrigatoriedade, de que esse dinheiro vai entrar no caixa do governo— e, por isso, precisaria ser detalhada em lei específica, o que não ocorreu.

Em ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) apresentada ao STF (Supremo Tribunal Federal) em nome da Feaac (Federação dos Empregados de Agentes Autônomos do Comércio de SP), Zanão questiona a suspensão do tributo e cita desrespeito à Constituição, que diz que "qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição."

Igor Mauler Santiago, advogado especializado em direito tributário, afirma que a revogação de um tributo não configura renúncia fiscal, que seria caracterizada pela concessão de um benefício fiscal ou isenção.

Piscitelli concorda, mas diz ver riscos ao artigo 12 da Lei de Responsabilidade Fiscal, segundo o qual "as previsões de receita observarão as normas técnicas e legais, considerarão os efeitos das alterações na legislação, da variação do índice de preços, do crescimento econômico ou de qualquer outro fator relevante".

"A ideia é que essas receitas não devem ser um chute, os valores precisam guardar coerência no tempo e com as leis aprovadas. Ao estabelecer na LOA 2018 o mesmo nível de arrecadação de quando a contribuição era obrigatória, parece que a União não está assegurando que aquela expectativa é firmada em dados reais", diz Piscitelli.

Para José Roberto Afonso, pesquisador do IBRE/FGV e professor do IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público), a previsão de arrecadação inchada por si só não é um problema, a menos que venham a se realizar gastos sobre uma receita que não se concretize.

"A Lei de Responsabilidade Fiscal exige que, depois de sancionado o Orçamento, seja feita uma programação periódica ao longo do ano. De tempos em tempos, é apurado o que foi efetivamente arrecadado e comparado com o era esperado inicialmente. Se houver frustração, é preciso contingenciar um valor igual ao que se deixou de arrecadar. O problema não é errar a previsão. O desarranjo estaria em, uma vez constatada uma arrecadação efetiva menor, não ser sequestrado o que se orçou a mais", afirma.

Patrícia Pelatieri, coordenadora de pesquisas e tecnologia do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), diz que a projeção do governo para 2018 no mesmo patamar de anos anteriores faz sentindo em um cenário de incertezas. 

"Há disputa política na sociedade e questionamentos na Justiça sobre a desobrigação da contribuição sindical. Com isso, não é possível saber qual será a real dimensão do recolhimento. Vamos ter uma noção um pouco melhor sobre o comportamento das empresas a partir de junho", avalia.

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