Fraudes da Dolly acumulam R$ 4 bi e já duram ao menos 20 anos, diz Procuradoria

O esquema seria liderado pelo sócio Laerte Codonho, preso preventivamente nesta quinta (10)

Laerte Codonho chega no 77º DP na região central de São Paulo
Laerte Codonho chega no 77º DP na região central de São Paulo - Danilo Verpa/Folhapress
 
 
São Paulo

​​A prisão de Laerte Codonho, sócio da marca de refrigerantes Dolly, nesta quinta-feira (10), foi fruto de um esquema fraudulento que se arrasta desde ao menos 1998 e que já acumulou um montante de R$ 4 bilhões em impostos estaduais e federais não pagos, segundo o Ministério Público do Estado de São Paulo. Apenas de ICMS não pagos, foram R$ 2,1 bilhões.

“A dívida bilionária foi constituída por fraudes praticadas por muitos anos, que foram evoluindo ao longo do tempo, à medida que aumentava o cerco da procuradoria”, afirma Rodrigo Silveira, promotor de Justiça do Gedec (Grupo de Representação a Delitos Econômicos).

Inicialmente, a empresa trabalhava emitindo notas de valores menores que os reais e apresentava rendas sem notas, segundo a investigação.

Com o tempo, foi aperfeiçoando a fraude: por meio de laranjas, passou a constituir distribuidoras que simulavam a compra de refrigerantes, gerando créditos irregulares.

A fraude evoluiu para um sistema formado por três fábricas, em que duas delas emitiam notas de refrigerantes que na verdade eram produzidos na planta central, de Diadema (SP), afirmou Silveira.

Os mandados foram expedidos pela 4ª Vara Criminal de São Bernardo do Campo.   ​

A prisão de Codonho tem prazo de cinco dias, prorrogáveis por outros cinco. Também foram presos o ex-contador da empresa, Rogério Raucci, e o gerente financeiro, César Requena Mazzi.

"Vamos buscar coletar o máximo de provas nesse tempo", disse o procurador do estado, Cassiano Luiz Moreira. 

A alegação para as prisões temporárias foi evitar a destruição de provas, o que já teria ocorrido em operações passadas envolvendo a companhia. Nas buscas e apreensões realizadas nos escritórios da empresa e na residência dos investigados, foram encontrados documentos e notas picadas.

Além das prisões, houve o bloqueio patrimonial dos integrantes do esquema, a quebra do sigilo bancário e fiscal, além do sequestro de diversos bens, cujos valores ainda não foram contabilizados.

Entre eles, estão 13 automóveis, alguns deles de luxo e de colecionadores, e três helicópteros –dois estavam em um hangar irregular em São Bernardo do Campo e o terceiro não teria registro na Anac (agência reguladora do setor aéreo).

Na busca e apreensão desta quinta, também foi encontrado dinheiro em espécie supostamente escondido em fundos e paredes falsas. Na casa de Codonho, foram encontrados R$ 30 mil. Nos demais locais, foram achados R$ 200 mil, além de 4 mil libras e 4 mil euros. 

Segundo o promotor, não houve colaboração da empresa para viabilizar o acesso aos locais da companhia. 

A investigação aponta Codonho como o líder do esquema, o que ele nega. 

 

Codonho foi preso na manhã desta quinta-feira (10) em sua casa, na Granja Viana, em Cotia, na Grande São Paulo.

A Polícia Militar foi acionada pelo Ministério Público de São Paulo e acompanhou a prisão do executivo. Não houve resistência, de acordo com a PM. 

Codonho foi levado para o 77º DP, na região central de São Paulo. Chegou segurando um cartaz com a frase "Preso pela Coca-Cola", seu maior concorrente. Procurada, a Coca-Cola Brasil disse que não comenta processos judiciais em que não esteja envolvida. 

A Dolly afirma, em nota, que a prisão de Codonho é injusta, que ele sempre colaborou com as autoridades e que tem certeza de que o empresário provará sua inocência. "A defesa recorrerá da decisão e confia na Justiça."

"Como eu vou sonegar com a Fazenda o dia inteiro em cima da gente? Nós somos vítimas de uma fraude de um contador contratado pela Coca-Cola", disse Codonho ao chegar à delegacia.

