Após ação do BC, dólar tem maior queda em quase 10 anos

Bolsa não reage e fecha no vermelho, mais atrelada ao cenário externo

Anaïs Fernandes
São Paulo

Após uma quinta-feira (7) de pânico no mercado financeiro, o dólar reagiu ao anúncio do Banco Central de que faria mais intervenções para conter a volatilidade do câmbio e registrou nesta sexta (8) a maior queda diária em quase dez anos.

O dólar comercial recuou 5,5%, para R$ 3,709. Na mínima, chegou a R$ 3,696. Em 13 de outubro de 2008, o dólar caiu 7,3%, num contexto da crise global. O dólar à vista perdeu 7,83% na sessão desta sexta, para R$ 3,7477. 

Em meio às instabilidades no mercado financeiro, o presidente Michel Temer (MDB) afirmou que o Brasil precisa ter mais "otimismo".

"Precisamos ter o otimismo que eu encontrei recentemente na Cúpula das Américas, em Lima, no Peru, quando em contato com 12 ou 13 chefes de Estado verifiquei a admiração extraordinária que eles têm elo nosso país. Um otimismo até quase exagerado", afirmou.

A Bolsa, no entanto, não reagiu e caiu pelo quarto pregão seguido, em meio a incertezas no cenário político-eleitoral brasileiro e alguma aversão ao risco também no exterior. As Bolsas americanas fecharam em alta, mas as principais europeias registraram baixas.

O Ibovespa, índice que reúne as ações mais negociadas, abriu praticamente estável, chegou a cair quase 3% e fechou com baixa de 1,23%, para 72.942,07 pontos —mínima desde 19 de dezembro deste ano (72.680,37 pontos). Na semana, o índice acumula queda de 5,6%. O giro financeiro deste pregão foi de R$ 20,5 bilhões.

Pesaram no índice papéis de exportadoras que vinham se beneficiando com a alta do dólar, como Suzano (-9,54%) e Vale (-6,4%). A Petrobras também caiu 3,24% (ações preferenciais) e 4,86% (ordinárias), com a queda nos preços do petróleo no exterior e refletindo incertezas sobre a autonomia da empresa para definir preços.

No câmbio, o Brasil foi na contramão do cenário externo. Enquanto o real se valorizou neste pregão contra o dólar, 21 das 31 principais divisas do mundo perdem para a moeda americana.

Na noite de quinta, o BC informou que vai intensificar sua atuação no mercado nos próximos dias, ofertando US$ 20 bilhões adicionais em swaps cambiais (equivalente à venda de dólares no futuro) até a próxima sexta-feira (15).

Ilan Goldfajn, presidente do BC, disse ainda que a autoridade monetária usará todos os recursos disponíveis caso a volatilidade cambial se agrave.

Nesta sessão, o BC vendeu integralmente o lote de até 15 mil novos swaps (US$ 750 milhões), injetando US$ 7,306 bilhões neste mês no mercado. O BC vendeu ainda até 8.800 swaps para rolagem do vencimento de julho.

Também anunciou outro leilão adicional de até 60 mil contratos ainda pela manhã, dentro da nova estratégia anunciada dos US$ 20 bilhões, e vendeu tudo.

"O cenário de baixa do dólar responde com alívio à sinalização do BC de que ele vai atuar e oferecer hedge [proteção] para quem está em busca de hedge cambial", afirma Ignacio Crespo, economista da corretora Guide.

A situação cambial do Brasil se deteriora conforme as eleições de outubro se aproximam e pesquisas de intenção de voto não comprovam o avanço de candidatos considerados pelo mercado como comprometidos com o ajuste fiscal. 

Incertezas no front político nacional afastam investidores, ao mesmo tempo em que expectativas de alta de juros nos Estados Unidos atraem fluxo de capital até então alocado em países emergentes para a economia americana, mais sólida e menos arriscada. 

O Federal Reserve (o banco central americano) fará nova decisão sobre juros na próxima semana, e a projeção dos especialistas é de alta. A dúvida é se indicará que vai acelerar o passo até o final do ano ou fará apenas mais uma elevação, além dessa, em 2018.

O quadro brasileiro piorou também após a paralisação dos caminhoneiros. Investidores temem o reflexo do movimento na produção e na inflação, bem como o impacto que as medidas do governo para subsidiar o diesel podem ter nas contas públicas.

De acordo com o IBGE, já foi possível sentir em alguns produtos os efeitos da paralisação dos caminhoneiros no IPCA divulgado nesta sexta. Aumentos nos preços da gasolina e da energia elétrica pressionaram a inflação de maio, que ficou em 0,40%, acima dos 0,22% do mês anterior. ​

TESOURO

O Tesouro Nacional voltou a suspender as negociações dos títulos públicos nesta sexta-feira devido à alta volatilidade das taxas, apesar do alívio no câmbio.

