'Se tiveram má criação, foi porque você trabalhou', diz Luiza Trajano

Dona do Magazine Luiza conta como conciliou a maternidade e uma das maiores redes do país

Luiza Helena Trajano, criadora do Magazine Luiza
Luiza Helena Trajano, criadora do Magazine Luiza - Eduardo Anizelli/ Folhapress
Tatiana Vaz
São Paulo

Enquanto criava três filhos, a empresária Luiza Helena Trajano transformou uma loja em Franca, interior de São Paulo, numa das mais admiráveis redes de varejo do país. O Magazine Luiza é chamado de Amazon brasileira pelo uso de inovações nas vendas, e suas ações se valorizaram incríveis 720% desde o fim de 2016.

Alternando a presidência do conselho de administração da rede com a liderança do grupo Mulheres do Brasil, Luiza Helena agora também é avó e ativista feminina.

Quando encontra uma profissional com dificuldade para conciliar carreira e maternidade, os seus olhos ficam marejados. Pondera se a culpa --tão comum na vida profissional de mães-- é o motivo do imbróglio. Conta que nunca vivenciou essa sensação porque cresceu rodeada de fortalezas femininas e que isso fez toda a diferença em sua trajetória.

 

Venho de uma família em que as mulheres sempre trabalharam muito, em uma época em que trabalhar fora não era comum. Tive a sorte de ter duas pessoas de personalidade muito forte perto de mim --minha mãe, de uma inteligência emocional ímpar, e minha tia, uma empreendedora nata.

Mesmo sendo filha única, fui criada para ser independente, ser a protagonista da minha história. Com seis anos, andava de ônibus sozinha. Viver em Franca [interior paulista] ajudava muito nesse sentido.

Aos 12, comecei a trabalhar na loja de presentes da minha tia, o Magazine Luiza. O maior incentivo veio de casa. Minha mãe dizia: "Não tem importância você gastar, desde que você ganhe primeiro". Essa concepção de que o legal era ganhar até hoje me acompanha.

Casei cedo, aos 22. Dois anos depois, tive o primeiro filho [Frederico, 42, presidente da rede]. Depois, tive duas meninas, hoje com 39 e 37 anos.

Voltava a trabalhar um mês e meio depois dos partos, com eles nos braços. Amamentava em casa e levava para as lojas.

Lembro o que minha mãe disse quando eu tive o Fred: "Filho é um marco, é a coisa mais importante da vida". Falou que não havia receita certa para criar, apenas bom senso e muito amor, e que eu nunca deveria "pegar culpa". Ela me alertou: "Minha filha, vão dizer que, se foi ruim [a criação dos seus filhos], foi porque você trabalhou, se foi boa, foi porque Deus ajudou".

 

Acho engraçado quando me perguntam como criei meus filhos, hoje bem-sucedidos, enquanto fazia a empresa crescer. Sempre respondo: "Foi Deus quem ajudou".

Minha tia, por outro lado, me ensinou a ser empreendedora. Para ela, nunca tinha crise, tudo era oportunidade. Ela dizia que eu sempre daria conta. E essa capacidade de acreditar em mim foi o que mais me ajudou. Tive pouca culpa e muito esforço.

Nunca teorizei a educação das crianças. Acompanhava o que aprendiam na escola, mas nunca dei longos discursos morais. Eu os criei pelo exemplo, mostrando que dinheiro não compra tudo, que é preciso tratar todos como igual.

Nunca tive dó de filho, nem de funcionário. Tenho de desempregado que quer trabalhar. Para mim, depois de saúde, emprego é a melhor coisa da vida.

Tive que aprender a sentir dó, conviver com esse sentimento, depois que virei avó. Tenho dó de dar bronca.

E, por mais enérgica que eu seja, tenho muito cuidado com os outros. Sempre penso que poderia ser um filho meu. Por isso não acredito que as pessoas precisam ser uma coisa em casa, outra no trabalho.

As empresas precisam entender: se uma pessoa tem um bebê doente em casa, ela não consegue trabalhar normalmente. Não adianta.

 

 

Luiza Helena Trajano, 66

Formada em administração de empresas e direito, é presidente do conselho de administração do Magazine Luiza e uma das fundadoras do grupo Mulheres do Brasil

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