Em relação ao bilhete em que se lia “Preso pela Coca-Cola”, entregado a jornalistas no momento de sua prisão, o promotor Rodrigo Silveira afirmou apenas que não há nenhuma outra fabricante de refrigerantes envolvida nas investigações.

Questionado sobre valores em dinheiro que teriam sido encontrados em sua casa, Codonho disse que está tudo declarado no Imposto de Renda. "Qual o problema? É até bem pouco, poderia ter mais pelo tanto que eu trabalho, pelos empregos eu eu gero. Ou não pode ter dinheiro em casa?"

No início da noite, ao sair da delegacia para o IML (Instituto Médico legal) para realizar o exame de corpo de delito, Codonho voltou a afirmar que foi "preso pela Coca-Cola".

Tirou do bolso e estendeu aos jornalistas o mesmo bilhete que havia apresentado mais cedo, ao entrar no 77º DP. Segundo ele, desde 2003, sua empresa e a Coca-Cola têm uma briga.

"Eles contrataram sempre para nos acabar. Você acha que alguém consegue sonegar R$ 4 bilhões? Isso não existe. Por que a Coca-Cola não faz o exame do extrato vegetal que é de folha de coca?", disse. 

SEGUNDA CONDENAÇÃO

Codonho e mais quatro funcionários da Dolly, responsáveis pela gerência e administração da empresa, já haviam sido condenados à prisão por sonegação de contribuição previdenciária. 

A decisão do juiz federal Márcio Martins de Oliveira, da 3ª Vara Federal de São Bernardo do Campo, foi proferida em fevereiro deste ano. A Vara esclareceu nesta quinta, porém, que não foi expedido mandado de prisão nesse processo.

Segundo o Ministério Público Federal, autor da ação, os réus reduziram o pagamento de contribuições previdenciárias e sociais destinadas ao Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial),  Sesi (Serviço Social da Indústria), Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) e FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) em 1999, 2000 e 2001, por meio da criação de uma empresa, que supostamente prestaria serviços de manutenção à companhia de refrigerantes.

Empregados da companhia teriam tido seus contratos rescindidos e, em seguida, foram recontratados pela nova empresa, “com continuidade da prestação laboral da forma pactuada com o empregador inicial, inclusive no que tangia à subordinação”, diz o processo.

A investigação foi iniciada após o INSS perceber a queda nesse período do volume de arrecadação dos tributos da empresa e determinar a fiscalização.

O magistrado afirma que, com a criação da empresa prestadora de serviço houve uma “simulação de celebração de contrato” com a empresa de refrigerantes. Ele enumera diversas irregularidades como a inexistência de contrato entre as empresas e a não emissão de notas fiscais, folhas de pagamento ou recibos de prestação de serviço.

Ele também chama a atenção para o fato de os empregados que haviam rescindido seus vínculos com a dona da Dolly terem sido contratados no dia seguinte pela prestadora de serviços, “continuando a executar os mesmos trabalhos, inclusive com subordinação ao tomador”.

O juiz considerou Codonho o “mentor do esquema criminoso”.

Para ele, a pena aplicada foi de 6 anos e 7 meses de prisão, além de multa. Os outros quatro condenados tiveram uma pena de 5 anos e 8 meses, mais multa. Foi estabelecido regime inicial semiaberto para todos, e eles puderam recorrer em liberdade.

ICMS

No ano passado, a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo deflagrou a Operação Clone, contra a fabricante de bebidas da Dolly, por suspeitas de que a companhia teria retomado as atividades de modo irregular, a partir da criação de novas empresas, após ter sua inscrição estadual cassada em 2016.

A empresa tinha dívidas de R$ 2 bilhões em ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços).

À época, a Dolly disse que não praticou sonegação fiscal e afirmou ter sido vítima de seu escritório contábil, que, segundo ela, omitiu durante anos do Fisco dados importantes, provocando um desfalque milionário com falsificação de sentenças, fraude de guias e documentos

Dhiego Maia, Anaïs Fernandes , Joana Cunha e Taís Hirata
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