Descrição de chapéu Financial Times

Jornalista aponta migração do poder no mercado publicitário

Livro mostra turbulência causada pela ascensão do uso de dados pessoais

JOHN GAPPER
Londres | Financial Times

Na publicidade, a vida se move muito rápido. "Aos 72 anos e ainda robusto, era improvável que Martin Sorrell deixasse seu posto, no futuro previsível", escreveu Ken Auletta sobre o ex-presidente executivo do WPP Group, ao final de "Frenemies".

A suposição era justa quando foi escrita, mas ainda assim se provou incorreta. Sorrell renunciou em abril ao comando da empresa que ele fundou e transformou na maior holding publicitária do planeta.

Martin Sorrell, fundador do grupo WPP e um dos personagens de “Frenemies” - Eric Gaillard-22.jun.2018/Reuters

Há controvérsia sobre a saída de Sorrell, mas o mergulho de Auletta no setor revela os antecedentes da história. As coisas já não são tão confortáveis como no passado para os redatores de publicidade e as agências que compram mídia.

A avenida Madison (o principal polo do setor publicitário em Nova York) ditava o destino do setor, mas agora o controle está se transferindo ao Vale do Silício e à China.

A publicidade é um setor difícil de compreender, em parte porque se tornou muito mais complexa do que na era retratada pela série de TV "Mad Men", mas, principalmente, por estar repleta de pessoas acostumadas a contar histórias. Mesmo que soubessem por que as agências vêm sofrendo uma forte compressão de sua receita e o quanto elas se tornaram vulneráveis ao desordenamento tecnológico, tenderiam a retratar um panorama mais róseo do que o real.

Auletta, veterano repórter da revista New Yorker, faz um trabalho notável ao delinear as personalidades e as transações obscuras do setor.

A história é sobre um negócio de alcance mundial com movimento entre US$ 1 trilhão e US$ 2 trilhões (entre R$ 3,85 trilhões e R$ 7,7 trilhões) ao ano e no qual personalidades ainda importam, mas a arte vem sendo substituída pelos dados.

Ele faz perguntas incômodas aos executivos que comandam o mercado. As mais duras são sobre o imenso volume e a profundidade dos dados pessoais de cidadãos americanos detidos por empresas que incluem Facebook e Google, mas não se limitam a elas.

Uma dessas empresas é a GroupM, da WPP. Esse tipo de agência se tornou a parte mais lucrativa das holdings de comunicação, ao adquirir espaço e tempo publicitário em nome de grandes anunciantes, em diversas mídias.

Irwin Gotlieb, presidente da GroupM, é franco sobre como gastou US$ 2,5 bilhões (R$ 9,5 bilhões) para evitar que o Google e o Facebook o flanqueassem.

Ao adquirir agências com acesso a dados de grupos de varejo, sua companhia criou uma planilha contendo informações sobre 200 milhões de indivíduos e 40 mil características de comportamento.

Você quer vender um novo molho de tomate? Em lugar de adquirir tempo na TV e esperar que o comercial dê certo, a GroupM pode colocar um anúncio direcionado a pessoas que compram grande quantidade desse produto. Não se trata exatamente de quem você imagina —como pais com filhos adolescentes—, mas de pessoas cujos programas de fidelidade no varejo permitem rastrear seus hábitos e cujos detalhes foram objeto de comparações online.

Os titãs do setor demonstram algum desconforto quando Auletta os pressiona sobre as leis frouxas de proteção à privacidade nos EUA e pergunta se não acham que os consumidores se revoltariam caso estivessem cientes de até que ponto são vigiados, mas todos terminam por responder que é uma troca justa.

O tom que eles adotam é ligeiramente desesperado, como se soubessem que estão envolvidos em um jogo perigoso, e também que não têm alternativas. Como aponta Auletta, o jogo pode terminar não com a GroupM e similares detendo os dados e cuidando do rastreamento, mas com os anunciantes negociando diretamente com o Google e o Facebook.

E talvez não seja esse o verdadeiro fim do jogo —toda a cadeia de suprimento pode terminar dirigida por robôs.

Se isso acontecer, qual é a probabilidade de que a inteligência artificial seja programada na avenida Madison, e não em Shenzhen? Baixa, eu imaginaria. Como muitos impérios, esse prosperou por muito tempo, mas, quanto mais gordas as margens de lucro e quanto melhores os martínis, mais difícil se torna perceber que as hordas estão chegando.

Frenemies
Ken Auletta, ed. Penguin, R$ 43,60, 368 págs.
 

Tradução de Paulo Migliacci

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