Call centers preveem quando atendentes serão xingados

Análise de sentimento, feita com inteligência artificial, ajuda a direcionar atendimento

Natália Portinari
São Paulo

O cliente quer cancelar um serviço. Fala com um, dois, três atendentes. Pendurado há mais de duas horas no telefone, ele ergue a voz e diz “escuta aqui, quero falar com seu supervisor”.

O que o consumidor exaltado pode não saber é que, neste momento, tem boi na linha: um robô. Alguns call centers adotam inteligência artificial para identificar sentimentos em tempo real, e, com isso, direcionar o atendimento.

“Na tela do atendente, há um termômetro com o nível de estresse do cliente, que já é medido antes de começar a ligação, com base no histórico de ligações anteriores”, diz João Pedro Cavalcante Santana, diretor de atendimento da Oi.

A entonação do cliente e os termos que ele usa são levados em consideração. “Se ele estiver prestes a gritar, o supervisor entra na chamada para ver o que está acontecendo.”

Em alguns casos, se a raiva for muito intensa, a chamada desliga automaticamente —é a deixa para tomar um copo d’água, respirar fundo e ligar de novo. Na Oi, isso não acontece, segundo Santana.

“O atendente não tem a opção de derrubar a chamada, porque isso deixa o cliente ainda mais irritado. A máquina serve como um Big Brother, mostra para o supervisor o que está acontecendo para que ele possa intervir.”

Na Vivo, a análise de voz em tempo real está sendo implementada. Por enquanto, há apenas uma transcrição automática da conversa, gerada após o fim da ligação. 

O texto é analisado, também com inteligência artificial, e serve “para identificar os motivos de ligação e a satisfação e experiência do cliente”, segundo Luiz Medici, diretor de big data da operadora.

“A solução em tempo real irá permitir que o atendente faça um atendimento ainda mais assertivo e eficiente”, afirma.

Por enquanto, a análise do texto transcrito é mais eficiente que os recursos em tempo real, diz Wenceslao Gorchs, consultor da indústria da Teradata Brasil, empresa que vende soluções tecnológicas desse tipo para call centers.

“Pode ter limitação da taxa de compreensão das palavras pelo ruído do ambiente ou pelo sotaque, entonação, tom de voz”, afirma.

Ele cita um cliente da Teradata na Arábia Saudita, que usa o reconhecimento de voz para detectar se o atendente está falando com uma mulher ou com um homem, o que serve para direcionar anúncios e promoções de telefonia.

“Muitas mulheres não têm celular próprio, então a operadora não consegue averiguar isso só pelo número de telefone. O grau de confiança da análise de gênero é alto.”

Ainda que robôs possam auxiliar na conversa com outro ser humano, o cenário almejado pelas empresas é que o cliente não interaja com ninguém, a menos que seja estritamente necessário. 

Para isso, existem chatbots, aos quais há cada vez menos resistência. Uma pesquisa da Ubisend de 2017 concluiu que um terço dos consumidores britânicos queriam que empresas adotassem mais chatbots para resolverem suas demandas mais rápido.

Nessa linha, o Bradesco e o Santander aplicam inteligência artificial na URA (unidade de resposta audível, que responde com reconhecimento de voz) e nos seus chats.

“Usamos aprendizado de máquina desde 2012”, diz Marcelo Frontini, diretor de canais digitais do Bradesco. “Análise de sentimento ainda é muito complexo. Quando um carioca fala alguns palavrões, por exemplo, é porque está feliz, não irritado. No chat é mais fácil de pegar o contexto.”

O Santander já faz 50 mil atendimentos por mês com seu chatbot e tem um sistema de biometria por voz pra identificar os clientes que ligam para o call center.

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