​O Tesouro Direto foi suspenso às 9h40, logo após abrir, e a expectativa de normalização que era de por volta das 12h foi adiada até as 15h30. Pouco depois de reabrir, foi suspenso novamente às 15h52 e agora só retorna na segunda-feira (11).

E os leilões tradicionais de títulos que ocorreriam na semana que vem estão cancelados.

"Temos um colchão de liquidez de R$ 575 milhões. Podemos nos dar ao luxo de cancelar leilões de títulos públicos até que as condições melhorem", afirmou o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida.

Na quinta, em meio ao pânico no mercado cambial, o Tesouro já havia suspendido as negociações de títulos públicos às 9h48. Retomou por volta do meio-dia, mas suspendeu novamente às 12h40 e anunciou que só retornaria às 9h30 desta sexta.

"Hoje, a questão é saber se o BC consegue segurar o câmbio sem mexer nos juros. A princípio, parece que o mercado está bem cético sobre isso, mesmo após a entrevista do Ilan", avalia Lucas Claro, da Ativa Investimentos.

Na noite de quinta, Ilan afastou a possibilidade de reunião extraordinária do Copom (Comitê de Política Monetária) para mudar a taxa de juros —o próximo encontro oficial está marcado para 19 e 20 de junho— e afirmou que a política monetária não serve ao propósito de conter a desvalorização do real ante o dólar.

“A política monetária é separada da política cambial. Não há relação mecânica entre as duas. A política monetária não será usada para controlar a taxa de câmbio”, disse.

O mercado entende, porém, que a disparada no dólar nas últimas semanas pressiona a inflação e pode levar o BC a mexer na Selic (a taxa básica de juros) para conter o movimento. A inflação de maio subiu 0,4%, acima das expectativas, impactada em parte pelo efeito da paralisação dos caminhoneiros no preço dos combustíveis e alimentos.

"O mercado está um pouco mais reticente de seguir tanto a sinalização do Banco Central, dada a surpresa anterior", diz Crespo, em referência à manutenção da taxa Selic em 6,5% ao ano na última reunião do Copom, sendo que o mercado entendia que haveria mais uma queda de 0,25 ponto percentual.

Após um dia volátil, os contratos de juros futuros fecharam em queda. O DI para julho de 2018 ficou em 6,5%. O contrato para outubro deste ano foi para 6,845%, e o de janeiro de 2019, para 7,25%.

"A taxas recuaram porque o BC sinalizou que o instrumento para acalmar a volatilidade do mercado será o câmbio, não os juros", diz Ricardo Rocha, professor de finanças do Insper

As taxas pagas pelos títulos públicos são inversamente proporcionais ao seu valor. Ou seja, taxas maiores desvalorizam o título.

"Na eventualidade de uma alta da Selic, isso implica dizer que quem comprou titulo prefixado está perdendo dinheiro, então as pessoas tentam vender o mais rápido possível. Todo mundo sai vendendo, o preço cai e gera distorções no sistema", diz André Perfeito, economista-chefe da Spinelli Corretora.   

O Tesouro Direito é um investimento de renda fixa, o que significa que o rendimento no dia do resgate pode ser dimensionado no momento da contratação da aplicação.

Isso não quer dizer que os preços e taxas dos títulos não apresentem variação ao longo do tempo. Entre a data de compra e de vencimento, esses valores oscilam em função de condições do mercado, como as expectativas para a Selic e a data de vencimento do título —quanto mais distante, mais sensível o título é a oscilações nas taxas de juros, por exemplo.

O extrato da aplicação é atualizado considerando essas variações —é a chamada marcação a mercado. Quando os preços dos títulos negociados no mercado caem, o saldo no extrato do investidor também é menor. Ele pode, assim, se assustar ao consultar seu extrato e perceber que seu título está valendo menos.

"Quando marco a mercado, eu trago para o título não a condição contratada na compra, mas a que alguém contrataria hoje", explica Rocha.

Se o investidor permanecer com os títulos até a data acordada, vai receber os valores correspondentes à rentabilidade contratada no momento da compra, independente dessas variações no preço ao longo da aplicação.

Se vender antes pode receber uma rentabilidade diferente da acertada no momento da compra —para mais ou para menos. Hoje, como as taxas estão altas, pode haver prejuízo para quem decidir sair da aplicação.

"A recomendação em dias de volatilidade é ter calma. As pessoas costumam ter o comportamento de manada. O pior o dia para vender um ativo é dia de volatilidade. Quem se desesperou e foi comprar dólar à vista ontem, por exemplo, pagou caro. Nunca é bom entrar em um investimento em um dia acalorado, a não ser que você seja um investidor muito experiente", orienta Rocha.​

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