Discussão no BC põe em xeque inovação em pagamento

Instituição pode rever relação entre grandes empresas e fintechs; estudo vê risco à concorrência

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Ana Paula Ragazzi
São Paulo

Terminou na quinta-feira (21) a consulta pública do Banco Central sobre as regras de interoperabilidade —compartilhamento de rede— no setor de meios de pagamento brasileiro.

Esse segmento tem passado por uma modernização, com o surgimento de fintechs —empresas inovadoras em tecnologia financeira.

Algumas dessas fintechs são chamadas de emissoras de moedas eletrônicas. E, para atuarem no mercado, se relacionam com as grandes da indústria, que oferecem meios de pagamento, como cartões, boleto ou transferências bancárias, de duas formas: por meio de acordos de participação ou de interoperabilidade.

 

Quando a fintech faz um acordo de participação, ela fica vinculada às grandes empresas do setor, como as bandeiras de cartão de crédito, que irão impor as suas regras, como prazo máximo de liquidação da operação, estruturas de tarifas, obrigatoriedade do uso do cartão e não da moeda eletrônica nas compras.

Já nos acordos de interoperabilidade, esse poder regulador de uma empresa de maior porte sobre uma fintech deixa de existir —o que passa a balizar os contratos é o compromisso de tornar disponíveis mecanismos que viabilizem, até mesmo tecnologicamente, o fluxo de recursos entre elas.
Uma lei de 2013 liberou a interoperabilidade no mercado financeiro brasileiro, aos moldes da interconexão das empresas de telefonia.

O BC começou a tratar da questão em 2015. Mas, em março deste ano, quando os contratos de interoperabilidade estavam prestes a ser assinados, sinalizou que pretende voltar atrás.

A autoridade monetária fez isso ao levar para discussão com o mercado a consulta pública 63.

A proposta visa impedir que haja essa interoperabilidade no sistema financeiro brasileiro. Sem esse sistema, as fintechs passam a ser vistas como prestadoras de serviço, e não parte dele.

Um estudo do Insper aponta que, se o BC mudar as regras, os mais prejudicados serão os pequenos e médios comerciantes e consumidores.

O trabalho de autoria dos professores de finanças Claudia Bruschi e Adalto Barbaceia, do Centro de Estudos em Negócios, será apresentado hoje na instituição.

“É preciso tratar com o maior cuidado essa abordagem, que pode eliminar a flexibilidade necessária para inovações que melhoram o bem-estar social por meio da inclusão”, diz o estudo.

Se as fintechs tiverem sempre de estar submetidas às regras de uma bandeira de cartão ou outras instituições financeiras, vão perder a capacidade de inovar.

A tecnologia, nos últimos tempos, inclusive, caminha para os pagamentos que não passam por bandeiras, cartões ou maquininhas, mas que usam as chamadas contas digitais, com sistemas como QR Code (leitura rápida por código) ou o P2P (peer to peer —sistema de pagamento entre pessoas). Esses sistemas também serão prejudicados.

O trabalho do Insper aponta que essas empresas inovadoras revolucionaram o mercado de intermediação de meios de pagamento atendendo o nicho de micro, pequeno e médios comerciantes. Elas desenvolveram plataformas digitais e inovaram ao oferecer custos menores para que lojistas, físicos ou virtuais.

“Essa iniciativa vai contra a tendência recente do BC, que foi a de flexibilizar as regras para incentivar a inovação”, diz Barbaceia.

Ao iniciar uma consulta pública, o BC argumentou que tomava a iniciativa por entender que, no modelo atual, as fintechs teriam “uma situação privilegiada”.

“Mas nós não conseguimos identificar exatamente qual seria esse benefício”, diz Barbaceia, do Insper.
A ressalva dos pesquisadores, porém, é a escassez de informações quantitativas sobre o setor, uma vez que muitos dados são sigilosos.

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