Setor fechado, construção vira alvo de inovação de startups

Empresas buscam levar produtividade com ideias fornecidas em aplicativos

Filipe Oliveira
São Paulo

Setor considerado pouco aberto a novas tecnologias, a construção virou alvo de uma série de startups que veem em suas ineficiências grandes oportunidades para seus empreendimentos.

Essas empresas querem levar produtividade ao segmento com ideias como aplicativos para organizar o canteiro de obra, novas técnicas de construção, novos materiais e até o uso de drones.

“É um setor expressivo em termos econômicos e um dos piores em adoção de tecnologia, o que significa que há um espaço enorme para crescer”, diz Bruno Loreto, que criou há dois anos o fundo Construtech Ventures, que investe em empresas iniciantes do setor.

O fundo já apostou em oito startups. Sua meta é chegar a 20 em dois anos, injetando entre R$ 500 mil e R$ 2 milhões por companhia.

Uma das empresas que buscam fazer isso é a Construct App, que tem aplicativo que reúne informações sobre tarefas em desenvolvimento e problemas a serem resolvidos em uma obra.

Com isso, substitui o uso do papel e do WhatsApp na troca de informações, explica Drew Beaurline, sócio da companhia mineira.

A ideia é que engenheiros parem de gastar tempo perguntando como está cada coisa, diminuindo a necessidade de reuniões e retrabalhos.

O app foi usado em cerca de 600 obras de 50 empresas.

“A demora para que a informação chegue à pessoa certa leva a erros, coisas que terão de ser quebradas para serem corrigidas”, diz Beaurline.

Há outras companhias dedicadas a criar novos modelos de negócios para tornar as obras mais acessíveis.

No grupo encontra-se a paulistana Vivenda, que faz reformas em casas populares vulneráveis, especialmente por causa de problemas hidráulicos, elétricos e excesso de umidade.

Para isso, a empresa monta lojas em regiões periféricas para estar perto dos potenciais clientes (são duas até agora).

Suas inovações vão desde a área financeira (a startup lançou debentures, títulos de dívida, para captar dinheiro no mercado e poder parcelar as reformas das casas) até logísticas e de materiais, explica Fernando Assad, sócio da companhia.

Cada cômodo reformado custa, em média, R$ 6.800.

Para reduzir o preço das reformas, a empresa passou a comprar lotes de material de construção maiores do que fazem as lojas de bairro e fechou parcerias com elas para armazená-lo, em troca de comissão pela venda. Com isso, consegue desconto dos fornecedores.

O próximo passo é desenvolver com grandes companhias do setor da construção, como Vedacit e InterCement, materiais que são planejados para seu público.

Há um ano, a Vivenda passou a trabalhar com impermeabilizantes à base de cimento que não precisa de acabamento, criado a partir de sugestões da própria startup, por exemplo.

“No dia a dia, entregamos reformas. Mas, do ponto de vista estratégico, queremos desenvolver o mercado de reformas para a baixa renda”, diz Assad, que foi vencedor do prêmio Empreendedor Social de Futuro da Folha em 2015.

Valdelice Vieira, 71, conseguiu terminar a obra de sua casa, emperrada há 12 anos, com a ajuda do Vivenda. Ela financiou o projeto em 30 meses. “Se não fosse por isso, ainda iria demorar anos e anos”, diz a aposentada, moradora da região de Guarapiranga, na zona sul de São Paulo.

Outra estratégia de novas empresas é tomar como inspiração o mercado automotivo e passar a fazer parte da obra em uma linha de montagem. No canteiro, os profissionais recebem painéis que formarão as paredes com estrutura hidráulica e elétrica embutida e o trabalho se parece mais com encaixar peças de Lego, afirma Caio Bonatto, da curitibana Tecverde.

Ele diz que esse processo permite terminar o imóvel em um terço do tempo. “Montamos um prédio de quatro andares em uma semana com oito pessoas”, diz Bonatto.

A companhia já entregou 3.000 imóveis, a maioria nos últimos três anos e 80% deles inseridos no Minha Casa Minha Vida. “Se não tornarmos a construção civil mais produtiva, não importa qual seja o programa, não será suficiente para atender ao déficit de moradias do Brasil”, diz.

Grandes empresas se aproximam de startups

Percebendo o avanço das startups da construção, grandes empresas do setor criam iniciativas para se aproximar.

A Andrade Gutierrez selecionou em 2017 dez startups que tinham produtos que gostaria de testar em suas obras.

Neste ano, escolheu mais sete para o Vetor, programa de aceleração para desenvolver startupsque considera promissoras . Elas terão apoio para se desenvolver durante cinco meses e poderão usar escritório compartilhado disponibilizado pela companhia.

No grupo de selecionadas estão companhias que trabalham com sensores para captar informações na construção, inteligência artificial para prevenir quebra de máquinas e especializadas em processos químicos para produção de cimento.

Glaucia Alves, diretora de inovação da empresa, diz que o trabalho com startups permite ter vantagens em relação a outras companhias do setor.

Uma das selecionadas pela empresa é a Levitar, criada pelos engenheiros aeronáuticos Luiz Carlos Filho e Jean Elias.

A companhia foi escolhida ao apresentar uma forma de levar cabos mais leves do que o convencional para a instalação de linhas de transmissão usando drones.

Carlos Filho diz que a startup atuará com outros serviços feitos por drones, como logística na distribuição de alimentos em locais de difícil acesso por caminhões.

“Penso que ninguém inova sozinho. Fazemos isso ouvindo as dores do cliente.”

A Tecnisa tem há oito anos o Fast Dating, programa de aproximação com startups.

Romeo Busarello, diretor de marketing da empresa, diz que a qualidade das startups aumentou no período.

Segundo ele, foram recebidas até agora cerca de 850 empresas. Porém apenas 8% das reuniões viraram negócios em todo o período. Já nos últimos três anos 20% dos encontros deram resultado, diz.

A MRV lançou em 2017 o espaço Órbi Conecta, em Belo Horizonte, em parceria com a Localiza e o Banco Inter. 

O escritório compartilhado tem capacidade de receber cerca de 20 startups.

Flavio Vidal, gestor-executivo de inovação da empresa, explica que a companhia não tem obrigação de fazer negócios com as startups, mas se beneficia da proximidade com o modo de trabalho aberto à inovação delas.

Entre as startups do espaço estão a Alma, que ajuda clientes a contratar profissionais para obras, e a Revex, que tem software para montar escala de revezamento.

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